“O ideal da educação não é aprender ao máximo, maximizar os resultados, mas é antes de tudo aprender a aprender, é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola.” – Jean Piaget.
Piaget afirma que a educação ideal não busca apenas preencher a mente com informações, mas sim cultivar as habilidades de pensamento crítico, curiosidade e autodesenvolvimento, essenciais para uma vida de aprendizado e adaptação contínua ao longo da vida.
Destrinchando alguns pontos da afirmação de Piaget:
- Foco no processo, não apenas no conteúdo: Piaget desvia a atenção da quantidade de informação absorvida (“aprender ao máximo”, “maximizar os resultados”) para a qualidade do processo de aprendizagem. Ele sugere que o valor real da educação não está em acumular dados ou diplomas, mas em capacitar o ser para o próprio aprendizado.
- Aprender a aprender: em vez de simplesmente memorizar fatos, o aprendiz precisa desenvolver habilidades metacognitivas, ou seja, a capacidade de refletir sobre como aprende, identificar suas próprias estratégias, reconhecer desafios e buscar o conhecimento de forma pró-ativa. É sobre estimular o ser a descobrir as ferramentas necessárias para adquirir novos conhecimentos e habilidades ao longo da vida.
- Desenvolvimento contínuo: a educação não deve ser vista como um estágio finito que termina após um ciclo de estudos. Piaget evidencia a importância de “aprender a se desenvolver” e “continuar a se desenvolver depois da escola”. Isso significa que a escola precisa estimular a mentalidade de crescimento, preparando os indivíduos para se adaptarem, evoluírem e buscarem novos conhecimentos e experiências mesmo após o período formal de ensino.
- Autonomia e adaptação: ao aprender a aprender e a se desenvolver, o ser se torna menos dependente de instruções externas e mais capaz de navegar em um mundo em constante mudança, adaptando-se a novas situações e desafios.
Piaget atualíssimo, em tempos de confusão, verdades e mitos sobre Educação Integral e Escola de Tempo Integral – refletir, discutir e debater sobre o tema é uma urgência.
A Educação Integral é um conceito que, embora pareça contemporâneo, tem raízes profundas na história da educação e do pensamento humano. Não se trata apenas de estender o tempo de permanência do aprendiz na escola (o que é tempo integral), mas sim de uma concepção de educação que busca o desenvolvimento pleno do indivíduo em todas as suas dimensões: intelectual, física, emocional, social, cultural e ética.
A ideia de uma formação humana completa remonta à Grécia Antiga, com a Paideia. Para filósofos como Platão e Aristóteles, a educação visava à formação do cidadão ideal, combinando o desenvolvimento físico (ginástica), intelectual (filosofia, retórica) e moral. O objetivo era formar indivíduos virtuosos e capazes de atuar na pólis (cidade-estado).
No Iluminismo, séculos mais tarde, pensadores como Jean-Jacques Rousseau e John Locke retomaram a ideia de uma educação mais holística, centrada no desenvolvimento natural da criança e na importância da experiência. Para eles, a educação deveria respeitar as fases do desenvolvimento e preparar o indivíduo para a vida em sociedade de forma autônoma.
Com a Revolução Industrial e as questões sociais delas decorrentes, o conceito de educação integral ganhou novas perspectivas. Movimentos como o socialismo utópico e o anarquismo defenderam a educação como um meio de emancipação e transformação social. Eles propunham escolas onde o trabalho manual e o intelectual fossem integrados, buscando o desenvolvimento de trabalhadores completos, conscientes de seus direitos e capazes de atuar na construção de uma sociedade mais justa.
No início do século XX, o movimento da Escola Nova trouxe grande renovação pedagógica, impulsionando a educação integral. Educadores como John Dewey (EUA), Maria Montessori (Itália), Jean Piaget (Suíça) e Célestin Freinet (França) defendiam a escola ativa, centrada no aluno, na experiência e no desenvolvimento integral de suas potencialidades.
No Brasil, o ideal da educação integral ganhou força com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), liderado por nomes como Anísio Teixeira. Ele foi um grande defensor da escola pública, gratuita, laica e em tempo integral, com o objetivo de promover a equidade e o desenvolvimento pleno de todas as crianças. Sua visão se materializou em projetos como as Escolas-Parque em Salvador (década de 1950), ofereciam um currículo diversificado com atividades artísticas, esportivas e profissionalizantes, além das disciplinas tradicionais.
Mais tarde, na década de 1980, os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) no Rio de Janeiro, idealizados por Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, representaram outra importante iniciativa de educação em tempo integral, buscando oferecer uma formação mais completa e acolhedora para crianças e jovens em comunidades carentes.
O debate sobre a educação integral se intensificou, sendo compreendida como um projeto educativo que articula os diversos tempos, espaços, agentes e saberes dentro e fora do ambiente escolar. Programas como o Programa Mais Educação (lançado em 2007 no Brasil) buscaram expandir a jornada escolar e o desenvolvimento de atividades integradoras.
A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, consolidam a promoção da educação integral, reconhecendo o pleno desenvolvimento do educando como finalidade da educação.
Apesar dos avanços, a implementação da educação integral ainda enfrenta desafios, como a necessidade de investimentos em infraestrutura, formação de educadores e articulação entre diferentes setores e atores sociais. No entanto, o consenso é que ela representa um caminho fundamental para a construção de uma educação mais equitativa, relevante e transformadora, que prepare os indivíduos para os desafios do século XXI.
O cenário atual, se mostra confuso entre bases legais, teóricas, pedagógicas, culturais, sociais e econômicas impondo, em nome dos resultados e números, a criação de ambientes pouco acolhedores e preparados para a materialização da Educação Integral em sua essência, ao menos essa tem sido minha constatação em um dos bairros da periferia da zona norte de São Paulo.
A educação integral é mais do que um conjunto de técnicas ou um cronograma estendido; ela representa uma poderosa fusão entre a ciência e a arte.
A ciência da educação integral reside em suas abordagens estruturadas. Inclui o embasamento em pesquisas da psicologia do desenvolvimento, neurociência da aprendizagem e diversas teorias pedagógicas. Ela se manifesta em currículos bem planejados, metodologias de avaliação formativa e a implementação de projetos interdisciplinares que conectam o conhecimento de forma lógica e comprovada. É o lado do rigor, da evidência e da organização que busca otimizar o processo de ensino-aprendizagem.
Já a arte da educação integral está nas práticas inovadoras e sensíveis dos educadores e no ambiente de aprendizado. É a criatividade para adaptar métodos, a empatia para compreender as necessidades individuais dos aprendizes, a intuição para cultivar talentos e a habilidade de transformar o espaço educacional em ambiente de inspiração. A arte se revela no estímulo à curiosidade, no desenvolvimento das habilidades socioemocionais e na promoção da cultura colaborativa e acolhedora.
Essa união entre o rigor científico e a sensibilidade artística é o que leva a um aprendizado verdadeiramente significativo e uma formação completa. Quando a ciência oferece a estrutura e o conhecimento sobre como as pessoas aprendem, a arte infunde paixão, propósito e personalização, garantindo que o aprendizado não seja apenas eficaz, mas também engajador e transformador. O resultado são indivíduos mais autônomos, adaptáveis e preparados para a vida.
Os desafios para a implementação da Educação Integral de fato e de direito é uma realidade no Brasil, mas a boa notícia é que existem profissionais da educação, espaços formais e não formais de aprendizagem fazendo a diferença na vida de crianças, adolescentes, jovens e adultos.
Para pais, educadores e gestores incorporar os princípios da educação integral em suas realidades, finalizo com reflexões e pequenas atitudes conscientes.
Para pais:
- Olhe além das notas: observe o desenvolvimento de seu filho em outras áreas. Ele demonstra curiosidade? É empático com os colegas? Consegue resolver problemas do dia a dia? Pense em como podem enriquecer a vida dele com atividades fora da sala de aula que explorem talentos e paixões.
- Valorize todas as aprendizagens: entenda que a aula de música, o esporte ou o projeto de ciências são tão importantes quanto a matemática, ou o português para a formação completa. Como você pode apoiar essas diferentes dimensões em casa?
- Seja um modelo: mostre que o aprendizado é contínuo e vai além da escola. Leia, explore novos hobbies, discuta ideias. Seu exemplo é uma poderosa lição de vida.
Para educadores:
- Pense no aprendiz completo: vá além do conteúdo programático. Quais habilidades socioemocionais seu aluno precisa desenvolver? Como você pode incentivar a criatividade, a colaboração e o pensamento crítico em suas aulas?
- Integre saberes: busque conexões entre as disciplinas. Como um tema de história pode se ligar a um projeto de arte ou a uma discussão ética? A aprendizagem se torna mais significativa quando os alunos veem a relevância.
- Use o ambiente a seu favor: a sala de aula e os espaços da escola podem ser flexíveis e convidativos à exploração e à autonomia. Pense em como pequenas mudanças podem estimular diferentes formas de aprendizado.
Para gestores:
- Promova o diálogo e a formação: crie espaços para que sua equipe discuta a educação integral e ofereça capacitação em metodologias que a promovam. O engajamento começa pela compreensão e pelo apoio.
- Busque parcerias: a educação integral floresce quando a escola se conecta com a comunidade. Explore parcerias com centros culturais, empresas locais e famílias para ampliar as oportunidades de aprendizado fora dos muros da escola.
- Revise o tempo e os espaços: avalie como o tempo escolar é utilizado e se os espaços são propícios para atividades diversas. Pequenos ajustes na rotina podem abrir portas para experiências mais ricas e completas.
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A educação integral é um convite para pensarmos a educação de forma mais humana e conectada com a vida.
Que pequeno passo você pode dar hoje para começar a construir essa “obra de arte” e “ciência” que é a educação integral em sua realidade?
Boas reflexões e experiências!