Convivendo

“Extraordinário como muitos”

Uma mulher abraçando a si mesma.
Rido / Shutterstock
Escrito por Juliana Meyer Luzio

Um dia desses, assisti na Netflix o filme “Toscana”. Leve, interessante, um tanto água com açúcar, mas bom! Com uma fotografia linda, cenas de culinária que nos aguça o apetite e a vontade de viajar para Itália, e, claro, notícias de como nos relacionamos conosco e com os outros.

Por isso escrevo este texto, para te convidar a refletir sobre uma frase que aparece no início e fim do filme – “Extraordinário como muitos.”

Antes de continuar a leitura, peço que leia essa frase em voz alta pelo menos duas vezes, para que a escute e a deixe reverberar um pouquinho, porque apesar de curtinha, ela causa estranhamento, e a intenção deste texto é que possamos refletir sobre ela. Então é preciso uma breve pausa, um olhar atento e a percepção do que ela lhe provoca.

Extraordinário como muitos nos coloca como um ser extraordinário e, ao mesmo tempo, em pé de igualdade com outro ser também extraordinário, como isso é possível?
Podemos começar refletindo sobre a dificuldade que temos de nos reconhecermos como extraordinários. De onde ela vem? Será da infância?

Uma criança sentada à beira de uma janela.
tatyana_tomsyckova de Getty Images / Canva

Muitos de nós crescemos ouvindo que não somos bons o suficiente, que o amiguinho, irmão… é mais educado, mais inteligente e faz coisas melhores e mais bonitas… A comparação se torna a base de nossa baixa-estima.

Por outro lado, essas mesmas comparações têm como intuito provocar em nós o desejo de sermos melhores que os outros, como se essa fosse a maneira de sermos amados por nossos pais – precisamos ser bons! E a competição se torna a base das nossas relações.

Vivemos entre a comparação, a competição e a solidão imposta por elas.
Vivemos construindo narrativas e fantasias de quem deveríamos ser e do quão melhor o outro sempre é.

Vivemos focados no externo, no que está fora, e assim vamos nos perdendo de nós mesmos, nos desencontrando do que naturalmente nos nutre, dá força e alimenta nosso brilho.

Quantos de nós sabemos o que nos dá prazer? Quantos de nós estamos satisfeitos com o trabalho, o relacionamento e a vida que levamos sem tempo, sem pausa, sem satisfações que durem mais que um mês?

Como nos sentir extraordinários se estamos exaustos, com dores no corpo e na alma, e se o que temos é uma tela a nossa frente e mais nada?

Como nos perceber extraordinários se sempre focamos na falta, no MBA que não fizemos, no cargo que não exercemos, no networking que não temos? Hoje estamos fechados no circuito comparação + competição = solidão, e nem percebemos que nos tornamos aqueles ratinhos que vivem correndo atrás do queijo e que esse circuito nos cegou.

Sua Santidade, o Dalai Lama, diz que “a nossa natureza é incessante e luminosa”. Tenho essa frase escrita de frente para minha mesa, a leio diversas vezes durante o dia e acho que pode nos ajudar nessa reflexão, porque a partir do momento que encontrarmos essa nossa natureza incessante e aqui podemos traduzir como infinita, em constante transformação, livre e não presa a nada, talvez consigamos enxergar nossa sabedoria, nossa capacidade de aprendizado, nossa transitoriedade e, com isso, valorizar os ciclos, a presença, as singularidades e o tempo em toda sua relatividade.

Um homem sentado à beira de um rio. Ele contempla a paisagem.
Riccardo Bresciani de Pexels / Canva

Ao enxergarmos nossa natureza luminosa, teremos acesso ao infinito de possibilidades que se apresentam diante de nós diariamente, porque seremos parte dessa vida que pulsa e flui ininterruptamente.

Porém estamos aqui, gastando energia, lutando para que as coisas aconteçam exatamente como queremos, para que a vida transcorra do jeitinho que planejamos, e não paramos para admitir que pouco sabemos, que nada controlamos e, assim, deixamos de ser curiosos e nos tornamos céticos, orgulhosos, detentores da verdade, e perdemos a chance de admirar a inteligência natural das coisas.

A frase do Dalai Lama nos convida a um novo olhar, um olhar contemplativo para nós mesmos e, consequentemente, para tudo a nossa volta, inclusive para os outros seres. Através dessa contemplação, talvez seja possível sairmos desse circuito, mesmo que por alguns instantes, e irmos acessando a grandiosidade da frase do nosso texto — “Extraordinário como muitos”.

Quando vislumbrarmos o extraordinário em nós, o reconheceremos no outro, pois neste momento saberemos que somos extensões, interconexões e que não é possível ser, existir e seguir sozinhos. Nós seremos UM no TODO, e o extraordinário reverbera naturalmente.

Agora, o caminho inverso também é possível!

Às vezes, estamos tão distantes de nós, tão incapacitados de olhar para dentro e acessar essa “natureza incessante e luminosa” que o outro se torna ponte para nos reencontrarmos, e isso é muito bonito de ver.

Pessoas se abraçando durante um pôr do sol.
Helena Lopes de Pexels / Canva

Você pode tentar assim que acabar essa leitura, e antes de ser sugado pelo mundo confuso e corrido que criou!

É só respirar algumas vezes, entregando seu corpo à cadeira, sentindo o ar entrar e sair ao mesmo tempo, que você relaxa, se desarma e procura em sua memória alguma ou algumas pessoas inspiradoras. Pessoas que você admire pelo modo como se relacionam com o outro, pelo sorriso largo e descompromissado, pelo olhar esperançoso e pela estranha leveza.

Quem você conhece que te desperta essas sensações? Pense nela, e veja se o seu sorriso não se abre? Se seu olhar não afrouxa… Neste instante, você se conecta com o extraordinário dela, e ao fazer essa conexão, o seu extraordinário se apresenta, porque na imensidão desse universo vocês caminham lado a lado.

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Se reconhecer “Extraordinário como muitos” é extremamente libertador, porque deixamos o peso de ter que brilhar mais ou melhor, e passamos a brilhar juntos, cada um com o seu jeito, o seu fazer e saber. O medo dá espaço para a entrega, o apego abre alas para o compartilhar e o desencanto se transforma em mistério seguro.

Abraços!

Sobre o autor

Juliana Meyer Luzio

Terapeuta que constrói sua clínica através de um espaço que integra fala, consciência corporal e quietude, tornando possível uma reconexão com o que há de belo, delicado e muito forte em nós - nossa saúde.

Formada em Psicologia, Psicanálise, Terapia de Integração Craniossacral, Transmutation Therapy, entre outros, está sempre em busca de conhecimentos que agreguem, em seu dia-a-dia maneiras, diferentes de olhar a vida.

Atualmente, além de sua clínica, lançou a Îandé, onde tem se dedicado à arte de criar e costurar produtos exclusivos e cheios de carinho.

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