Mulheres Vítimas de Agressão

I May Destroy You e as lições sobre consentimento

Arabella, personagem de Michaela Coel, olhando para a frente através de um vidro molhado pela chuva
Divulgação / HBO
Escrito por Eu Sem Fronteiras

Conforme nossa sociedade vai avançando, algumas coisas muito importantes que nunca foram discutidas entram em pauta. E um desses temas, bastante atuais, é o conceito de consentimento.

E uma das formas como esses conceitos entram na nossa pauta e começam a ser comentados é por meio da arte, como filmes e séries. Consentimento vem sendo bastante discutido recentemente por causa do seriado “I May Destroy You”, que tem esse tema como assunto-chave.

Para entender tudo sobre esse seriado e o que podemos aprender sobre consentimento com ele, preparamos este artigo. Confira!

“I May Destroy You”

“I May Destroy You” (o título pode ser traduzido como “Eu posso destruir você”) é um seriado criado na Inglaterra ao qual podemos assistir nos serviços de streaming da HBO. A roteirista, diretora, produtora e protagonista da série é Michaela Coel, que interpreta a jovem escritora Arabella Essiedu.

Arabella é uma jovem bastante famosa no Twitter, que acaba de publicar um livro que recebeu ótimas críticas. Enquanto está lidando com a pressão em relação aos prazos de escrita do seu segundo livro, ela decide pausar o trabalho e sair com os amigos em Londres.

O problema é que, na manhã seguinte, ela não se lembra do que aconteceu na noite anterior. Com a ajuda dos seus amigos, Terry e Kwane, ela vai entendendo pouco a pouco que foi vítima de um estupro, e o seriado acompanha sua recuperação em relação a esse abuso sexual.

Arabella sentada com o rosto virado para o lado olhando diretamente para a câmera com outra mulher sentada ao fundo também olhando para o lado
Divulgação / HBO

O que é consentimento?

De acordo com o Dicionário de Oxford, consentimento é: “manifestação favorável a que (alguém) faça (algo); permissão, licença; anuência, aquiescência, concordância”. Ou seja, consentir com alguma coisa é se manifestar favoravelmente a ele, concordar que ela aconteça.

O termo consentimento aparece bastante quando o tema é abuso sexual, e isso tem um motivo. Em resumo, sexo só pode ser considerado sexo se todos os envolvidos no ato sexual tiverem se manifestado positivamente a isso, ou seja, dado seu consentimento. Prática sexual sem consentimento não é sexo, é estupro.

Portanto isso significa que praticar alguma atividade sexual com alguém que esteja desacordado, sem capacidade de julgamento de dar seu consentimento (embriagado, sob efeito de drogas), que seja menor de idade, entre outras situações, é ilegal, pois o consentimento é necessário.

Além disso, outras duas situações relacionadas com consentimento são pouco compreendidas. A primeira é: nenhum parceiro tem posse sobre sua parceira, portanto um relacionamento não exclui o fato de que ela precisa dar seu consentimento para qualquer prática sexual.

Por fim, é possível que uma pessoa tenha consentido a prática, mas, durante ou antes mesmo que ela começasse, decida que não quer mesmo aquilo e retire seu consentimento. Caso a prática sexual seja iniciada ou continue acontecendo sem o consentimento dela, é estupro.

Por isso é que o consentimento não é um ponto-final. Uma pessoa tem todo o direito sobre seu próprio corpo para reconsiderar o seu consentimento e interromper a atividade sexual, caso não queira que ela continue.

Dados no Brasil

Segundo dados da Pesquisa Nacional da Saúde, publicada em 2021, 7,5 milhões de mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência sexual na vida. Ou seja, não tiveram sua negativa de consentimento respeitada. Os dados revelaram que 60% das vítimas tiveram consequências psicológicas, como depressão e ansiedade, em decorrência da agressão.

Além disso, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também publicada em 2021, mostrou que um em cada sete adolescentes já sofreu abuso sexual no Brasil. Entre as meninas entrevistadas, mais de 20% relataram abusos. Em 2019, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram relatados 17 mil casos de abuso sexual de menores de idade no Brasil.

Muitas pessoas acham que o abuso sexual ocorre somente quando o sexo é consumado, mas há vários casos de abuso que não envolvem isso. Toques no corpo sem consentimento, cantadas na rua, comentários desagradáveis nas redes sociais… Os abusos que ignoram a falta de consentimento das vítimas podem acontecer em diversos ambientes e situações.

Sexo sem consentimento é crime?

Sim. De acordo com o Código Penal do nosso país, é crime de violência sexual “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

De acordo com a advogada Isabela Guimarães Del Monde, em entrevista à revista Marie Claire, “na prática, qualquer ato sexual realizado contra a vontade de alguém e com o uso de violência — restringir movimentos de braços e pernas ou práticas de violência psicológica — ou grave ameaça — como uma arma apontada para a cabeça da vítima — é estupro”.

Uma crítica que muitos fazem em relação à lei é que ela especifica somente os crimes de violência sexual cometidos sobre ameaça ou à força, mas não inclui aqueles em que a vítima não tinha capacidade intelectual e de julgamento para dar o seu consentimento.

Arabella olhando para a frente, com os cabelos jogados na frente do rosto
Divulgação/ HBO

Lições sobre consentimento em “I May Destroy You”

1 – Consenso é sobre dizer “não” mesmo depois de ter dito “sim”!

No quarto episódio do seriado, o amigo de Arabella, Kwame, é estuprado durante um encontro com um homem que conheceu pelo app Grindr.

Tudo começa com os dois fazendo sexo consensual, mas quando Kwame diz que não quer mais e que quer ir embora, o homem impede que ele saia e pratica sexo à força, enquanto Kwane diz “não” e tenta sair sem parar. Sim, isso é estupro, mesmo eles tendo transado consensualmente antes.

2 – Precisamos ajudar quem está vulnerável

No dia em que Arabella é estuprada, ela é drogada no clube onde está com os amigos, e, mesmo as pessoas vendo que ela está nitidamente sem condições de continuar por ali, especialmente flertando com alguém, ninguém intervém para impedir justamente o que aconteceu no fim da noite.

E o pior: estando em condições assim tão negativas, ela ainda é julgada e ofendida por pessoas que estão por ali, o que nos leva ao próximo ponto.

3 – Vítimas de estupro precisam ser acolhidas

Ter sua palavra desacreditada ou ser ofendida e julgada é algo que acontece muito com as pessoas que são vítimas de um estupro. E a série mostra isso. Quando Arabella conversa sobre o abuso que sofreu com Biagio, seu “ficante fixo”, com quem não tem relacionamento, ele diz: “Você deveria ter ficado atenta ao que estava tomando, aí não teria sido estuprada”.

Algo parecido acontece com Kwame, o amigo de Arabella. Quando ele tenta denunciar à polícia o estupro que sofreu, o policial responde de maneira homofóbica e se mostra incapaz de se colocar no lugar da vítima. Por fim, o policial o humilha por usar um app de relacionamentos e por nem saber o nome do homem que o estuprou.

4 – Existe, sim, uma cultura do estupro

Todas essas situações, quando somadas, nos mostram que existe, sim, uma cultura do estupro.

A falta de entendimento dos homens sobre o que é consentimento, a estratégia para deixar uma mulher vulnerável a ponto de não impor resistência, as pessoas ignorarem alguém que está vulnerável e a culpabilização da vítima. Tudo isso mostra que há uma cultura do estupro enraizada em nossa sociedade.

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Isso precisa ser desconstruído, para que tenhamos relações mais saudáveis e para que as pessoas tenham direito de dizer “sim” ou “não” para algo relacionado com seus corpos. É combatendo essa cultura que empoderaremos mulheres (e também homens, é claro).

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