Convivendo Psicologia

Quais sintomas psicológicos são comuns em adultos que sofreram abuso na infância

Menina com o rosto entre as pernas.
fizkes / 123RF
Escrito por Sandra Magrini

Sintomatologia psicopatológica em adultos que foram vítimas de abuso sexual infantil.

Atendendo há mais de quinze anos crianças e adultos que foram vítimas de abuso sexual infantil, percebo que o pouco material que se tem sobre o assunto, principalmente no que tange aos danos psicopatológicos, estão voltados para a infância.

Entretanto vejo a necessidade de escrever e começar a refletir sobre os desdobramentos psicopatológicos num adulto que foi vítima do abuso sexual infantil.

Um ponto a discutir é o de que clinicamente pude observar que existem algumas características de personalidade e comportamento — e mesmo de transtornos psicológicos — em comum nas pessoas que foram vitimadas por esse tipo de abuso.

Tentarei elencar aqui alguns deles:

1 – O silêncio

As pessoas que foram vítimas da pedofilia, quando adultas têm muita dificuldade em falar sobre o assunto. Muitas vezes não contam a ninguém, nem procuram ajuda de um profissional adequado na saúde mental e por vezes não gostam que se fale sobre esse assunto. Existe um pacto de silêncio, do calar, da vergonha que se tem por ter vivenciado essa perversa situação.

Esparadrapo sela boca de mulher. Seu dedo indicativo está sobre os lábios vedados, indicando silêncio.
Kat Jayne / Pexels

2 – Culpa

A pessoa que foi vítima da pedofilia na infância sente muita culpa. Fato. É óbvio que uma criança vítima de abuso sexual infantil é inocente e nunca culpada. Mas de algum modo cresce com um sentimento de culpa e se desculpa quase sempre por existir.

3 – Punição

Existe algo intrinsecamente ligado à psicopatologia da personalidade humana, que é o fato de que uma pessoa que sente culpa por algo tentar se punir, mesmo que inconscientemente, para buscar algum tipo de reparação do dano que não existe e do ato ilícito que a criança não cometeu.

A culpabilidade e a punição devem ser exclusivas do agressor — no caso o pedófilo —, mas no mundo psíquico as coisas não se processam assim.

4 – Rejeição/abandono

É muito comum as pessoas que foram agredidas quando crianças se sentirem rejeitadas ou abandonadas. Quando isso de fato acontece em suas vidas, elas não sabem lidar com a situação. Isso talvez se dê pelo fato de a maior parte da violência sexual contra os menores ocorrerem com pessoas de vínculo estreito com eles e que se prevalecem com ameaças de algum tipo de mal, como o abandono, a separação e chantagens emocionais para que guardem segredo do ato.

5 – Falta de autoestima e de amor-próprio.

Comumente o adulto abusado na infância tem uma baixíssima autoestima e insuficiente amor-próprio. Ele passa a vida tentando buscar aprovação e amor no outro. Teme o abandono. Quase nada do que faz está bom.

Mulher com o rosto virado e a mão sobre ele. Ela abraça o próprio corpo.
Anete Lusina / Pexels

6 – Desenvolve relações abusivas

Psicanaliticamente falando, a criança vítima de pedofilia assim que cresce pode ir para relacionamentos amorosos, familiares, sociais e profissionais abusivos e não se dá conta disso senão quando está em processo terapêutico. Muitas vezes a criança até tenta falar, mas depende de quem executou o ato de abusar. Se é uma pessoa querida da família ou com algum poder financeiro, político ou religioso, os outros adultos a defendem. Fato. Um pequeno percentual pode se tornar perverso e replicar os atos de abusos, mas não necessariamente.

7 – Tristeza

A criança que sofre pedofilia é uma criança triste. Muito triste. Ela é inserida no mundo de desejos e sensações sexuais que não é próprio para sua adequada fase de desenvolvimento, devido também ao fato de que nem todo abuso é praticado com violência. Pode muitas vezes ser apresentado pelo pedófilo como uma forma de carinho em que o sigilo deve ser preservado sob pena de que algo muito ruim aconteça à criança. Ela sabe que algo está errado, mas sente culpa. Sente tristeza e culpa. Dependendo de como o ato é praticado, a criança sente desejo, prazer (neurológico), tristeza e culpa. A tristeza é o câncer que prevalece sobre a vida da pessoa vítima de pedofilia.

8 – Vida sexual comprometida

Penso que o ser humano que sofreu tal violência quando criança passa a ter sérios problemas com sua sexualidade mesmo que tenha um parceiro que o ame, e isso por certo independe de sua orientação sexual. O problema está no toque, no carinho e no ato sexual. A desconfiança faz parte das relações afetivas. Difícil acreditar que alguém o ama sem o abuso.

Sendo assim, apresento apenas alguns sintomas psicopatológicos advindos de minha clínica há mais de quinze anos observando e estudando exaustivamente casos de pedofilia de crianças e de adultos que foram vítimas desse crime quando pequenos.

A pedofilia é um crime gravíssimo e perverso que causa danos físicos e psíquicos, muitas vezes irreversíveis na vida do ser humano.

Mulher deitada sobre as pernas de outra, que acaricia seus cabelos.
Liza Summer / Pexels

O fato de não falarmos sobre isso ou negarmos ou mesmo sepultarmos no caixão do silêncio não significa que esse horror não esteja bem próximo de nós e de nossas crianças.

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O assunto é indigesto, sim. Entretanto bem atual e sendo um assunto tabu se alastra como um vírus no seio da nossa sociedade hipócrita, religiosa e patriarcal.

Recomendo que se fale sobre a pedofilia bem como eduque e acredite nas crianças para as denúncias.

Recomendo tratamento e terapias para os adultos que um dia perderam a inocência e a pureza, bem como a saúde mental que mereciam em tão tenra idade.

Sobre o autor

Sandra Magrini

Escreve sobre áreas da Psiquiatria, Psicologia, Psicanálise, doenças mentais, medicações, Teologia, Psicopatologia, abuso sexual infantil e questões relacionadas à homossexualidade.

E-mail: magrinisandra8@gmail.com

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