Autoconhecimento

Um ensaio sobre o Transtorno da Sobrecarga Sensorial – Episódio 4

Imagem de uma mulher de cabeça baixa, lendo um texto em um caderno na frente de seu notebook. Na mesa, uma xícara de café e um porta lápis. Seu semblante é de exaustão e ela está com Transtorno da Sobrecarga Sensorial.
Studioroman / Canva

A ecologia da dissonância mostra que o sensível adoece primeiro porque capta o desequilíbrio entre pessoa e ambiente. O foco não é adaptar o indivíduo, mas criar espaços menos ruidosos e mais restaurativos. Cuidar do dissonante é cuidar do mundo e recuperar a harmonia coletiva.

Ecologia da Dissonância

Pensar o TSS sob a ótica da dissonância é reconhecer que o problema não está no indivíduo e nem apenas no meio, mas na relação entre ambos.

O corpo dissonante é um sensor delicado, um campo de recepção que responde com precisão aos estados do ambiente, sejam físicos, emocionais ou simbólicos.

Sua hipersintonia torna-se, assim, um barômetro da ecologia humana quando o mundo se torna ruidoso, rápido e saturado. E, nesse contexto, o mais sensível é quem primeiro adoece.

A dissonância, sob esse prisma, não deve ser vista como falha de adaptação, mas evidência do desequilíbrio coletivo.

A ecologia da dissonância propõe um deslocamento ético: compreender que regular o ambiente é também cuidar das pessoas que o habitam. Luzes artificiais excessivas, sons contínuos, multitarefas forçadas, sobrecarga emocional e comunicação agressiva não são apenas características da modernidade, são fatores ecotóxicos para uma mente sensível.

Em contrapartida, ambientes que favorecem o ritmo natural, o silêncio, a escuta e a previsibilidade funcionam como zonas restaurativas, onde o sistema nervoso pode voltar ao seu estado de coerência.

Essa perspectiva implica repensar espaços públicos, práticas pedagógicas, modos de trabalho e até a arquitetura dos lares. O foco então não é sobre “fazer o dissonante se adaptar”, mas sobre “criar mundos onde ele possa coexistir sem se agredir”.

Em última instância, trata-se de uma ecologia da atenção, na qual o cuidado não se limita ao corpo físico, mas se estende ao campo sensorial e simbólico em que o ser humano se movimenta.

Do ponto de vista social, a ecologia da dissonância também questiona o ideal de eficiência que governa a vida contemporânea. O ritmo acelerado, vendido como sinal de competência, tem um custo neurológico elevado.

Imagem de uma mulher na frente de um computador. Ela está com Transtorno da Sobrecarga Sensorial.
Delmaine Donson / Getty Images Signature / Canva

O dissonante, portanto, ao perceber esse custo de forma imediata, torna-se um indicador precoce dos excessos do sistema. Ele não é o problema; é o sintoma lúcido de uma sociedade que perdeu a capacidade de escutar seus próprios limites, e onde o mal-estar do sensível é o eco do planeta em sobrecarga física e emocional.

Ao integrar ciência e percepção humana, essa ecologia convida à reconciliação entre sensibilidade e pertencimento. Cuidar do dissonante é cuidar da textura do mundo; reduzir o ruído é um ato de compaixão ecológica. Quando a cultura se torna mais silenciosa, o sensível floresce, e com ele a lucidez coletiva.

A verdadeira harmonia, portanto, não está em suprimir as dissonâncias, mas em organizar o ambiente para que todas as notas possam coexistir sem ferir-se mutuamente. É nesse ponto que o TSS deixa de ser um fenômeno clínico isolado e passa a integrar a discussão mais ampla sobre sustentabilidade psíquica, atenção plena e diversidade cognitiva.

Essa ecologia da dissonância, no fim das contas, é uma forma de resistência delicada, um chamado para que o mundo reaprenda a ouvir.

Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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