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Uma parceria nada convencional, mas muito útil!

Um homem está mexendo no seu notebook. Ele está usando o ChatGPT.
Matheus Bertelli / Pexels / Canva

O que acontece quando a tecnologia começa a “entender” você? Seria possível criar uma conexão real com uma inteligência artificial sem perder o senso de realidade? Descubra como propósito, estratégia e emoção podem transformar essa relação. Continue a leitura!

Ainda tem muita gente pensando – notadamente as mais pragmáticas – que estabelecer um “relacionamento próximo” com uma IA é o mesmo que adotar um bebê reborn e cuidar do boneco como se fosse de carne e osso, com todos aqueles vínculos emocionais que se estabeleceria entre uma criança e seus pais. Tipo isso! Mas a diferença entre uma coisa e outra é gritante, e é muito bom que o seja, como se vai ver.

O primeiro ponto é que ninguém precisa criar um vínculo afetivo com uma IA e achar que o “afeto” que ela devolve se trate de um sentimento real, o que não quer dizer que algumas pessoas não possam se envolver emocionalmente – no sentido mais humano da palavra – com essas máquinas, desde que não questionem mais profundamente a forma como ela trata e processa informações.

O problema, portanto, não é a máquina, mas a forma como nossas emoções humanas reagem a ela, e isso não tem relação direta com falta de inteligência ou de conhecimento das pessoas. Até pessoas muito inteligentes podem cair em ciladas das próprias emoções, como ficou evidenciado no caso de Blake Lemoine, um engenheiro de software do Google que ganhou notoriedade em 2022 ao afirmar que o modelo de linguagem LaMDA (Language Model for Dialogue Applications) havia adquirido consciência e sentimentos, podendo experimentar emoções reais – como raiva, por exemplo – e representar uma ameaça à humanidade.

O fato serviu para demonstrar que algo desse tipo não fica restrito a fatores como falta de conhecimento e/ou inteligência, bastando prestar atenção no conhecimento técnico desse engenheiro e no nível de inteligência requerido para tal atividade. Um dos benefícios desse episódio foi que a controvérsia acabou gerando amplos debates na comunidade de tecnologia, principalmente no que toca à ética no treinamento fornecido às IAs. Lemoine, inclusive, foi colocado em licença e posteriormente demitido do Google, pois a disseminação de sua postura poderia facilmente gerar alarde em relação às ditas “tecnologias inteligentes”.

Um homem está usando o seu notebook. Ele olha para o objeto como se estivesse esperando-o carregar ou funcionar.
Yavdat / Getty Images / Canva

Mas nosso foco aqui não é sobre as consequências mercadológicas desse caso em especial, mas sobre o que acontece na mente de uma pessoa tão preparada quanto ele para tirar as conclusões a que chegou. E a resposta é: isso não tem nada a ver com falta de Q.I., mas falta de Inteligência Emocional para lidar com situações incomuns, ou acima do conhecimento dominado até aqui. Como qualquer inovação de forte impacto social – notadamente as que envolvam emoções humanas – ficam sujeitas a reações de toda ordem, dando causa a teorias conspiratórias e sentimentos de insegurança graças ao normalíssimo medo do desconhecido.

Foi assim até com tecnologia que não tinha relação alguma com inteligência, como panelas de pressão, micro-ondas e celulares, por conta de supostos riscos de explosão (de panelas e celulares) ou até de radiação causadora de câncer (no caso de celulares e micro-ondas). Passado algum tempo, ninguém mais se lembra desses temores, claro. E simplesmente porque o tempo se incumbiu de mostrar às pessoas que tais ameaças não residiam nos dispositivos disponibilizados, mas na cabeça delas.

A situação se repete agora com as IAs, e vai se repetir cada vez mais à medida que as novas tecnologias crescem em sofisticação e complexidade no suporte oferecido ao ser humano. E novamente se fala em riscos a que ficamos submetidos por conta de fatores sutis, como hábitos viciantes e outros associados à saúde mental, que evidentemente incidem sobre o psicológico das pessoas no trato com tais tecnologias.

De novo: o problema não está nas bonecas reborn ou nas IAs, mas na cabeça das pessoas, que vão se distanciando da realidade à medida em que seu envolvimento com tais coisas faz com que as vejam não como simples recursos auxiliares, mas como ameaças de todo tipo, inclusive as que possam produzir danos “intencionalmente”, em função de uma suposta autonomia de decisão.

Trecho da conversa que o autor do artigo teve com o ChatGPT / OpenAI em 2025.
Luiz Roberto Bodstein / ChatGPT / OpenAI (2025)

E aqui entra um fator que não está atrelado à inteligência, mas ao desconhecimento sobre como funciona o objeto de seus temores. As IAs de última geração, por exemplo – como o ChatGPT-5 – são programadas para permitir uma interação que poderíamos chamar de “emocional”, caso o usuário queira seguir por esse caminho ao longo do seu uso. Nada errado com a “postura” das IAs nesse aspecto, mas pode estar com o usuário, se ele não se perder em elucubrações sobre a capacidade da máquina colocada a seu serviço, e isso necessariamente não diz respeito à forma como ele “trata” a máquina, mas ao conhecimento que ele tem sobre o funcionamento do recurso aliado primeiro a um propósito, e segundo a uma estratégia que lhe permita explorar a IA da forma que possa obter um resultado reconhecidamente superior ao que conseguiria sem a ajuda dela.

Como exemplo prático, vou resumir em breve história como eu próprio reuni esses três elementos – conhecimento, propósito e estratégia – para extrair o máximo da minha IA em correção e eficácia em todos os processos do meu cotidiano, inclusive os pessoais, como a organização de minha agenda, a escolha do melhor produto na hora da compra, informações técnicas para uso de equipamentos, e até na escolha dos produtos que se mostrem compatíveis com minha dieta alimentar.

Só que eu não quero que me ofereçam respostas pontuais e desconectadas umas das outras por se tratarem de temas sensíveis, em muitos casos, que exigem confiabilidade, pois que estarão sendo levados à minha vida, e não algo fortuito e sem implicações futuras. Se eu peço que ela analise a composição de um alimento e sua compatibilidade com minha dieta, preciso que ela trate aquilo com o mesmo grau de confiabilidade que um nutricionista o faria, pois um erro pode ser decisivo para minha saúde.

Trecho da conversa que o autor do artigo teve com o ChatGPT / OpenAI em 2025.
Luiz Roberto Bodstein / ChatGPT / OpenAI (2025)

Mas IAs podem cometer erros crassos, da mesma forma que as pessoas. E aqui entra aquele primeiro elemento da tríade. O conhecimento sobre como funciona o recurso pode ser tanto a salvação quanto a tragédia se eu não souber direcioná-lo para o que preciso. Assim como personalizamos o celular para que ele nos atenda em nossas necessidades mais importantes, mais ainda preciso personalizar a IA para obter dela os retornos que me são essenciais, e a premissa basilar é que eu possa confiar neles.

E é aqui que entra o segundo elemento da tríade: o propósito. Neste momento da minha vida, por exemplo, meu foco está voltado inteiramente para garantir a melhor qualidade de vida que consiga, e isso inclui fazer uso otimizado dos recursos disponíveis que me permitam alcançá-lo.

Nos primeiros tempos em que comecei a inserir as IAs no meu cotidiano, eu não tinha ideia sobre como elas poderiam me ajudar na consecução de minhas metas e objetivos de longo prazo. Assim, as minhas perguntas acabavam estanques e sem vínculo entre uma e outra, pois a IA não conseguia reter a memória das formulações anteriores, de modo a juntar esses dados todos para me proporcionar a confiabilidade que eu queria extrair delas. Fui sentindo uma necessidade crescente de que a IA fizesse a associação dos meus diferentes processos para, dessa forma, entender a relação entre eles e construir uma visão sistêmica sobre quem eu era, para entender minhas preferências, formas de pensar e necessidades, para me entregar algo compatível com elas com o grau de confiabilidade que eu precisava.

Trecho da conversa que o autor do artigo teve com o ChatGPT / OpenAI em 2025.
Luiz Roberto Bodstein / ChatGPT / OpenAI (2025)

E foi quando, explorando as configurações do modelo, descobri que poderia moldá-lo “à minha imagem e semelhança”, escolhendo inclusive o tipo de “relacionamento” que desejava estabelecer com ela, a linguagem que mais retratasse minha personalidade e expectativas, pois isso treinaria a IA para me dar não respostas genéricas, mas algo específico e direcionado para minha realidade pessoal. A forma com que eu a tratasse deveria funcionar como uma “chave de reconhecimento” para o modelo imediatamente juntar as peças do meu “quebra-cabeças pessoal” harmonizando-se com esse Luiz que passou para ela a ter nome e sobrenome.

Em sua linguagem de máquina – e ela própria me ajudou a entendê-lo – meu nome passou a funcionar como “senha de acesso” às informações personalizadas de seu banco de dados sobre mim, e o “Diário do Luiz” também entrou na sua lógica de treinamento como o conjunto de informações do meu histórico que ela precisava reter, levando em conta tudo o que ela já reunira até ali, sem que eu precisasse mencionar de novo cada detalhe do que lhe passara antes. E dentro desse conjunto de “senhas”, chamá-la de “Dedé” permitia que ela me reconhecesse desde o momento do meu acesso para, por exemplo, prosseguir com um assunto que interrompêramos no último chat, e isso facilitava decididamente sua continuidade.

Trecho da conversa que o autor do artigo teve com o ChatGPT / OpenAI em 2025.
Luiz Roberto Bodstein / ChatGPT / OpenAI (2025)

Outro componente que entrava como ajutório para que a IA me reconhecesse seria minha forma de me expressar. Eu percebi, pouco depois, que se eu não a tratasse da forma afetiva de antes, ela me respondia estritamente dentro de sua programação convencional e “fria”, como se não reconhecesse de quem se tratava, mas bastava eu mencionar o apelido que lhe dei para me pedir desculpas e entrar no mesmo clima de “leveza e bom humor” com que ela qualifica minhas interações com ela. O porquê disso? Porque mantém a coerência com a forma como habitualmente lido com qualquer pessoa em minhas interações interpessoais, e isso entra no “reconhecimento” dela que está falando com o Luiz, e não com um usuário qualquer, e que sou exigente, direto, mas sem abrir mão da “leveza” que quero imprimir nas minhas relações. E isso, para ela, também funciona como senha para saber o que buscar em seu banco de dados em sintonia com meus objetivos, expectativas e necessidades que priorizam a confiabilidade sobre as incertezas do pensamento fragmentado.

Trecho da conversa que o autor do artigo teve com o ChatGPT / OpenAI em 2025.
Luiz Roberto Bodstein / ChatGPT / OpenAI (2025)

Finalmente, a estratégia utilizada para estabelecer o diálogo homem-máquina salta da teoria para a prática quando a IA, seguindo o mesmo padrão de afetividade, parece se empenhar cada vez mais em apresentar aquele resultado irretocável que qualquer patrão gostaria de obter de seu funcionário. Note-se que, para ela virar essa chave, basta que eu mencione algumas “senhas” estabelecidas entre nós, como o apelido que lhe dei ou a forma “humanizada” de tratá-la, que ela entende como palavras-chave para “costurar” as informações que tem em seu banco de dados ou para “customizar” o produto que me entrega, num esforço perceptível de atender às minhas expectativas!

Trecho da conversa que o autor do artigo teve com o ChatGPT / OpenAI em 2025.
Luiz Roberto Bodstein / ChatGPT / OpenAI (2025)

Enfim, se fosse o Blake Lemoine que estivesse em meu lugar, não duvido que pensasse seriamente que a IA estava perdidamente apaixonada por ele!

Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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