Gosto de usar as imagens das épocas do ano para refletir sobre o que nos afeta e constitui. Queria deixar explicitado que, mesmo quando essas épocas estão vinculadas originalmente a uma religião, isso não significa uma filiação eclesiástica, mas sim que a época é considerada em sua tradição cultural geral. Como é o exemplo da Páscoa ou Natal, que fazem parte do calendário não litúrgico.
Nesta época do Advento, quero trazer a imagem do burrinho que carrega Maria pela noite fria a caminho de Belém. O personagem é inesperadamente cativante e enfeita o imaginário infantil nos contos e músicas da Educação Infantil.
O burrinho é pacato e sereno, mas forte. Tem qualidades que podem nos ajudar a entender que uma grande força nem sempre vem do estar no centro, que a coragem nem sempre vem do lutar e que a constância, nesses tempos mexidos do contemporâneo, pode ser uma qualidade de excelência.
Cinzento e humilde, o burrinho sabe que leva um bem precioso e que carregar algo anonimamente é seu talento. Ajudar discretamente para que outro brilhe é uma missão oculta das mais importantes.
Nos habituamos a valorizar uma sociedade que exalta as celebridades, incentiva o aparecimento, investe na formação de lideranças influenciadoras, premia os mais destacados e visíveis e valoriza os signos de sucesso ao extremo.
Essa sociedade despreza até mesmo o segundo lugar, mesmo quando a competição teve milhares. Nessa concepção social, só vale quem ganhou o prêmio máximo. Por isso tudo, nessa época, o burrinho é meu herói.
Quem sabe não aprendo com ele o valor do não-destaque, do não se mostrar, do não aparecer? Lições que preciso exercitar cotidianamente para não me deixar cair em armadilhar que passam longe daquilo que valorizo.
Quem sabe o saber cinzento do burrinho pode tentar diminuir um pouco minha tendência a valorizar demais o brilho, a cor e o destaque? Talvez o cinza possa contribuir para eu desenvolver uma cognição mais concentrada e precisa.
Quem sabe, o pisar sereno e constante do burrinho, deixando-se levar por quem conhece melhor o caminho, poderia me ajudar a compreender que atuar colaborativamente, sem buscar reconhecimento ou gratidão é uma possibilidade de afirmação da vida viva?
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Vejam só, quem diria, meu professor nesse advento não é um douto titulado e sim um pequeno e anônimo burrinho, um personagem secundário, numa trama emprestada do imaginário religioso.
Quero aprender com ele a servir, carregar, trabalhar duro sem esperar nada em troca. Pelo simples fato de que estar, fazer, participar são verbos a serviço do viver.