Já falei sobre animais muitas vezes nesta coluna. O reino dos bichos sempre me leva à reflexão. Mas, de vez em quando, este assunto extrapola o simples âmbito da filosofia de jardim e pega fundo naqueles recantos menos explorados da nossa consciência.
Foi o que aconteceu comigo, observando nossa gata. A bichana vira-lata, cinza malhada, nasceu aqui em casa mesmo, em vinte. Foi a primeira ninhada na casa nova e, dos seus quatro irmãos, só ficamos com ela.
Já deu muito gatinho. Na última ninhada, teve complicações. Tivemos que levá-la às pressas para que o Raul, veterinário, interferisse. Foi uma cesariana de emergência, que eu assisti com atenção de estagiária. Infelizmente, os três filhotinhos não sobreviveram.
Após a cirurgia, a gata melhorou, mas não voltou a emprenhar. Passado algum tempo, apresentou novamente uma infecção. Lá fomos nós novamente até o Raul.
Desta vez, o assunto era grave. Se não fosse removida, a infecção no aparelho reprodutor poderia se espalhar e perderíamos a gata. Imediatamente, foi feita nova intervenção e nossa gata perdeu, definitivamente, a habilidade reprodutora.
Isso tudo aconteceu há pouco mais de um ano e, desde então, a gata mudou. Ela sempre foi a mais arisca. Não gostava de pessoas estranhas. Não era muito chegada a carinho. Vivia na rua, caçando. Depois da operação, ficou mansa. Eu diria até um pouco deprimida. Parecia que sua vida tinha perdido o sentido. Confesso que me incomodava vê-la assim.
Foi aí que a gata me deu uma lição. Há pouco mais de três meses, ganhamos de presente um filhotinho. Já veio desmamado, comendo ração. Amarelinho malhado, uma gracinha. Quando eu era pequena, meu avô materno me chamava de “gata amarela”, por isso, os gatinhos amarelos sempre foram uma predileção, são muito especiais para mim.
Quando o gatinho chegou, foi logo batizado de “Amarelo”. A gata nem ligou. O filhote, louco para brincar, corria o tempo todo atrás dela, e ela nada.
Com o passar dos dias, foi se deixando cativar. Primeiro uma lambida, depois, uma boa dose de paciência para aguentar as mordidas e unhadas da “fera” amarela.
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Hoje, os dois não se desgrudam. Ela é uma mãezona. Começou até a dar de mamar. A princípio, pensamos que era só chupeta, o que já me deixava satisfeita, pois ela, finalmente, tinha achado uma razão de viver. Mas, para minha surpresa, a chupeta era mamadeira. A entrega e o amor da gata eram tão grandes que ela produziu leite.
Foi uma lição que me levou a refletir sobre amor e adoção. Adoção nunca foi um assunto muito cogitado aqui em casa. Esta casa grande, cheia de brinquedos, mas sem nenhuma criança. Precisei de uma gata para perceber que amor e doação rimam com adoção. Quem sabe não é hora de começar a refletir?
