Existe um tipo de dor que não grita. Que não pede ajuda com palavras. Ela se expressa no olhar opaco, na resposta curta, na ausência cada vez mais presente. “Adolescência”, a minissérie lançada em 2025, caminha exatamente por esse território: o da dor não dita. E ao fazer isso, acerta onde mais dói.
Jamie é um garoto que vai se apagando aos poucos. Não porque algo específico acontece com ele, mas justamente porque quase nada acontece. Ele é ignorado em sua complexidade. Mal interpretado por quem deveria enxergar. Lido como problema, quando, na verdade, estava pedindo ajuda.
O que se revela é uma sucessão de ausências. Pais que tentam, mas não alcançam. Professores que notam, mas não intervêm. Amigos que convivem, mas não escutam. A série não aponta culpados — apenas deixa claro como o descuido cotidiano, repetido e sutil, pode formar a base de um desastre.
Jamie representa muitos adolescentes de hoje. Aqueles que vivem num território confuso entre o mundo real e o digital. Que acumulam frustrações, expectativas e cobranças que não cabem mais no corpo. Que ensaiam todos os dias uma tentativa de pertencimento — mesmo que isso custe negar a si.
A construção da masculinidade aparece como um ponto de tensão constante. Jamie aprendeu que sentir é sinal de fraqueza. Que dor se resolve com raiva. Que vulnerabilidade é vergonha. Cresceu sem espaço para elaborar o que sentia. E quando esse acúmulo explode, ninguém entende.
Mas a série não se resume a Jamie. Ela aponta para um cenário maior: o das instituições que fracassam. Famílias com presença física, mas ausência emocional. Escolas que lidam com demandas gigantes sem ferramentas básicas de escuta. Um sistema inteiro que perdeu a capacidade de perceber sinais antes que seja tarde.
Do ponto de vista psicológico, “Adolescência” é quase um estudo de caso. Não de um garoto em crise, mas de uma geração à deriva. Vivemos um tempo em que os jovens se conectam o tempo todo — mas raramente se sentem verdadeiramente vistos. A hiper exposição contrasta com o vazio de não ter com quem falar de verdade.
A série não entrega soluções. E talvez isso a torne ainda mais necessária. Ela incomoda. Provoca. Põe a responsabilidade de volta no olhar de quem assiste. Porque, no fundo, a pergunta que ecoa é simples e brutal: quantos Jamies já passaram por nós sem que tivéssemos coragem de perguntar “o que está acontecendo com você de verdade?”.
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Se esse desconforto te alcança, não o ignore. Às vezes, um gesto pequeno faz diferença. Um olhar mais atento. Uma conversa sem pressa. E, em muitos casos, a indicação de um acompanhamento psicológico.
Nenhum adolescente desmorona do dia para a noite. É sempre uma soma de silêncios, omissões e dores mal compreendidas. E se pudermos intervir antes do ponto de ruptura, talvez ainda dê tempo de mudar o final da história.