Convivendo

Aprendiz de escritor

Máquina de escrever sobre superfície de madeira. Ao lado, há uma xícara de café, bloco de notas e celular.
tomertu / 123RF
Escrito por Luis Lemos

Quando somos crianças, os adultos costumam nos perguntar: “O que você quer ser quando crescer?”. Parece uma pergunta simples, infantil, mas não é. Se não bem respondida essa pergunta, ela até pode até definir a forma como seremos no futuro: se felizes ou não. Eu, particularmente, quando alguém me perguntou pela primeira vez o que eu queria ser, respondi-lhe sem titubear: “Quero ser escritor”. Assim, desde criança eu sonhava ser escritor. Recordo de três episódios que me fizeram trilhar esse caminho, o que eu sou hoje.

O primeiro foi quando eu estudava a terceira série do ensino fundamental, no ano de 1982. A escola em que eu estudava na época tinha preparado uma festa por ocasião do Dia das Mães. Lembro-me de que naquele dia a professora entrou na sala de aula e perguntou assim para a turma: “Quem gostaria de ler uma poesia…?”. A professora ainda nem tinha terminado de formular sua pergunta, quando toda a turma se manifestou, levantando a mão direita, num altíssimo “eu”. Ao contrário das outras crianças da turma, eu sempre fui muito calado, dado mais à observação do que à verbalização, por isso não levantei à mão junto com os meus colegas de turma. Foi aí que a professora percebeu a minha timidez e, olhando bem no fundo dos meus olhos, me disse: “Pronto, está decidido, o Luís vai representar a turma na festa do Dia das Mães”. Eu, sem saber o que dizer, tremendo igual vara verde, apenas perguntei: “Qual é a poesia, professora?”. A professora, sem nenhum conhecimento da pedagogia renovada, foi logo dizendo: “Te vira”. Quando o Dia das Mães chegou, lá estava eu recitando a poesia: “Batatinha”.

“Batatinha quando nasce,
espalha a rama pelo chão.

Mamãezinha quando dorme,
põe a mão no coração.

Sou pequenino do tamanho de um botão,
carrego papai no bolso e mamãe no coração.

Com o tempo o bolso furou e o papai caiu no chão,
mamãe que é mais querida ficou no coração”.

Naquele dia, o pátio da escola estava lotado de mães, pais, alunos, ex-alunos, convidados e professores, como nunca esteve à escola antes. Modéstia à parte, eu fui o aluno mais aplaudido de todos naquele dia e a ainda ganhei o prêmio de “aluno revelação”. Quando cheguei em casa, fiquei “filosofando” comigo mesmo: “Hoje fui aplaudido simplesmente porque recitei uma poesia que nem minha é. Imagine quando eu escrever um livro com o que eu tenho aqui dentro da minha cabeça!”.

O segundo episódio foi no ano de 1989, quando eu trabalhava num pequenino comércio da família, que ficava ao lado do Mercado Municipal da cidade de Concórdia do Pará. Foi nessa época que eu tive contato pela primeira vez com o jornal impresso. Como os sacos plásticos naquela época ainda não existiam, os comerciantes usavam os jornais para embrulhar as compras, como sabão, lata de óleo etc. Lembro-me que passava horas e horas lendo aqueles jornais e imaginando como seria a vida de escritor. O que eu mais gostava de ler era sobre notícias de lançamento de livros, resenhas… Aquilo era incrível, mágico. Eu me via ali, fazendo exatamente aquilo, vivendo de escrever livros…

Caderno sobre superfície de madeira. Sobre ele, há uma caneta.
Jessica Lewis / Canva

O terceiro episódio foi no de 1992, quando eu entrei para o Seminário Salesiano, em Ananindeua, no Estado do Pará. Foi no Seminário Salesiano que eu tive contado com os clássicos da literatura brasileira e da filosofia mundial. Não tenho vergonha de dizer que foi no seminário que eu li pela primeira vez um livro todo, do início ao fim, e ainda reli sete dias depois, “Assim falava Zaratustra”, de Nietzsche. No seminário em que eu morava havia uma biblioteca com mais de 30 mil títulos e assinatura diária dos principais jornais do Brasil, como O Liberal, a Folha de S. Paulo e O Globo, além de revistas semanais como Veja e Isto É.

Foi no seminário, no ambiente sagrado, que eu formei a minha cabeça de escritor, mas foi no universo profano que eu encontrei o meu “verdadeiro eu”, a “justa palavra” para escrever o que eu escrevo hoje, seja por meio do texto de ficção – publicando livros como “Jesus e Ajuricaba na terra das Amazonas” e “Filhos da Quarentena” –, seja colaborando com textos de opinião no Jornal do Commercio Amazonas, no portal Fato Amazônico e no EuSemFronteiras.

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Infelizmente, por muitos motivos que não convém aqui explicá-los, hoje eu não me defino como escritor, mas como aprendiz de escritor. Ser escritor é ser verdadeiro, primeiramente consigo mesmo, depois com suas ideias, respeitando suas emoções e escrevendo textos que às vezes levem o leitor ao riso e outras vezes às lagrimas. Enfim, ser escritor é isto: viver escrevendo textos e publicando livros cheios de aprendizagem, surpresas e experiências enriquecedoras.

Parabéns aos escritores que vivem de metáforas, de imaginações, que criam universos paralelos; aqueles e aquelas que escrevem poesias, romances, contos, crônicas; que ensinam a verdade, a justiça, o amor, o perdão, a inclusão, a fraternidade, a paz e a união; aqueles e aquelas que ensinam que a palavra pensada vale mais do que as contradições da vida; enfim, parabéns aos escritores reais que ensinam com a própria vida.

Sobre o autor

Luis Lemos

Luís Lemos é filósofo, professor, autor, entre outras obras, de “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas – Histórias do Universo Amazônico” e “Filhos da Quarentena – A esperança de viver novamente”.

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