Dia 30 de Agosto foi o dia escolhido para a conscientização sobre a Esclerose Múltipla, uma doença pouco conhecida, mas que faz parte da vida de milhares de pessoas. Segundo especialistas, uma das grandes questões é o diagnóstico correto, uma vez que os sintomas, muitas vezes, podem ser confundidos com os de outras patologias. E, neste caso, o quanto antes a esclerose for descoberta, mais eficaz é o tratamento. Degenerativa, autoimune e atualmente sem cura, possui algumas variações em seu desenvolvimento.
Mas, este artigo não é para falar da doença em si, mesmo porque não sou médica e seria leviano da minha parte ficar dissertando sobre. O que esse texto traz é o relato de duas pessoas que estão passando pelo processo de descoberta da esclerose e adaptação de uma nova rotina. A Yara, minha irmã de alma e coração, que recebeu o diagnóstico há 6 meses e está descobrindo um monte de coisas sobre si mesma nesse processo, e eu, representando todos aqueles que estão à sua volta e a querem bem.
A Yara conta aqui a sua história:
“Há um ano comecei a sentir dores nas costas, achei que era coluna, não entendi o que estava acontecendo. O tempo foi correndo e, no final do ano passado, havia decidido procurar um ortopedista, já que, nas vezes que precisei ir ao hospital só recebi remédios paliativos para dor. Um dia, cheguei do trabalho e não me senti bem, me sentia confusa mentalmente, falando como se estivesse bêbada. No meio da noite, acordei passando muito mal e com muita dor de cabeça. Cheguei a ter uma espécie de convulsão, porém, ainda assim, não quis ir ao hospital. Passei o ano novo trabalhando sem me sentir bem e, finalmente, achando que eu tinha tido um AVC, no dia 2 de janeiro, resolvi procurar ajuda médica.
Os primeiros exames não acusaram nada, entretanto, meu rosto ainda estava dormente e não tinha autonomia sobre meu lado direito do corpo, sem força na mão e perna – eu estava paralisada de um lado. Assustada, procurei um médico particular, optei por cardiologista, por ter histórico familiar. Depois de uma bateria de exames, o médico detectou que algo não estava bem e me encaminhou para um neurologista, que, por sua vez, pediu uma ressonância. Com o resultado em mãos, fui internada às pressas para um tratamento intravenoso específico.
A partir do momento que ouvi a palavra internação, não me lembro de mais nada, fiquei tão nervosa que minha única reação foi chorar de desespero. Isso porque tenho pânico de hospital, uma espécie de claustrofobia hospitalar. Só fui saber do meu diagnóstico quando já estava internada, através da Cissa (minha família), que leu o prontuário médico. Mas, naquele momento, ouvir ESCLEROSE MÚLTIPLA não significou muito pra mim – já tinha ouvido falar, porém, não fazia ideia do que se tratava. Achei, na verdade, que ia ficar louca.
Depois que saí do hospital, já mais calma, o médico me explicou que se tratava de uma inflamação no cérebro. Tive o chamado surto, e que o tratamento, nesses episódios, precisa ser administrado no ambiente hospitalar. Eles podem acontecer tanto em um espaço grande de tempo, a cada 10 anos, por exemplo, como recorrerem 3 vezes ou mais em um único mês. Os sintomas desses surtos são exatamente todos os que vivi, principalmente a fadiga e confusão mental. Não existe uma regra geral, depende de pessoa para pessoa.
Assim foi meu diagnóstico, no susto. A partir daí, fui pesquisar a respeito. No início me desesperei, sobretudo depois de entrar em um grupo sobre o assunto no Facebook. Tinha muita foto e relato de pessoas em cadeiras de rodas, e achei que aquele também seria o meu fim. Depois de levar uma bronca de toda a família, e ser acalmada pelo meu médico, saí deste grupo.
O processo de assimilação do diagnóstico foi bem complicado pra mim. No início, me senti atordoada e perdida, tanto que parei de pesquisar a respeito, e dei uma abstraída. De alguma forma, eu queria negar aquilo aqui dentro, como se a doença fosse sumir, e não acontecer mais nada, como se, uma hora, eu fosse acordar de um pesadelo. E, neste momento, não segui a recomendação de mudança de estilo de vida, como me alimentar de forma mais saudável e praticar atividades físicas. Lutava contra o que não queria aceitar.
Mas, com o tempo, mais calma, comecei a pesquisar novamente sobre. Assim, depois de 4 meses sem nenhum sintoma, tive um novo surto e uma nova ressonância mostrou que a doença havia atingido o outro lado do cérebro também. E lá vamos nós para mais uma internação para o tratamento.
Faz quase dois meses que saí do hospital, e ainda sinto meu lado esquerdo do rosto e céu da boca formigando, afora muita fadiga. Além de falar com a língua enrolada e fortes dores de cabeça, meu equilíbrio está abalado, não tenho firmeza nas mãos e muita claridade me incomoda.
Quanto ao tratamento, existem vários tipos, o médico que vai decidir. O meu médico optou por um tratamento novo, via oral (comprimidos). Mas, por serem medicamentos de alto custo, precisei entrar com um pedido no SUS (Sistema Único de Saúde), o qual, inclusive, foi negado, me obrigando a entrar com o pedido através de um processo judicial, algo, infelizmente, muito comum. Resumindo, estou há 6 meses sem tomar o medicamento correto, que não cura, mas trabalha com o objetivo de estabilizar a doença e minimizar os riscos de novos surtos e pioras.
Dentro desse contexto, recentemente fui convidada pela AFLOREM (Associação de Apoio aos Portadores de Esclerose Múltipla da Grande Florianopolis) criada por portadores da esclerose múltipla de Florianópolis – SC (moro em Balneário Camboriú também em Santa Catarina), para participar e ajudar na conscientização das pessoas e apoio aos recém-diagnosticados. Isso me deixou muito feliz porque é muito importante divulgar essa doença pouco conhecida, principalmente, para ajudar amigos e familiares a lidarem com esse cenário que é novo não só para o paciente, mas para todos aqueles que o cercam. Me deu uma energia nova por ver que não estou sozinha nessa.
Hoje, eu me sinto bem, vivo um dia de cada vez, sem pensar no amanhã. Dou valor às pequenas coisas, uma vez que cada dia é um dia. Continuo com meus planos e objetivos, contudo, ciente de que agora tenho minhas limitações. Graças à Deus, tenho muito apoio dos meus amigos e da minha família, o que me ajuda a seguir firme e forte. Mesmo sabendo que, para eles, é muito difícil entender essa variação de um dia estar bem fazendo tudo normalmente e, no outro, não conseguir levantar da cama, sem achar que estou com frescura, já que sinto um cansaço absurdo, mesmo sem ter feito nada que justifique.”
Eu, como amiga da Yara, fico preocupada, triste e, muitas vezes, angustiada por me sentir impotente diante de toda a situação (pra ajudar, moramos a mais de 1000 km de distância uma da outra). É horrível ver alguém que a gente ama sofrendo e não poder fazer muito para amenizar essa situação. Ofereço o que está ao meu alcance, colo, ouvidos, carinho e palavras de positividade. Sei que ela está bem assistida por pessoas próximas que também a amam muito, e isso me tranquiliza. Além de, claro, conhecer sua força, determinação e amor à vida. Já passamos tantas coisas juntas, a vi enfrentar muitos desafios, transpor cada um deles e sair fortalecida e uma pessoa melhor. Isso me faz não duvidar, por um minuto que seja, de que ela vai lidar da melhor forma possível também nessa nova fase.
E para finalizar a Yara fez um desabafo lindo:
“Acho que a palavra é medo, por mais que você procure não ficar pensando nas consequências, no fundo, bate aquele medo, insegurança, incerteza do amanhã. Ninguém sabe o dia de amanhã, mas quando você tem uma doença e que ela pode te tirar o equilíbrio, os movimentos do corpo, o raciocínio, etc, não tem como não sentir aquele receio. Receio, no meu caso, de não conseguir concluir meus estudos, exercer minha profissão, de ser mãe, que ainda não sou e é um dos meus sonhos, enfim, de não conseguir chegar nos meus objetivos, concluir meus projetos de vida. Tem uma música que traduz um pouco do que sinto, em uma parte dela diz: ‘Hoje eu acordei com medo, mas não chorei e nem reclamei abrigo. Do escuro, eu vi um infinito, sem presente, passado ou futuro.’ Enfim, não estou querendo fazer uma situação triste ou dramática, mas, às vezes, nos sentimos assim. E a gente se sente assim, geralmente, quando não está bem, entretanto, não vou desanimar e muito menos entrar em depressão, o que, infelizmente, acontece com muita gente. Eu já disse, cada dia, um dia. Meus projetos continuam e, se precisarem de adaptações, eu farei sem deixar morrer dentro de mim os meus sonhos. Acho que todo mundo que tem essa doença deveria pensar assim, cada, dia um dia, fazendo as adaptações necessárias, mas sem nunca perder o foco, planos e objetivos, simplesmente adequando a nova fase de vida.”
Esse artigo tem algumas finalidades: conscientizar as pessoas sobre a existência da esclerose múltipla, abrir espaço pra Yara contar a sua história e, assim, poder mostrar para quem vive o mesmo momento que vocês não estão sozinhos e, principalmente, para dizer o quanto amo essa menina, uma irmã que o universo me deu.
Querida, te admiro muito, acredito na sua força. E tenha certeza, estou com você hoje e sempre!
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