Comportamento Convivendo

O Natal em Manaus

Imagem do teatro de Amazonas e sua arquitetura clássica.
Aflo Images de アフロ(Aflo)/ Canva
Escrito por Luis Lemos

O Natal em Manaus surge sem neve, mas cheio de calor, simplicidade e pequenos milagres. Entre luzes, chuva morna e gestos gentis, a cidade relembra que a verdadeira celebração nasce nos detalhes que iluminam o coração todos os dias.

As luzes piscavam pela Avenida Eduardo Ribeiro como vaga-lumes elétricos tentando iluminar o coração da cidade. Raimundo, vendedor de picolé, encostou o carrinho perto da Praça de São Sebastião e suspirou.

— Todo ano é a mesma coisa, dona Lourdes, o povo corre, compra, canta, reza e no outro dia, pronto: tudo volta a ser como antes, barulho, preconceito e violência, muita violência. Dona Lourdes ajeitou o terço no pescoço e, com o olhar preso no Teatro Amazonas, respondeu:

— É o barulho que faz a fé se esconder, Raimundo. Mas olha bem, — apontou para um grupo de crianças cantando desafinadas —, quando elas erram o tom, é aí que o Natal começa.

Ele riu, limpando o suor da testa. — A senhora fala bonito, viu? Parece até poeta. — Não, meu filho. Só sou velha o bastante para saber que o Natal não é apenas no dia 25 de dezembro, o Natal é todo dia.

Um vento morno trouxe o cheiro de carne assada de alguma banca próxima. A cidade inteira parecia cozinhar dentro do próprio calor. Na calçada, um menino de rua, magrinho, montava um presépio com tampinhas e papelão.

— Olha, tia! O Menino Jesus é essa bolinha de sabão que não estourou! Dona Lourdes se abaixou encantada. — É o presépio mais bonito que eu já vi. Raimundo tirou um picolé do carrinho e deu ao menino. — Toma, é de cupuaçu.

O garoto mordeu devagar, saboreando o frio que derretia rápido na língua quente. — Frio dentro do calor, parece milagre, né? Dona Lourdes sorriu. — É exatamente isso, meu filho. E ficou pensando: “O Natal é o frio que a gente inventa para refrescar o coração.”

Enquanto isso, do outro lado da praça, uma jovem escrevia em um caderno. Chamava-se Ingrid, uma escritora norueguesa que visitava Manaus em busca de inspiração para o seu próximo romance. Ela observava o trio: a velha, o vendedor e o menino, e anotava num caderninho com as cores do arco-íris. “O Natal em Manaus não tem postal nevado. Mas tem churrasquinho de gato e x-caboclinho.”

Imagem da fachada do teatro de Manaus.
Aflo Images de アフロ(Aflo)/ Canva

De repente, a chuva chegou: fina, morna, preguiçosa. A multidão correu, mas Ingrid ficou. O menino abriu os braços, rindo. — Olha, tia, é neve em Manaus! Raimundo levantou o rosto para o céu e pensou em voz alta: — É… o Papai Noel deve ter se perdido por aí, nos ventos da Amazônia. Dona Lourdes fez o sinal da cruz. — Perdido, não, Raimundo. Ele achou o caminho certo e veio parar aqui, em Manaus, nesta noite. Olha que espetáculo mais lindo! — disse, apontando para o céu.

A chuva apertou. As luzes refletiram no chão e o Teatro Amazonas pareceu imponente. Ingrid fechou o caderno, olhou ao redor e percebeu que o trio sumira, como se tivessem se dissolvido no ar quente da cidade. No lugar onde o menino estivera, havia apenas uma tampinha brilhando sob a lâmpada. Ingrid a pegou e sorriu. — Talvez o Natal seja isso mesmo, um sinal pequeno que a gente quase não nota.

Ao longe, o relógio da matriz bateu meia-noite. A cidade silenciou por um instante, como se respirasse com o rio Negro e o rio Amazonas. E foi nesse silêncio que a escritora ouviu uma voz, não se sabe de onde, sussurrando no seu ouvido: — O Natal em Manaus é assim mesmo, jovem. Muito calor, suor e fumaça de carne assada.

Ela se virou, mas não havia ninguém. Só o reflexo das luzes dançando sobre as águas da chuva. E então, riu. Porque, enfim, entendeu:

Na Amazônia, o Natal chega sem neve, envolto em calor e luz. Mas quando ele chega, traz consigo algo mágico: a cidade inteira, por um instante, respira o mesmo desejo de paz, união, fé e amor, como em qualquer cidade do mundo.

Sobre o autor

Luis Lemos

É professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar A filosofia em contos amazônicos" (2011), “O homem religioso A jornada do ser humano em busca de Deus” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas Histórias do universo amazônico” (2019), “Filhos da quarentena” (2021) e “Amores que transformam” (2024).

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