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O Quarto

Quarto escuro com uma única janela, que ilumina o ambiente.
Tyler Lastovich / Pexels / Canva Pro
Escrito por Andrews Amoramar

Está buscando uma maneira de sair do tédio? A leitura pode te ajudar a mergulhar em universos únicos, abrindo sua mente para novas experiências e ideias. No conto do colunista Andrews Rodrigues, “O Quarto”, encontre tudo o que você precisa para trazer emoção e mistério para a sua vida.

Estava sentado, entediado, em um quarto com grandes janelas. As janelas estavam fechadas, e não havia nada para ver. Alguém as fechou há muito tempo. A única luz presente naquele pequeno espaço era a luz fraca de uma tela que transmitia continuamente as quedas de indivíduos aleatórios. Aquilo me distraía tempo suficiente para que eu não olhasse para a luz intensa que se infiltrava pelas frestas da janela.

As janelas estavam trancadas, e a chave (na época, eu não conhecia essas coisas, nem as que mencionarei adiante) não me foi dada. No entanto, eu não notava, pois para mim não existia a percepção de aberto ou fechado. Só havia aquele quarto. Nem mesmo o quarto eu notava, pois como notar algo tão comum? Como notar algo quando não se tem contraponto? Sem nada além do quarto para limitar minha percepção, não havia meios de notar sequer o quarto. Tudo que eu notava era a tela transmitindo os tombos de seres extravagantes e barulhentos.

Aprendi a ser barulhento com eles e a aplaudir meus tombos como se fossem grandes êxitos. Aprendi a cair e, no chão, me retorcer vaidoso. O escuro que emoldurava o quarto, centrando a pequena tela em minha atenção plena, não me incomodava mais, pois eu me sentia bem na companhia hipotética das personagens desvairadas na tela. Eu estava muito feliz, debruçado sobre meus membros em atrofia.

Todavia, chegou o dia em que a pequena tela, sem aviso prévio, se apagou. Imediatamente, a escuridão tomou todo o espaço. Um assobio fantasmagórico assombrava as janelas que batiam com força extrema. Apavorado, encolhi-me sobre mim, tentando, sem sucesso, me contrair até desaparecer. Estrondos horrendos explodiam por trás das janelas. Aquilo se agitou ao ponto de a janela se romper e uma luz azulada e tênue adentrar o quarto. Era um feixe tão fraco quanto minha visão. Pela pequena fenda revelada, vi com dificuldade a água batendo contra o vidro da janela. O pavor ainda me aturdia, assim como aquela tempestade lá fora chacoalhava as janelas.

A noite passou! Acordei no chão. A pequena tela chiava. Havia mais luz. Minha cabeça girava. Eu não estava ali, porém a dor me trazia de volta a cada pulsar. Tentei olhar pela fresta aberta na janela, mas tinha medo de sair do meu assento confortável. A pequena tela não exibia nada além de ruído cinza e irritante. Algumas horas se passaram, e eu estava aturdido por uma angústia que eu nunca notara. Incomodado, levantei-me. Girei pelo quarto; foi a primeira vez. Sem a distração da pequena tela, a atenção começou a se desviar para qualquer coisa naquele ambiente. Temeroso, me aproximei da janela. Pela fresta, espiei lá fora. Meus olhos doeram, e afastei-me. Depois de certo tempo, tentei de novo. Aos poucos e em várias tentativas, consegui vislumbrar através do vidro. Um mundo parecido com os da telinha se mostrava lá fora; porém, este possuía cores e mais movimento. Fiquei horas olhando pela pequena fresta. Até que a luz daquele mundo minguou. Iluminado pela luz da tela a chiar, explorei as paredes vazias do quarto vazio

Criança em frente à janela, enrolada em cobertor e assustada com a chuva de tempestades.
Motortion / Getty Images / Canva Pro

De volta ao meu assento, senti algo a apertar-me as coxas. Passei a mão e percebi um objeto pequeno, fino e gelado. Reconheci o objeto de algumas transmissões da telinha. Era uma chave. Como por instinto, aproximei-me da janela e coloquei a chave com cuidado na fenda, que a recebeu com perfeição. Girei. Um “tec” se deu. A janela cedeu levemente, e eu a puxei. Vagarosamente, abri-a por completo. Lá fora, o mundo se revelou, e uma brisa fresca soprou minha face, penteando meus cabelos.
Foram minhas primeiras carícias.

A brisa me teve como seu cativo por um bom tempo. Com a mesma chave, fui capaz de abrir as demais janelas. Após isso, eu tinha toda a metade do quarto aberta para o mundo lá fora, e a brisa, agora um vento mais forte, soprava a mim e a tudo lá dentro. Passei a noite ali, observando tudo o que podia lá fora.

Os dias se passaram, e eu me mantinha deslumbrado com tudo lá fora. Foi em um dia que começou esbranquiçado que eu observei uma massa cinzenta de nuvens se aglomerando no céu. Aquilo me assustava. Via nelas um poder que deixava claro meu estado de mera criatura indefesa. E as nuvens se aproximaram em uma marcha lenta, impondo a todos abaixo sua onipotência. Os estrondos que me apavoraram naquela noite voltaram a ecoar pelos céus como rugidos de uma fera oculta nas nuvens. Afastei-me da janela, queria um abrigo. Nem pensei em fechar as janelas. Foi quando um vento cortante invadiu o quarto, colocando tudo para o ar. Em seguida, veio a chuva que, com violência, adentrou todo o cômodo, lavando tudo. Foram horas sendo revirado por aquela força penetrante. O vento severo jogava todas as coisas para fora, arremessando-as sem zelo pelas janelas. A água abundante lavava toda a poeira e sujeira acumulada em meus anos ali, sujeira que eu nem conhecia a existência até então.

Foram horas, ao menos em minha percepção. Meu pavor chegou a um ápice em que ele próprio não mais se sustentou, abrindo uma fissura em minha mente; a calmaria que se esgueirou por essa fenda deu lugar a tudo. De repente, tudo girava em torno de mim, porém nada me tocava.

Quando a tempestade se foi, eu acordei. Demorei a levantar do canto onde estava. Quando o fiz, percebi que o quarto estava vazio. Me aproximei da janela central, e o mundo lá fora se apresentava em cores douradas. O céu era uma obra de arte ornada com espectros multicoloridos e luminosos.

Céu de manhã em cores douradas.
dennisvdw / Getty Images / Canva Pro

Fiquei ali por um tempo, quando uma brisa me atingiu por trás. Olhei e vi que no fundo do quarto havia uma porta, e esta se encontrava entreaberta. Me aproximei lentamente, observando. Segurei a maçaneta e a puxei. Lá fora, um corredor escuro se abriu, e no fim deste, uma luz dourada me chamava. Por um tempo, hesitei; foi quando uma silhueta surgiu naquela luz. Ela parecia me olhar com os mesmos olhos que eu a olhava. Ela fez um gesto com a mão, um convite, e saiu. Sem mais qualquer dúvida, porém com o coração palpitante, eu me movi, segui em direção ao final do corredor até adentrar no desconhecido luminoso.

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Sobre o autor

Andrews Amoramar

Anos atrás surgia por estas terras um pequeno garoto, um garoto que amou logo de cara o que viu. Um pequeno sonhador, explorador do quintal de casa, curioso pelas coisas afora. Esse pequeno amava desde cedo criar, e explorava sua criatividade com uma folha e lápis na mão, desenhando seus personagens preferidos.

Os anos passaram e o pequeno esticou em tamanho, porém a curiosidade e a ânsia em criar se mantiveram as mesmas. Hoje o garoto tem novas ferramentas e conhecimento para explorar mais e mais. Hoje o quintal é maior, relativamente maior. As experiências muito mais desafiadoras e às vezes assustadoras, mas o desafio maior é manter viva a alegria do garoto, mesmo em meio a tantos obstáculos.

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