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O que o filme Don’t Look Up nos ensina?

Pôster do filme não olhe para cima.
Reprodução / Netflix
Escrito por Eu Sem Fronteiras

Alerta de spoiler!

O filme “Não Olhe para Cima” é uma sátira que, muito além de fazer rir, nos deixa encabulados. O exagero nas telas pode parecer engraçado em um primeiro momento, mas assusta quando percebemos as semelhanças da ficção com a realidade.

No enredo, os astrônomos Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) e Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) descobrem a vinda de um cometa gigantesco em direção à Terra, o qual tem 99,78% de chance de destruir toda a humanidade em pouco mais de seis meses. A dificuldade, porém, é convencer a população e os poderosos políticos de que a ameaça é real e está cada vez mais perto.

É aí que entram questões como: negacionismo, alienação em favor das celebridades, corrupção política, desinformação e manipulação de interesses das grandes massas. O diretor Adam McKay deu uma declaração afirmando que o cometa é uma metáfora para o aquecimento global. Mas para quem assiste nos dias de hoje, a história se assemelha assustadoramente com o mundo depois da chegada da pandemia da Covid-19.

Com um elenco de peso, composto por Meryl Streep, Mark Rylance, Jonah Hill, Thimothée Chalamet, Cate Blanchett, Ariana Grande, Chris Evans e vários outras celebridades, os problemas da atualidade nos encaram frente a frente em um contexto bem-humorado e extremamente ácido. Veja a seguir as reflexões que podemos tirar do filme (mas tome cuidado, pois contém spoilers):

A inversão de valores: famosos X cientistas

Um dos pontos principais da trama é sobre como somos passivos frente aos problemas do mundo. Quantas vezes preferimos prestar mais atenção à fofoca de um famoso do que aos rumos que o nosso planeta está tomando?

Enquanto o cometa se aproxima da Terra, os canais midiáticos até tentam dar voz aos cientistas, mas o público clama pela transmissão ao vivo da reconciliação da cantora Riley Bina (Ariana Grande) com o ex-namorado, um DJ também muito popular. Parece familiar, não?

Três mulheres sentadas em um sofá.
Reprodução Trailer Não Olhe Para Cima / Netflix

O próprio astrônomo Randall Mindy se vê perdido nesse universo da fama, envolvendo-se com a apresentadora Brie Evantee (Cate Blanchett) e tornando-se mais um influenciador midiático. Posteriormente, ele ganha um cargo na Casa Branca, mas percebe que é meramente ilustrativo, tendo sua popularidade utilizada apenas para dar credibilidade às novas decisões do governo.

No Brasil, a pandemia escancarou essa problemática. Muitos cientistas, inclusive aqueles com um vasto currículo, forçaram-se a aparecer mais na mídia simplesmente para serem ouvidos durante a pandemia da Covid-19. Considerando “apenas” a sua experiência na área, eles sabiam que seriam negligenciados. Por quê? Esse é o assunto do próximo tópico.

Alienação que vem de cima

Conforme o cometa se aproxima e o tempo da humanidade se esgota, os cientistas organizam manifestações nas ruas e pelas redes sociais pedindo que as pessoas olhem para o céu e vejam com seus próprios olhos. Por outro lado, o governo liderado pela presidente Orlean (Meryl Streep) e a empresa multimilionária BASH vão na contramão: eles criam a campanha “Não Olhe para Cima”.

Tal movimentação, no entanto, não se baseia na falta de conhecimento científico, mas, sim, na sobreposição dos próprios interesses políticos e econômicos — já que, durante o filme, eles descobrem que o cometa tem grandes reservas de metais valiosos.

Utilizando-se da mídia, da desinformação e da histeria, a Casa Branca é capaz de influenciar milhares de pessoas a desacreditarem do perigo iminente. Qualquer semelhança com certos presidentes negacionistas que utilizam fake news para minimizar a pandemia não é mera coincidência!

Mulher loira olhando para o lado e sorrindo.
Reprodução Trailer Não Olhe Para Cima / Netflix

O empresário Peter Isherwell (Mark Rylance) é outra figura importante nesse contexto. Assim como os grandes empresários da nossa geração, tais quais Jeff Bezos e Elon Musk, ele tenta ser a salvação dos empecilhos criados pelos próprios multimilionários.

É desesperador assistir às massas desacreditarem a ciência até o último minuto para mudarem de ideia apenas quando não há mais nada a fazer. A única que parece manter a sanidade durante todo o filme é a astrônoma Kate Dibiasky, personagem que também traz várias reflexões, como veremos a seguir.

Beleza acima da ciência

Dibiasky é doutoranda de astronomia e foi a primeira pessoa a descobrir a aproximação do cometa. Mas o que chama atenção do público é sua aparência: o cabelo colorido, os piercings, as tatuagens. Sendo jovem e mulher, as dúvidas quanto à sua credibilidade nem se comparam aos do colega Randall Mindy, homem branco de meia-idade — que, em certo momento, se deslumbra com o mundo das celebridades.

Em alguns momentos, Dibiasky aparenta se preocupar com a questão estética, apesar de se mostrar uma personagem bem desapegada dos padrões da sociedade. É como se, para as mulheres, sempre existisse essa preocupação em segundo plano.

Alguns comentários em relação à aparência da cientista são proferidos por outra mulher, a presidente dos EUA. Interpretada por Meryl Streep, ela é um dos principais pivôs do negacionismo no filme. Entenda:

Negacionismo: da realidade para a ficção

A partir da campanha “Não Olhe para Cima”, a Casa Branca e a alta cúpula de empresários conseguem convencer uma vasta parcela da população de que o cometa é pura invenção. Até o momento em que ele alcança a Terra, muitas pessoas preferem negar as evidências científicas ou, pior, ir contra as tentativas de pará-lo.

Não é preciso olhar longe para enxergar a semelhança com a nossa realidade. “A Covid-19 é só uma gripezinha”, “vacinas não funcionam”, “vacinas causam AIDS” e “cloroquina cura Covid-19” são alguns dos absurdos que se espalharam durante a pandemia e convenceram muita gente de que não é preciso se proteger do vírus.

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Nesse cenário, aqueles que defendem a ciência parecem até destemperados. A cena em que Dibiasky surta em uma entrevista ao vivo por não ser levada a sério foi muito comparada, por exemplo, com um episódio em que a bióloga Natalia Pasternak se revolta com jornalistas da TV Cultura tratando a Covid-19 de uma forma leve.

Nos cargos mais altos dos comitês para combater a pandemia, seja no filme ou na vida real, estão profissionais despreparados que preferem espalhar desinformação a seguir o que dizem os especialistas. E nesse ciclo vicioso vamos vivendo até que o cometa colida com a Terra…

No fim, apenas os mais ricos conseguem se salvar e escapar antes da explosão. Os personagens principais, que tentaram durante todo o filme alertar sobre os perigos do cometa, se reúnem para jantar e esperar o inevitável. A pergunta que fica, então, é: em um mundo capitalista, o que vale mais: princípios ou dinheiro? Vida humana ou lucro? Assista e reflita.

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