Autoconhecimento

Ser, Espírito e Todo: três conceitos hermeticamente reunidos

Ilustração de mulher expandindo a mente em pontos de luz.
Escrito por Willian Kuhn

A compreensão da realidade sempre foi e será um desafio que inspira as almas que pisam este nosso mundo. Seja por meio de alegorias, visões, percepções intuitivas ou exames mentais, alguns dos grandes homens procuraram compartilhar os ensinos recebidos com quem estivesse disposto a receber. Parmênides foi um dos primeiros amantes da sabedoria que precederam Sócrates no mundo ocidental, segundo se considera a tradição. Em seu tratado “Da Natureza”, há uma alegoria filosófica que explicita os fragmentos de seus ensinos que chegaram até nós. Nessa alegoria, conduzido pelas “filhas do sol” – que guiavam a carruagem –, Parmênides chega, após atravessar o portal do céu, até a deusa. Saudando-o, ela revela a “realidade fidedigna” de tudo o que é, a qual pode ser sintetizada na palavra Ser.

Ilustração de Parmênides.

Dentre as lições ensinadas pela deusa, encontram-se estas qualidades atribuídas ao Ser: ingênito; que não foi nem será; inabalável; compacto; indestrutível; sem fim; uno e contínuo; que é agora um todo homogêneo. Estas se tratam de qualidades perenes daquilo que não só persiste. Mais que isso: é anterior e transcendente ao tempo, ou seja, ingênito – que quer dizer “não nascido” no tempo.

No desenrolar de sua obra, a deusa revela a Parmênides que há apenas duas vias para pensar: a do Ser e a do Não Ser, sendo que a primeira é recomendada por estar alinhada à realidade, ao passo que a segunda é inconcebível – por uma questão lógica, não é possível pensar em algo que não exista, “(…) pois o mesmo é pensar e ser” (fragmento 3). Há aqui uma unificação entre o pensamento e a realidade. Assim, pode-se compreender no seguinte sentido: mesmo ao se fazer um esforço de imaginar algo que não exista – por exemplo, um Pégaso –, este terá elementos de seres existentes: cavalo e asas. Delineiam-se aqui, portanto, argumentos logicamente fortes para a escolha do caminho proposto pela deusa. O que não é facilmente perceptível aqui, contudo, são os ensinos mais profundos que podem estar mesclados às especulações racionais, se compararmos com outros textos consagrados, como o “Bhagavad Gita” e “O Caibalion”. Façamos uma breve incursão ao primeiro destes. Com efeito, o “Bhagavad Gita” é considerado uma obra clássica do hinduísmo. Nesse poema épico, a suprema personalidade de Deus – Krishna – ensina ao jovem guerreiro Arjuna, enquanto este pretendia desistir de cumprir com o dever de sua casta dos Kshatriya. Assim diz Krishna: “Aquele que pensa, em sua ignorância: “Eu mato” ou “Eu serei morto”, procede como criança que não tem conhecimento da verdade, porque o que É na realidade, é eterno, e o eterno não pode matar nem ser morto. Conhece esta verdade, ó príncipe! O Homem real, isto é, o Espírito do homem, não nasce nem morre. Inato, imortal, perpétuo e eterno, sempre existiu e sempre existirá” (“Bhagavad Gita” cap. 2, versos 19-20).

Ilustração de Arjuna e Krishna conversando.

Ora, percebem-se aqui atribuídas ao Espírito, por Krishna as qualidades seguintes: “inato; que não nasce nem morre; imortal; eterno; perpétuo, sempre existiu e sempre existirá”. Não seriam estas as mesmas estabelecidas por Parmênides ao Ser? Isto é: “ingênito; não foi nem será; inabalável; compacto; indestrutível; sem fim; uno contínuo; um Todo homogêneo”? Para tornar mais interessante ainda essa questão, é proveitoso lembrar que há um princípio que afirma que se duas coisas têm exatamente as mesmas características, elas são, na verdade, uma só. Nesse sentido, se o Ser de Parmênides e o Espírito explicado por Krishna são coisas diferentes, a linha é muito tênue para que possamos distingui-las, a julgar pelas características recém-apresentadas.

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Há também outra linha de interpretação que pode auxiliar no exame revelador dos aspectos mais profundos desse nosso estudo.

O hermetismo é considerado uma linha de conhecimento esotérico que teria sido transmitido por outra grande alma que se cogita ter por aqui passado: Hermes Trismegisto. Este teria condensado e entregue as leis do universo em sete chaves, chamadas de princípios – um deles, chamado de “lei do mentalismo”, que manifesta a ideia de que “o universo é mental: ele está dentro da mente d´O Todo”. Com efeito, se o universo é de natureza mental, significa, dentre outras coisas, que tudo que se pensa existe, e que, se é possível pensar, é porque é real. Assim sendo, se não é possível pensar em algo, esse algo não pode existir na realidade. É verdade que muitos problemas poderiam surgir a partir da aceitação dessa premissa, como, por exemplo, de que modo explicar que a matéria também seja mental? Ou, ainda, por que certas coisas que eu penso não se transformam em realidade? Bem, elas já existem, enquanto pensamento e talvez apenas o Todo ou Deus, que é a realidade maior, consiga pensá-las com a profundidade que as tornem densas como a matéria.

Ilustração de homem expandindo a mente.

Nesse sentido, os iniciados (pseudônimo dos autores desconhecidos) mencionam que o Todo, sendo um só Espírito universal, mantém tudo dentro de si em um perene estado. Aqui se pode notar o paralelo com as características apresentadas do Ser de Parmênides e do Espírito ensinado por Krishna:

“O Todo é Infinito, porque não há quem defina, restrinja e limite o Todo. É infinito no tempo, ou eterno, existiu sempre, sem cessar; porque nada há que o pudesse criar, e se ele não tivesse existido, não podia existir agora; existirá perpetuamente, porque não há quem o destrua, e ele não pode deixar de existir, porque aquilo que é alguma coisa não pode ficar sendo nada” (“O Caibalion”, p.38).

Livro "O Caibalion".

Não há como ter certeza de que Parmênides tinha em mente algo como o Espírito, ou o Todo como sendo sinônimo de Ser. Por outro lado, ao percebermos essa analogia, é possível aceitar a ideia de que boa parte das teorias pode ser conciliada se utilizarmos as chaves adequadas. Mais que isso: através desse princípio do mentalismo, é possível perceber similaridades entre a filosofia eleata (ocidental) com a filosofia indiana (oriental), como foi possível observar o leitor. Talvez não seja absurdo cogitar a ideia de que, em um passado remoto, em belos palácios se transmitiam os ensinos que aqui e ali hoje fazemos o esforço de reunir, mas isso não é senão objeto de imaginação e de inspiração para um texto futuro.

Referências:

KRISHNA. Bhagavad Gita: A mensagem do mestre. Trad. De Francisco Valdomiro Lorenz. São Paulo: Pensamento, 2006.

TRÊS INICIADOS. O Caibalion: estudo da filosofia hermética do antigo Egito e da Grécia. Trad. de Rosabis Camaysar. São Paulo: Editora Pensamento, 2017.

Sobre o autor

Willian Kuhn

Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com honra ao mérito pelo melhor desempenho. Mestre em Metafísica e Conhecimento pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE/PR, sendo pesquisador na área da filosofia da ciência. Atua na educação desde 2011 como iniciante à docência e desde 2013 como professor da rede privada. Em 2018 teve a oportunidade de compartilhar experiências com o povo Juruna/Yudjá na Terra indígena do Xingu, residindo e atuando como Coordenador pedagógico da Escola Estadual Indígena Bitahama, durante nove meses. Atualmente é palestrante de filosofia para a vida (prática). É praticante de Thetahealing. É estudioso do esoterismo e busca a saúde e bem-estar sob um ponto de vista integrado das dimensões físico-mental-espiritual.

E-mail: willianckuhn@gmail.com