Era domingo de manhã, 22 de junho de 2025. Acordei um pouco mais tarde naquele dia, fora do meu horário habitual, o que era raro. Sempre fui daqueles que acordam cedo, mesmo quando não é preciso. Meu corpo tem relógio próprio, e ele não reconhece domingos e feriados. Mas naquela manhã, algo em mim pediu uma pausa. Talvez o cansaço acumulado, talvez a ausência de compromissos, talvez apenas o silêncio da casa, que parecia conspirar a favor de mais alguns minutos na cama.
Sou professor, acostumado a acordar com o galo, mesmo que ele só cante no celular. Mas estava de recesso escolar. E recesso, sejamos honestos, é um pequeno período de descanso para o corpo e a mente, embora eu, por ser metódico e inquieto, raramente consiga aproveitá-lo de verdade.
Minha esposa estranhou aquele tempo a mais na cama. Entrou no quarto, puxou a cortina com força e soltou aquele aviso que mistura carinho com cobrança: — Vamos tomar café, amor! Tá todo mundo esperando.
Levantei-me ainda envolto pela névoa do sono, como quem caminha entre sonhos e obrigações. Fui direto ao closet, guiado mais pelo hábito do que pela consciência. Queria apenas dar um jeito no rosto, aparar a barba, fingir para o espelho que eu era um homem minimamente pronto para o domingo em família. Mas foi ali, naquele gesto banal e repetido, que algo inesperado aconteceu.
Ao abrir a porta do armário e procurar o aparelho de barbear, vi um homem no espelho. Ele estava ali, parado, com a barba por fazer, igualzinho a mim. Mesmo olhar de sono, mesma cara de quem dormiu muito e acordou mal. Pensei, como qualquer pessoa normal: “Sou eu”. Mas havia algo diferente, destoante, errado naquele homem do espelho.
Fiquei olhando fixamente por um longo tempo àquela imagem que refletia no espelho. Fiz um gesto com a sobrancelha, ajeitei o cabelo, estiquei o pescoço. Ele fez igualzinho. Mas com um pequeno atraso. Não era simultâneo. Era como se ele estivesse me imitando. Ou testando meus gestos.
Novamente, inclinei o rosto. Ele também inclinou. Mas aquele olhar. Ah, aquele olhar era diferente. Eu estava curioso; ele, irritado. Eu tentava entender o que via; ele parecia cansado e me olhava com desprezo.
Foi aí que pensei com os meus próprios botões uma frase que jamais imaginei dizer sobre mim: “Se esse aí sou eu, eu sou muito chato”.
Pensei isso porque o outro não sorria, porque tinha uma expressão fechada, quase amargurada. E, o mais inquietante, um certo desprezo silencioso no canto da boca. Foi quando a minha esposa voltou. — O que tá acontecendo aí? — Você está vendo esse homem aqui? — perguntei, apontando para o espelho.
Ela se aproximou, olhou-me nos olhos, deu-me um selinho e respondeu-me com aquele tom que mistura ironia e ternura:
— Claro amor! Estou vendo um homem maravilhoso, um bom marido, um bom pai, um excelente professor, amado e querido por seus alunos, mas que está um pouco preguiçoso hoje. — Não, não. Esse aqui. — insisti, ainda apontando para o espelho. Ela suspirou e sorriu: — Sim, esse mesmo. Agora, anda logo. O café tá esfriando. Vamos!!!
Ela saiu. Mas o homem ficou. E agora, o olhar dele era diferente. Não era mais de tédio. Era de pena. Sim, ele me olhava como quem sente pena.
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Eu virei de costas, meio sem graça. Mas, antes de sair, ele me disse baixinho, como um eco vindo do espelho: — Ela não está falando de você, seu babaca!
Fechei a porta do banheiro. Tranquei. E, pela primeira vez em anos, tomei banho de olhos fechados. Não para relaxar, mas porque, sinceramente, eu não queria mais ver quem me via.