A casa cheia de gente, as quitandas sendo tiradas dos potes: peta, pastelim, biscoitos de nata, amendoim e os alegres alfenins, sempre os favoritos das crianças. O vozerio dos convivas, preenchendo o espaço, disputava lugar com o piado dos passarinhos, a algazarra das maritacas e o balido das cabras que pastavam solenes no jardim. O sobrado colonial, erguido pelo bisavô, na época da fundação da cidade, ainda no século dezoito, começava a se iluminar, no fim da tarde, como em dia de festa.
No entanto, não era dia santo, nem feriado, nem aniversário de nenhum dos presentes ou outra data comemorativa de importância. Era um dia de semana qualquer. Uma terça-feira comum, na sede da fazenda dos Vieiras. A vida dela era assim.
Desde pequena, Ana das Dores tinha se acostumado a estar com a casa cheia de tios, primos, irmãos, vizinhos, parentes distantes. Uns chegavam para o almoço e ficavam até depois do café da tarde. Outros davam uma parada, a caminho da capital. Alguns, ainda, passavam meses a tratar de negócios, da saúde ou apenas de visita. A descansar no clima bom e na paisagem histórica de Corumbá de Goiás. O fato é que a casa de Ana sempre estava cheia. Na mesa comprida da refeição, ao desjejum, sucedia-se o almoço.
Ao café da tarde, o jantar e, no final da noite, o pote de biscoitos de queijo acompanhava o bule de chá, à disposição daqueles que ficavam proseando até mais tarde no alpendre, a olhar a paisagem noturna do cerrado enquanto ouviam as histórias e causos de tempos idos e de agora. Assim, desde sempre, gente e comida faziam o cotidiano de Ana das Dores.
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Na lida contínua, os dias se passavam a acender o fogo do forno de barro e amassar os biscoitos. A refinar o açúcar de cana, derretendo a rapadura e coando-a no funil de algodão. A apanhar o marmelo e prepará-lo com o açúcar recém-refinado, nos grandes e brilhantes tachos de cobre. Tarefas rotineiras, que ganhavam sentido em torno da grande mesa, entre risadas e conversas. Fazendo da vida que Ana das Dores vivia, uma prática social plena se sentido.