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A vida escoa pelas mãos

Imagem da metade de uma árvore florescendo e a outra metade seca
urfinguss de Getty Images / Canva
Escrito por Denise Mantovani

A vida escoa pelas mãos de uma forma assustadora e inexplicável. Hoje, aos 39 anos de idade, tenho a sensação de já ter passado por três vidas, estando na terceira. Até o nascimento do meu filho, eu fui uma Denise. A partir da vinda do Pedro, tornei-me outra mulher.

Com a morte inesperada do meu pai, não sei te falar qual Denise sou hoje, pois me encontro em um mundo desconhecido, em um campo de batalha com meus sentimentos, sem muito senso de orientação. A minha segunda vida foi roubada e colocada em outro contexto.

E eu só queria voltar para essa minha vida anterior. Mas eu sei que não existe um caminho de volta e que, mesmo com a alma dilacerada, preciso encarar essa luta. Meu pai cumpriu a missão a ele ofertada nessa vida aos 71 anos de idade. E eu pressenti esse acontecimento durante o ano todo.

Cresci ouvindo meu pai contando que, quando da morte do meu avô paterno, a vontade dele era a de ir junto. Hoje eu o entendo perfeitamente. Apesar dos meus pressentimentos, eu não estava preparada para essa dor. E que dor! Meu pai me chamava de Zica, porque eu sempre tive uma personalidade muito forte (igual à dele), e enfrento os desafios da vida com coragem e hombridade, da mesma forma com que ele fez.

Filho de analfabetos, meu pai cursou duas faculdades. Tínhamos uma ligação muito forte. Confesso que fui a filhinha do papai, mas não no sentido pejorativo, porque meu pai exigiu-me bastante, criando-me uma mulher muito forte.

Fui a filhinha do papai em termos de proteção e de segurança. O mundo poderia me abandonar, meu pai nunca. Meu pai sempre me protegeu e deu-me segurança física, financeira e emocional, mesmo a 500 km de distância.

Com a partida do meu pai, minha mãe confidenciou que, por ter tido dificuldades de engravidar, fez algumas inseminações artificiais. Mas os procedimentos não deram certo. Tempos depois, com o resultado positivo em mãos, meu pai, todo feliz e orgulhoso, foi pessoalmente mostrar o exame da minha mãe para o médico.

Conto esse segredo da vida dos meus pais, pois meu pai sempre reconheceu que eu os escolhi como meus. Ele falava que a demora da minha mãe para engravidar estava na justificativa de que eu estava me preparando para eles. Meu pai acreditava veementemente que eu os elegi como meus pais. E a escolha não poderia ter sido melhor!

Nas horas em que velei meu pai, conversei muito com ele e uma das frases ditas por mim foi: “Se eu estou solteira até hoje, a culpa a sua, viu?!”. O padrão de homem apresentado a mim sempre foi muito alto.

Cresci com um homem extremamente presente na vida dos filhos e do neto. Meu pai se preocupava com a nossa educação, nossa segurança, com nossa saúde física e emocional e com nosso lazer. Cresci vendo um homem muito honesto e comprometido com o cargo exercido na sociedade.

Cresci com um homem sendo um exemplo de marido a ser seguido: carinhoso e romântico, ele amava presentear a minha mãe. Nunca ouvi meu pai alterar o tom de voz com a minha mãe. Minha mãe, meu irmão, meu filho e eu somos privilegiados por termos convivido com esse exemplo de homem e sabemos disso. O Dr. Mantovani viveu a vida toda em função do bem-estar da família.

Mas meu pai não foi um homem bom e um exemplo de homem tão somente para a família. E eu não tinha o real conhecimento dessa virtude até o dia do sepultamento dele. Dos colegas de trabalho da Delegacia de Polícia, ouvi que meu pai não foi um chefe para eles, mas sim um líder.

Alguns relataram que, se tinham o que comer dentro de casa, era mérito do meu pai. Histórias de ajudas, de assistências, de auxílios e de conselhos de vida ofertados pelo meu pai foram as que mais ouvi. Altruísta, ele se doava ao próximo sem esperar nada em troca. Pensava eu ter meu pai vivido em função da felicidade e do bem-estar da família, mas não. Meu pai viveu pela coletividade ao redor dele.

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Dr. Luiz Pedro Mantovani, a mamãe, o Luiz Hermínio, o Pedro e eu sabemos do privilégio que foi desfrutar essa vida com um homem com tantas virtudes. Obrigada pela ajuda na criação do meu filho. Como eu disse naquele vídeo publicado seis dias antes da sua passagem, a vida é muito breve, e, nessa nossa brevíssima existência, o que importa é o legado que deixamos.

E o seu legado de generosidade, de amor, de respeito, de carinho e de exemplo de ser humano continuará. Permanecerei uma filha eternamente apaixonada e grata pelo pai que teve. E, Pai, a mamãe falou que na próxima vida quer ser sua esposa novamente. Eu exijo ser filha de vocês repetidamente. Nos espere!

Sobre o autor

Denise Mantovani

36 anos, aquariana, formada em direito, servidora pública federal, mãe do adolescente Pedro. Tentando o equilíbrio nos papéis de mãe e de mulher. Romântica, prática, sonhadora, batalhadora, corajosa, brava, audaciosa e medrosa ao mesmo tempo. Sou amor, lágrimas e sorrisos, muitos risos. Sou amiga e companheira, mas de quem merece. Sou a soma de defeitos e qualidades. Vida saudável, e meia-maratonista.

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