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A vida no prédio: apartamentos não são moradia

Há um prédio com diversos apartamentos pequenos localizados lado a lado, indicando o alto povoamento da habitação.
Onfilm / Getty Images Signature / Canva
Escrito por Nina Veiga

Viver em apartamento parece comum, mas será que é realmente habitar? Entre barulhos, fumaça e noites mal dormidas, a vida urbana revela desconfortos que raramente questionamos. Afinal, apartamentos são moradia ou apenas caixas empilhadas? Continue a leitura e descubra!

(Aviso de rabugice)

Viver em apartamento é algo tão naturalizado que nem nos atentamos em perguntar sobre qual a concepção de ser humano que está por detrás dessas construções.

Com certeza, não é a concepção de gente que vive, respira, dorme.

Para quem gosta de volume alto, para quem fuma, para quem briga em voz alta, em sua própria casa, o desconforto dos vizinhos é uma chatice.

Para quem chega em casa com vontade de descansar, se acalmar, dormir e respirar aliviado, após um dia de trabalho, ter vizinhos que latem, fumam, brigam e escutam música ou TV em volume alto é uma punição injusta.

Há vários prédios e roupas no varal penduradas de um prédio para o outro.
Orbon Alija / Getty Images Signature / Canva

As brigas de condomínio se limitam a acusações mútuas ou a conciliar os desacordos, mas dificilmente – para não dizer nunca – se questiona sobre os principais responsáveis por esses desconfortos que podem levar a doenças. A responsabilidade é da concepção de moradia, que não leva em consideração o humano.

(Aviso de desabafo)

Estou sofrendo. Ria, não. Por que sempre que falo que estou sofrendo, o prezado leitor abre aquele sorrisão? Estou sofrendo mesmo e não é por motivos suprassensíveis. É por causa da vida urbana que ando levando.

Alguém aí já morou em apartamento? Sabe aqueles cubinhos que as construtoras anunciam como habitáveis e, com isso, conseguem convencer cidadãos a se empilharem uns sobre os outros?

Pois então, é em um desses que venho tentando habitar no último mês. De maneira geral, adoro, exceto por um motivo: falta de isolamento ambiental.

(Aviso de clichês)

Há um prédio e algumas roupas no varal penduradas do lado de fora dos apartamentos.
Omersukrugoksu / Getty Images Signature / Canva

Imagine a cena: você toma aquele banho gostoso, veste o pijama limpinho, vai para a cama, deita debaixo das cobertas, apaga a luz do abajur, vira para o seu lado favorito, começa a fazer aquela última oração do dia, aquela que nem chega ao final, pois antes disso você já está nos braços de Morfeu… Pois então, vai imaginando: você sente a maciez do seu travesseiro e, quase começando o repouso dos justos, descobre que seu vizinho de baixo está assistindo a um filme de terror.

Uma vítima acaba de ser assassinada de forma cruel. Gritos, berros, trilha sonora impactante. Como você sabe de tudo isso? Simples: a TV do seu vizinho, instalada a poucos palmos da cabeceira de sua cama macia, está no volume máximo. Paredes, janelas, pisos… o som não entende que deveria parar entre um andar e outro e continua subindo, impassível.

(Aviso de insistência)

Continue imaginando: você pega o macio travesseiro, com ele tenta tapar os ouvidos e pensar em coisa diferente do que sangue jorrando logo abaixo da sua cama.

Quando Morfeu está quase voltando, seu nariz começa a arder, você abre a boca e o ardor vai para a garganta. Você reconhece um cheiro insuportável e asfixiante. Em pouco tempo, a fumaça do cigarro de seu vizinho invade todo o seu quarto. Você confere que, apesar do calor intenso, a janela está fechadíssima, mas a fumaça insiste, não reconhece a diferença entre o seu ar e o ar alheio.

(Aviso de desespero)

Pois a vida urbana pode se tornar um suplício em uma sociedade onde a concepção de moradia deixa de fora as necessidades do viver. A madrugada avança, a sirene da ambulância soa, o cachorro do sexto andar late, o do terceiro uiva em resposta. O dia nasce na cidade.

Sobre o autor

Nina Veiga

A artemanualista e ativista delicada Nina Veiga é doutora em educação, escritora, conferencista. Sua pesquisa habita o território da casa e suas artes, na perspectiva da antroposofia da imanência. É idealizadora e coordenadora do coletivo Ativismo Delicado e das pós-graduações: Artes-Manuais para Educação, Artes-Manuais para Terapias e Artes-Manuais para o Brincar. Desenvolve trabalhos de formação de artífices e escritores. Suas oficinas associam o saber teórico-conceitual às artes-manuais como modo de existir e à escrita como produção de si e do mundo.

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