Convivendo

Desnudar-se

Escrito por Sol Felix

Há alguns dias atrás, eu fui convidada para posar para um artista que desenvolvia um trabalho muito bonito. Ele retratava a nudez feminina. Obviamente que eu – com um histórico extenso de complexos com o meu corpo – fiquei honrada com aquele convite.

Topei sem pensar muito, marquei a data e sugeri o uso de um lenço laranja, que era parte do figurino de um espetáculo em que eu participava na época.

Eu tinha acabado de sair de um relacionamento longo, estava ainda muito magoada e sem muitas certezas de nada. Mas a arte sempre foi um combustível poderoso na minha vida e saber que eu estava contribuindo para a criação artística de alguém me enchia o coração de boa vontade.

Eu fui tratada com respeito absoluto e fiquei lisonjeada por ter um artista disponibilizando seu tempo para observar as minhas formas e retratá-las lindamente.

A nudez em si é uma situação. Dar a si mesmo a permissão para desnudar-se é outra mais trabalhosa.

Sabe aquele sonho em que, de repente, percebemos que estamos nus? Ele é traumático, porque pula o processo do desnudar-se. Querer despir-se de mágoas, de dores e de hábitos que não levam a nada positivo é fundamental.

Parar em frente ao espelho e retirar peça por peça de um passado que pesa nos ombros, nas memórias, nos joelhos e na alma. Mas este processo vai além de apenas um constrangimento em um pesadelo qualquer: ele requer coragem e uma boa dose de generosidade com si mesmo.

É preciso muita valentia para olhar-se nos olhos, nu, amoroso por ser quem é, admitir todos os erros, todas as vergonhas, as culpas, as decepções, tudo que deu errado e tudo que deu certo, mas foi errado.

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A nudez é sublime, assim como o amor. Mas é no ato de despir-se que paralisamos. Somos apegados às roupas que já não servem, mas ficam entulhadas no nosso armário, assim como o medo, ocupando inutilmente um espaço.

Diante da vergonha social de ver-me e mostrar-me nua, ainda assim é preferível ser quem é, já que não posso fugir de mim.

Sobre o autor

Sol Felix

Atriz formada pela Fundação das Artes de São Caetano do Sul e Designer Gráfico (Universidade Paulista). Nesta vida, resido em São Paulo desde sempre. Não sou viciada em tecnologia e amo chocolate amargo. Acredito, de forma encantada, que o ser humano é, por excelência, Arte e Artista.