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Devoção a quê?

Imagem de uma mesa de madeira e sobre ela, uma bíblia fechada, uma aberta com um ramo de flor. Ao lado, uma xícara de chá sobre um pires.
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Escrito por Nina Veiga

Um terapeuta explora semanalmente sentimentos para aprimorar sua prática. No estudo da devoção, observa que além do aspecto religioso, a devoção à vida pode ser libertadora, transcendendo dogmas e razão.

Faço um exercício semanal de observação de sentimentos visando ampliar minha capacidade terapêutica. O cronograma de trabalho é dividido em semanas.

Por exemplo: na semana 1, abordo o sentimento de humildade; na semana 2, reflito sobre a veneração; na semana 3, busco alcançar a calma interior; na semana 4, mergulho na devoção; na semana 5, pratico o não julgamento, e assim por diante.

Enquanto escrevo, estou na semana de observação do sentimento da devoção. Por mais que eu tenha procurado outros modos de compreender a devoção, quase tudo o que encontrei está relacionado à religião.

Assim, mesmo querendo pensar e vivenciar a devoção do ponto de vista laico, resolvi aproveitar os ensinamentos que algumas religiões trazem sobre o termo.

Significado de devoção

Começo citando o sentido etimológico mais corrente: do latim ‘devotione’, dedicar-se a algo. É uma definição que amplia bastante e nos permite abarcar a devoção para aquém e além da religião.

Mesmo assim, a depender desse ‘algo’, a devoção pode, apesar de não religiosa, ser dogmática.

No sentido religioso, quase todos os dicionários dizem que a devoção se refere a práticas onde não há encontro com a divindade através da razão, mas unicamente através da fé.

Em minha pesquisa, fiz uma longa digressão para examinar mais de perto a fé e comecei a perceber que talvez o que se costuma chamar de ‘razão’ possa ser um impeditivo para o exercício da devoção.

Imagem de uma bíblia sobre uma mesa, uma xícara de café e um óculos de grau. Uma pessoa está fazendo a sua devoção matinal.
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Estava quase concluindo pelo negativo da razão à devoção quando me deparei com a definição sânscrito do termo: ‘bhakti’.

No hinduísmo, a devoção é uma das três doutrinas ou caminhos para a liberação espiritual. O ‘bhakti’ é ‘hetu’ ou “sem causa”, “imotivado”.

Nada pode causar bhakti, e bhakti é auto propelente, isso é, nenhuma atividade ou processo pode incrementá-lo, ou diminuí-lo.

Se, nesta perspectiva, nada pode afetar a devoção, isso se aplica também à razão. Mas uma pergunta se faz: como viver a devoção em liberdade, sem a clausura dogmática?

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Voltei a olhar a definição inicial: ‘dedicar-se a algo’. Parece-me que a questão está no ‘algo’. Esse ‘algo’ faz devoção exigir complemento nominal. Que ‘algo’ pode ser tão potente que permita uma devoção em liberdade?

Contudo, até o momento, só uma resposta me vem: vida. Talvez, e sempre talvez, só a devoção à vida é capaz de nos manter fervorosos, mas livres.

Sobre o autor

Nina Veiga

A artemanualista e ativista delicada Nina Veiga é doutora em educação, escritora, conferencista. Sua pesquisa habita o território da casa e suas artes, na perspectiva da antroposofia da imanência. É idealizadora e coordenadora do coletivo Ativismo Delicado e das pós-graduações: Artes-Manuais para Educação, Artes-Manuais para Terapias e Artes-Manuais para o Brincar. Desenvolve trabalhos de formação de artífices e escritores. Suas oficinas associam o saber teórico-conceitual às artes-manuais como modo de existir e à escrita como produção de si e do mundo.

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