Faço um exercício semanal de observação de sentimentos visando ampliar minha capacidade terapêutica. O cronograma de trabalho é dividido em semanas.
Por exemplo: na semana 1, abordo o sentimento de humildade; na semana 2, reflito sobre a veneração; na semana 3, busco alcançar a calma interior; na semana 4, mergulho na devoção; na semana 5, pratico o não julgamento, e assim por diante.
Enquanto escrevo, estou na semana de observação do sentimento da devoção. Por mais que eu tenha procurado outros modos de compreender a devoção, quase tudo o que encontrei está relacionado à religião.
Assim, mesmo querendo pensar e vivenciar a devoção do ponto de vista laico, resolvi aproveitar os ensinamentos que algumas religiões trazem sobre o termo.
Significado de devoção
Começo citando o sentido etimológico mais corrente: do latim ‘devotione’, dedicar-se a algo. É uma definição que amplia bastante e nos permite abarcar a devoção para aquém e além da religião.
Mesmo assim, a depender desse ‘algo’, a devoção pode, apesar de não religiosa, ser dogmática.
No sentido religioso, quase todos os dicionários dizem que a devoção se refere a práticas onde não há encontro com a divindade através da razão, mas unicamente através da fé.
Em minha pesquisa, fiz uma longa digressão para examinar mais de perto a fé e comecei a perceber que talvez o que se costuma chamar de ‘razão’ possa ser um impeditivo para o exercício da devoção.
Estava quase concluindo pelo negativo da razão à devoção quando me deparei com a definição sânscrito do termo: ‘bhakti’.
No hinduísmo, a devoção é uma das três doutrinas ou caminhos para a liberação espiritual. O ‘bhakti’ é ‘hetu’ ou “sem causa”, “imotivado”.
Nada pode causar bhakti, e bhakti é auto propelente, isso é, nenhuma atividade ou processo pode incrementá-lo, ou diminuí-lo.
Se, nesta perspectiva, nada pode afetar a devoção, isso se aplica também à razão. Mas uma pergunta se faz: como viver a devoção em liberdade, sem a clausura dogmática?
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Voltei a olhar a definição inicial: ‘dedicar-se a algo’. Parece-me que a questão está no ‘algo’. Esse ‘algo’ faz devoção exigir complemento nominal. Que ‘algo’ pode ser tão potente que permita uma devoção em liberdade?
Contudo, até o momento, só uma resposta me vem: vida. Talvez, e sempre talvez, só a devoção à vida é capaz de nos manter fervorosos, mas livres.