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Quando o campo percebe o que o currículo esconde

Imagem de uma terapeuta em uma sessão. Ela segura as mãos de sua paciente.
Puwadon Sang-ngern's Images / Canva
Escrito por Giselli Duarte

Há caminhos que parecem cuidado, mas escondem vaidade. Há vozes que falam de amor, mas não escutam. Ser terapeuta é mais que saber — é sustentar verdades longe dos olhos, nos silêncios do próprio ego. Quando o palco toma o lugar da escuta, a cura se esvazia. E é preciso ter coragem de parar.

Há algo desconfortável que circula, de forma sutil ou escancarada, pelos bastidores do mundo terapêutico. Algo que quase ninguém ousa dizer em voz alta, talvez por receio, talvez por conveniência, talvez por cansaço. Mas que precisa ser dito. Nem todo mundo que se coloca como terapeuta deveria estar atendendo.

Dizer isso não é elitismo espiritual, não é julgamento moral, muito menos uma tentativa de impor padrões perfeccionistas. É uma constatação que surge a partir da observação constante e do contato com histórias reais, e, infelizmente, cada vez mais comuns, de pessoas que foram feridas dentro de espaços que deveriam ser de cuidado.

O exercício da escuta, do toque, da orientação, do acolhimento exige mais do que cursos, certificações e redes sociais bem alinhadas. Exige discernimento, ética, integridade. E integridade não é o que se diz em público. É o que se cultiva em silêncio, longe das câmeras, nos momentos em que ninguém está aplaudindo ou curtindo.

O que temos visto, com frequência crescente, são profissionais que constroem personas impecáveis nas redes, mas que, nos bastidores, cultivam condutas incompatíveis com o cuidado. Terapeutas que compartilham frases sobre amor e compaixão enquanto perpetuam fofocas, expõem clientes veladamente, trocam mensagens de conteúdo impróprio, ou, pior, utilizam seu ofício para alimentar jogos de poder e manipulação emocional.

Existe algo profundamente errado quando um terapeuta, por trás da postura serena e dos discursos edificantes, age com desrespeito à vulnerabilidade do outro. E aqui não estamos falando apenas de violência física ou de escândalos extremos. Estamos falando também das microviolências: as pequenas faltas de ética, os abusos simbólicos, as negligências disfarçadas de liberdade terapêutica.

Pessoas em processo de escuta e transformação não podem ser expostas, usadas como válvula de escape ou objeto de prazer oculto. E, sim, isso acontece. Há casos em que terapeutas tocam em áreas íntimas sob o pretexto de cura energética, compartilham imagens ou comentários sobre pacientes em grupos privados, mantêm relações afetivas com clientes durante os atendimentos e depois justificam como “conexões espirituais”.

Nada disso é espiritualidade. Nada disso é consciência. É apenas ego, travestido de missão.

Há ainda os que não se atualizam, não se reciclam, não buscam supervisão, não fazem terapia. Estão estagnados há anos no mesmo discurso, muitas vezes com conteúdos que já foram revistos por áreas da saúde, da psicologia e da própria espiritualidade. Mantêm práticas questionáveis, orientam de forma ultrapassada, reproduzem crenças que reforçam culpa, medo, dependência.

O que mais impressiona é que muitos desses profissionais são considerados “bem-sucedidos” no meio. Têm agenda cheia, número alto de seguidores, depoimentos visíveis. Mas o que não se vê é a quantidade de clientes que saem confusos, quebrados, dependentes. Ou o número de colegas que já tentaram conversar sobre esses comportamentos, mas foram ignorados, desqualificados ou silenciados.

Imagem de uma terapeuta em atendimento. Ela segura as mãos da sua paciente.
Wavebreakmedia / Getty Images Pro / Canva

Existe uma responsabilidade silenciosa que vem com o título de terapeuta. E essa responsabilidade não está no marketing, nem na vitrine, mas no que se sustenta fora da cena pública. É o que você faz quando recebe uma história de dor. É como você lida com seu próprio ego quando alguém te coloca num pedestal. É como você encara seus próprios conflitos, vícios, contradições.

Todos somos humanos, e é evidente que não existe terapeuta “pronto”. O caminho da evolução é constante, inacabado, cheio de buracos. Mas existe uma diferença gritante entre estar em processo e estar negando o próprio processo. Entre ser imperfeito com consciência e ser inconsequente com orgulho.

Um terapeuta que não se cuida, que não se observa, que não se compromete com a própria transformação, corre o risco de virar apenas um personagem. E quando o personagem domina o ofício, o campo de cuidado se torna um palco. Perigoso. Sedutor. Disfarçado.

A integralidade no trabalho terapêutico começa pelo compromisso com a verdade. E isso não significa acertar sempre. Significa ser capaz de rever escolhas, escutar críticas, pedir ajuda, parar quando for preciso. Profissionais íntegros se permitem desconstruir, se abrem à escuta de seus pares, frequentam rodas de supervisão, estudam, se aprimoram. Sabem que a responsabilidade que assumiram ao abrir espaço para cuidar de outro exige, no mínimo, o compromisso de também olhar para dentro.

Quem perpetua condutas antiéticas, quem atua em estado de dissonância profunda entre o que ensina e o que pratica, precisa ser convidado a parar. Não como castigo, mas como um gesto de maturidade. Parar para se rever. Parar para refazer caminhos. Parar para não ferir mais ninguém.

É urgente que se crie uma cultura de ética mais clara no meio terapêutico. Que se normalize o pedido de supervisão, o acompanhamento pessoal, o limite de atuação. Que terapeutas conversem entre si sobre o que estão vendo e sentindo. Que o silêncio em nome da harmonia não se torne cumplicidade.

Cuidar é uma arte delicada. Envolve mais do que técnicas e boa intenção. Envolve coragem de se olhar, compromisso com a verdade e profundo respeito por quem confia em você.

Imagem de um profissional terapeuta em uma sessão com a sua cliente.
Shisuka / Canva

Se você é terapeuta e sente que está se perdendo de si, pare. Reorganize. Retorne. É mais digno fazer uma pausa do que seguir alimentando um papel que não tem mais raiz.

Se você conhece alguém que fere esse lugar de cuidado, não ignore. Não se cale. Há maneiras respeitosas e seguras de sinalizar, de sugerir revisão, de manter o campo mais saudável para todos.

E se você é cliente, lembre-se: você tem o direito de se sentir seguro. Nenhuma técnica, nenhum título, nenhuma autoridade justifica um comportamento que te faz se sentir mal, confuso ou desconfortável. Cuidado de verdade não confunde. Não manipula. Não expõe. Cuidado de verdade sustenta.

A terapia não é uma zona de poder. É uma travessia de humildade.

E que assim permaneça. Para o bem de todos que escolhem, de forma honesta, fazer disso uma missão verdadeira.

Sobre o autor

Giselli Duarte

Nunca fui alguém que se contenta em observar a vida passar. A inquietação sempre pulsou em mim, guiando-me a atravessar caminhos diversos, por vezes improváveis, mas sempre significativos. Não se tratava de buscar respostas rápidas, mas de me deixar ser moldada pelas perguntas.

Meu primeiro contato com o trabalho foi aos 14 anos. Não era apenas sobre ganhar meu próprio dinheiro, mas sobre entender como o mundo se movia, como as relações de troca iam além de cifras. Com o tempo, percebi que meu lugar não seria apenas cumprir horários, mas criar algo próprio. Assim, aos 21, nasceu meu primeiro negócio, registrado formalmente. Desde então, empreender tornou-se tanto profissão quanto paixão.

Mas, por trás dessa trajetória profissional, sempre existiu uma busca interior que muitas vezes precisei calar para priorizar o mundo exterior. Foi somente quando o cansaço me alcançou na forma de burnout que entendi que não podia mais ignorar a necessidade de olhar para dentro. Yoga e meditação não foram apenas escapes, mas verdadeiras reconexões com uma parte de mim que havia sido negligenciada.

Foi nesse espaço de silêncio que descobri o quanto a curiosidade que sempre me guiou podia ser dirigida também para dentro. Formei-me em Hatha Yoga, dentre outras terapias integrativas, e comecei a dividir o que aprendi com outras pessoas, conduzindo práticas e compartilhando reflexões em plataformas como Insight Timer e Aura Health. Ensinar, percebi, é uma das formas mais puras de aprender.

A escrita foi um desdobramento natural desse processo. Sempre acreditei que as palavras possuem a capacidade de transformar não só quem as lê, mas também quem as escreve. Meus livros, No Caminho do Autoconhecimento e Lado B, são registros de uma caminhada que não se encerra, mas que encontra sentido na partilha. Participar de antologias poéticas também me mostrou a força do coletivo, de somar vozes em algo maior.

Cada curso que fiz, cada desafio que enfrentei, trouxe peças para um mosaico em constante formação. Marketing, design, gestão estratégica – cada aprendizado me preparou para algo que, na época, eu ainda não conseguia nomear. Hoje, entendo que tudo se conecta.

Minha missão não é ensinar verdades absolutas, mas oferecer ferramentas para que cada pessoa possa encontrar suas próprias respostas. Seja através da meditação, da escrita ou de uma simples conversa, acredito que o autoconhecimento é um processo contínuo, sem fim, mas cheio de significado.

E você, o que tem feito para ouvir as perguntas que habitam em você? Talvez nelas esteja o próximo passo para um novo horizonte.

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Meditação para quem não sabe meditar

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