Convivendo

Sobre minha história e resistência II

Mesmo com tantas pessoas opinando sobre minha aparência, mantive meus cabelos presos e sem alisá-los por oito longos meses. Após o retorno à dermatologista, fui “liberada” para usar química novamente. Só hoje tenho a noção de que a partir daquele momento eu deveria me libertar das imposições da sociedade e me assumir como negra e crespa, porém não foi o que aconteceu. Acredito que naquela época eu ainda não tinha a maturidade suficiente para entender minha ancestralidade.

Então voltei a alisar meu cabelo… Novamente aquele processo de certa forma doloroso de ter o couro cabeludo queimado, entrar em pânico quando a raiz começava a crescer e o cabelo ficar desuniforme. Muitas mudanças aconteceram em minha vida. Uma delas foi a minha separação. Saí de um relacionamento de sete anos que eu acreditava que era o melhor para mim. Mas calma que já volto na história sobre meu cabelo, porque esta parte tem relação com a história! rs

Eu vivia um relacionamento em que me preocupava mais com o outro do que comigo mesma. Quando me separei, comecei o processo de autoconhecimento e a fazer coisas para mim e por mim. Passei a me questionar por que agia de tal maneira e por que muitas vezes não agia de tal maneira. A partir daí, passei a deixar meu cabelo natural. Mais um processo/fase… O mais interessante é que existem menos pessoas para te apoiar do que para te criticar. Parece-me que o ser humano tem o dom de ver o outro ruim, não de apoiá-lo e fortalecê-lo.

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De qualquer maneira, essa era minha luta e eu precisava fazer isto por mim, pelos meus ancestrais. Eu precisava honrá-los, porque eles passarão por tantas coisas para que eu pudesse estar aqui hoje. Enfim, parei de alisar meu cabelo e as pessoas me questionavam, sim, mesmo sem eu ter solicitado a opinião delas. Você vai deixar seu cabelo assim? Não está na hora de alisar? A raiz está muito grande… Está muito diferente a parte “dura” da parte lisa…

Ao contrário de outras mulheres, eu optei por não fazer BC no começo (Big Chop – termo em inglês utilizado para dizer grande corte). Deixei meu cabelo crescer e as partes lisas eu ia cortando quando achava necessário. Durante três anos passei por este processo, aliás ainda passo, mas hoje tenho meu cabelo 100% natural.

Em junho deste ano cortei o restante da parte lisa. O mais incrível é que 99,9% das pessoas gostaram do meu cabelo assim. Quanto maior e com mais volume, mais as pessoas elogiam.

Acredito que de fato eu esteja mais bonita com ele assim, mas acredito também que hoje, com a liberdade de expressão que temos tanto para nos posicionarmos quanto para nos vestirmos e assumirmos nossos cabelos, as pessoas estão se “adaptando” a esta nova forma de viver.

Ainda há pessoas que dizem que cabelo crespo e cacheado é moda. Eu particularmente acredito que não, mas se for não estou aqui para seguir moda. Estou aqui para ser quem eu sou de verdade.

Sobre o autor

Beatriz de Andrade Silva

Psicóloga Clínica, orientada pela psicanálise freudiana, Mestranda em Psicologia Social (PUC-SP), especialista em diversidade nas organizações (PUC-SP), pós-graduada em direitos humanos, responsabilidade social e cidadania global (PUC-RS), pós-graduada em psicologia e desenvolvimento infantil, mentora de carreira (FGV) e pesquisadora das relações étnico-raciais. Atuei por oito anos no mercado financeiro, na área de gestão de pessoas, com foco em talent acquisition, treinamento & desenvolvimento. Na área social, sou voluntária em um coletivo que busca colocar a diversidade e inclusão em pauta e ação.
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