Há muitos anos, minha irmã estava tomando sol no seu “quintal clube paulistano”, quando por baixo do portão surgiu um gatinho. Foi uma surpresa. Pequeno, branco e preto, bem peludo, logo foi batizado de Mingau. Poucos meses depois, nos mudamos para uma chácara e herdamos o gatinho urbano. Na chegada à nova casa, ele saltou do carro e pimba.
Pisou na grama pela primeira vez. Ficou lá, imóvel, com a cara espantada e interrogativa, sentindo, pela primeira vez, uma sensação viva debaixo dos pés. Sempre quando vejo crianças brincando em espaços de concreto, lembro do susto do Mingau. Ao vivermos em cidades grandes, com poucos espaços de natureza, coisas simples, como pisar na grama, tornam-se raras.
Muitas crianças não têm esta oportunidade no seu dia a dia, às vezes, nem descalças andam. O que pode acarretar esta falta de vivências sensoriais, principalmente na primeira infância? Se considerarmos o sentido do tato, na perspectiva antroposófica, teremos de responder: a falta de um desenvolvimento tátil sadio pode prejudicar a percepção de si mesmo, de sua própria corporalidade.
Crianças, em seu primeiro setênio, que têm pouca oportunidade de tatear o mundo em sua volta e de conviver com objetos e roupas “vivas”, correm o risco de “dormir” diante do mundo e de si mesmas. O sentido do tato é extraordinariamente sensível e quer vivenciar as mais diversas experiências. Podemos optar por experiências e materiais que ampliem a sensibilidade tátil. Para as roupas, o melhor é optar pelas não sintéticas.
As de tricô e crochê, de lã pura de carneiro ou lhama, algodão ou seda crua são interessantes por suas variedades. No forte do verão, o melhor é deixar os pequenos com pouca ou nenhuma roupa, principalmente nos pezinhos. Quando não for possível, sapatos de solado de couro bem flexíveis que deixem o pé protegido e firme, mas com possibilidade de sentir o chão.
Os brinquedos, infelizmente, hoje em dia, são basicamente de plástico e podem prejudicar o desenvolvimento sensorial. É um material liso e frio, não exala uma diversidade de cheiros e as texturas que oferecem são variações do mesmo. Pedras, sementes, tocos de madeira, raízes, conchas, lã, tecidos de algodão são excelentes para brincar.
Neles estão as variações da diferença que a natureza produz. Além de estimular a atividade sensória, eles dão à criança a oportunidade de entrar em contato com os movimentos da criação, base para o desenvolvimento artístico e ético. Ao tomar nas mãos uma concha, a criança se relaciona com uma peça única, de formato artístico e singular.
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Entre ela e a natureza, não há intermediários. Nenhuma intenção abstrata ou objetiva, muitas vezes intelectualizada ou visando interesses econômicos, está envolvida no processo do brincar, ao contrário do que acontece com os brinquedos industrializados.
Se tivermos um pouco de atenção para estes aspectos do desenvolvimento infantil, poderemos contribuir para a formação de jovens e adultos capazes de perceber a si mesmos e ao mundo e de, talvez, capazes de resistir às forças da massificação.