Há dias em que a palavra parece acordar antes da gente. Abre a janela, respira o ar da manhã e se derrama pelo mundo, como se quisesse lembrar que ainda há beleza escondida nas coisas simples. Hoje é um desses dias: 20 de outubro, Dia do Poeta.
Não é feriado, nem haverá desfile. Talvez ninguém toque o hino nacional por causa disso. Mas, de algum modo, o coração dos que escrevem, e dos que sentem, amanhece mais atento. O poeta, afinal, é esse sujeito que carrega no bolso uma pequena oficina de milagres: transforma dor em verso, lembrança em música, silêncio em oração.
A poesia não salva o mundo, mas cura um pedaço dele. Cura quem escreve, cura quem lê. É um remédio que não se compra na farmácia, toma-se com o olhar, com o ouvido, com o coração aberto. Há quem diga que poesia é fuga; eu prefiro pensar que é reencontro. Quando um verso nos toca, a vida parece menos áspera, o tempo menos severo.
O poeta vive tropeçando nas palavras, tentando achar a que cabe no instante exato em que o mundo parece escapar. Às vezes acerta, às vezes não. Mas quando acerta, o universo inteiro se recolhe num suspiro.
Hoje, ao cruzar a rua, vi uma flor brotando no meio do asfalto. Pensei em Drummond, em Cecília, em Adélia, em tantos outros que ensinaram que poesia é isso: o improvável resistindo. Talvez ser poeta seja isso também, insistir em ver o invisível, dar nome ao que o silêncio tenta esconder.
Lembrei-me de Manuel Bandeira, que, cansado de doenças e desalentos, ainda sonhava em “ir-me embora pra Pasárgada”, onde seria “amigo do rei”. Que lição de esperança há nisso: criar um mundo melhor dentro da própria palavra. Bandeira sabia que o poeta não precisa fugir da realidade, basta reinventá-la com ternura e imaginação.
Você também pode gostar
- Poesia, Música e a Arte da Inspiração
- 10 poesias para levar a vida mais leve
- Legado poético de luz: um propósito de alma
- Poesias do Poeta Nilo Deyson Monteiro Pessanha
- O grande ensinamento por trás de “Sociedade dos Poetas Mortos”
E também pensei em Cora Coralina, aquela mulher de Goiás que fazia doces e versos com a mesma delicadeza. Ela dizia: “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria, se aprende é com a vida e com os humildes”. Poesia assim não se escreve, se vive. Cora ensinou que o poema nasce das mãos calejadas e do olhar bondoso, e que toda palavra só é verdadeira quando brota do coração.
Então, neste 20 de outubro, deixo aqui meu brinde singelo: um viva à palavra que consola, ao verso que desperta, à poesia que, mesmo pequena, faz o mundo respirar de novo. Porque, no fim das contas, ser poeta é apenas isso, aprender a curar-se com as próprias palavras.