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A esperança é um pássaro verde

Pássaro verde de bico preto está em cima de um galho de uma planta. Ao seu redor, estão as folhas da planta com alguns pingos de água.
Chamila Jayawardana / Getty Images / Canva
Escrito por Luis Lemos

Francisco e Maria, devastados pela perda do filho e pela seca, decidem deixar sua comunidade na Amazônia. Em busca de melhores condições de vida, partem para Manaus, mas enfrentam dificuldades para encontrar trabalho. Após anos de luta e desespero, um sonho os leva a voltar para sua terra natal, onde a vida renasce.

“Vamos embora desse lugar, precisamos sair daqui urgentemente!”, estas foram as primeiras palavras ditas pelo senhor Francisco à sua esposa quando ouviu pelo rádio que a seca na Amazônia seria ainda mais severa do que no ano anterior.

“E para onde vamos, meu velho?”, perguntou Dona Maria, cheia de esperança.

“Para qualquer lugar, longe daqui”. “Essa é a melhor coisa a se fazer, meu velho”. “Eu ainda não fui embora por causa do nosso filho, você sabe!”.

Dona Maria sentia-se cansada por todos os acontecimentos do verão passado, principalmente pelo assassinato do filho caçula. Além disso, os rios secaram, a comida ficou escassa, os animais de criação morreram e por todos os lados só havia destruição e desânimo entre os ribeirinhos.

“Quem, mais do que eu, está sofrendo?”. “Eu compreendo a sua dor. Eu também estou sofrendo. Todo esse povo está sofrendo”. “Eu falo do que aconteceu com o nosso filho. Nenhuma mãe merece enterrar um filho. Não é justo!”. “Eu sei disso, mulher. O certo é seguir a lei da natureza: que os filhos enterrem os seus pais”. ‘Mais nós precisamos ir’. “Eu não quero abandonar o nosso filho sozinho aqui”.

Dona Francisca, falando com convicção, disse com voz firme: “Eu falei com o pajé e ele me disse que não tem nenhum problema a gente ir embora desse lugar”. “E você tem coragem de deixar o nosso filho sozinho aqui nesse lugar?”. “O pajé me disse que somos todos parentes, que somos todos irmãos e que eles vão cuidar muito bem do nosso filho”.

Seu Francisco se aproximou da esposa, abraçou-a e disse baixinho, olhando nos seus olhos que lacrimejavam: “Então vamos! Aqui já sofremos demais”. E dona Maria, soluçando, disse: “Meu filho era tão comunicativo, tão sorridente, por que foram fazer isso com ele? Ele não merecia isso! Ele era muito jovem, tão feliz. Meu Deus, que dor!”, chorava copiosamente Dona Maria.

Solo seco e rachado com algumas pedras e galhos em sua superfície. No centro do solo, há uma única planta nascendo.
Gevi Noviyanti / Getty Images / Canva

O líder da comunidade se aproximou do casal e disse: “Vão em paz! Vocês são nossos parentes! Nós cuidaremos do filho de vocês! Vocês podem confiar, ele ficará bem aqui conosco!”, disse.

Dona Maria e seu Francisco agradeceram às palavras do pajé e em seguida puseram-se a caminhar pelo leito do rio seco. E assim, Dona Maria e seu Francisco experimentaram, por um átimo de tempo, o mesmo ímpeto de fuga dos Hebreus, porém, sem um Moisés para guiá-los.

Quando dona Maria questionou o esposo para onde eles estavam indo, seu Francisco disse: “Estamos indo para Manaus, certamente lá não passaremos por tantas dificuldades como estas que estamos passando aqui”. “Eu também acredito e tenho fé que lá será melhor”, disse Dona Maria, concordando com o esposo.

Há muito custo, devido à severa seca que atingia a região amazônica, seu Francisco e dona Maria chegaram à capital do estado após gastar quase todas as suas economias. Depois de sete dias de viagem, com o dinheiro que sobrou, alugaram um quarto na periferia de Manaus. No trajeto, dentro do táxi-lotação, seu Francisco olhava os trabalhadores que saíam das fábricas na Zona Franca naquela hora e ficou pensando: “Eu vou trabalhar numa fábrica dessas!”.

“Não estamos contratando”. “Aqui o senhor não pode trabalhar, não tem qualificação”. Era só o que o seu Francisco ouvia quando ele batia na porta das empresas à procura de trabalho. Três dias se passaram, três semanas, três meses, três anos e nada do seu Francisco conseguir um emprego em Manaus. “Ontem eu tive um sonho”, disse Dona Maria. “O nosso filho nos chamava de volta”.

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Seu Francisco ficou pensativo e, fazendo um esforço descomunal, conseguiu colocar a esposa inválida numa cadeira de rodas. “Vamos voltar, mulher, pelo menos lá não passávamos fome”, disse.

De volta à comunidade, o cenário manso, o cheiro da terra recém-molhada, os passarinhos bebericando as poças de chuva recente, as frutas maduras, o alarido das crianças e a voz alta do pajé no comando das orações, tudo isso fez com que dona Maria largasse a cadeira de rodas e saísse correndo para o cemitério indígena onde o filho estava enterrado…

Sobre o autor

Luis Lemos

Luís Lemos é filósofo, professor, autor, entre outras obras, de “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas – Histórias do Universo Amazônico” e “Filhos da Quarentena – A esperança de viver novamente”.

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