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Precisamos lembrar da importância dos povos indígenas para o nosso país

Fotografia em preto e branco de povos indígenas
The Everett Collection / Canva
Escrito por Eu Sem Fronteiras

Se você está habituado a ver a comemoração do Dia do Índio daquela forma clichê, com as crianças na escola fantasiadas de cocar e batendo na boca, usando falas clássicas – e até mesmo discriminatórias –, está mais do que na hora de rever os seus conceitos.

Eles estavam aqui desde sempre. O Brasil não foi descoberto pelos europeus. O Brasil já era uma terra povoada. A própria etimologia já decreta: “indigĕna,ae: natural do lugar em que vive, gerado dentro da terra que lhe é própria”. Gerado dentro da terra que lhe é própria. Será mesmo? Será que vemos isso acontecendo nos dias de hoje? Ou melhor, será que, desde que conhecemos a história do Brasil como a história de nossas vidas, a terra em que o indígena nasceu manteve-se como um direito dele?

Os povos indígenas na história do Brasil

Os indígenas foram os primeiros habitantes da terra brasilis: o Brasil antes do processo de ocupação por parte dos europeus. Existiam vários povos, cada qual com sua cultura, religião e costumes.

Embora não haja uma prova sólida sobre o contingente exato à época, estima-se que, antes da chegada dos europeus, existiam aqui no Brasil cerca de 1.400 povos indígenas, somando uma população total de aproximadamente 3 a 5 milhões de indivíduos nativos. Esses povos estavam segmentados de acordo com o tronco linguístico-cultural ao qual pertenciam: Tupi, Jê, Aruaque e Caraíba.

Povo indígena segurando lanças um ao lado do outro, de costas
Faris Munandar / Pexels / Canva

Os indígenas viviam da caça e da pesca, além da agricultura rudimentar de feijão, milho, amendoim, batata-doce e mandioca. Sua interação com a natureza se dava de forma consciente e respeitosa, em que eles retiravam do ambiente apenas o necessário. A natureza lhes provia matéria-prima para a fabricação de canoas, arcos e flechas, cestaria e até mesmo suas habitações.

Apagamento histórico

A organização social indígena apresentava regras específicas que baseavam relações políticas, interpessoais e religiosas. No entanto, a chegada dos portugueses impôs a eles novos costumes, massacrando completamente a sua cultura. O estabelecimento das capitanias hereditárias trouxe a escravização do povo indígena, que se tornou a base da economia colonial.

Todo esse processo cruelmente descaracterizou a cultura indígena, bem como tirou deles o direito às suas terras. Não só pela dominação violenta como também em decorrência das doenças que os europeus trouxeram consigo, além das missões de catequização desses povos, impondo-lhes o cristianismo como forma de religião.

Um verdadeiro massacre, realizado de forma consciente, que dizimou ao longo dos séculos milhões de indígenas, desprezando completamente suas histórias, cultura, costumes… tudo sob a ótica de que o indígena era um selvagem que precisava ser “civilizado”. É o chamado apagamento da história dos povos originários. E esse processo de colonização perdura até os dias de hoje.

De acordo com o Censo realizado em 2010 pelo IBGE, são cerca de 900 mil indígenas, distribuídos em 305 povos no Brasil (sendo dois troncos principais: Macro-Jê e Tupi). Um contingente que não chega a 0,5% da população brasileira.

Esse é um reflexo da ocupação europeia, como uma tendência ao desaparecimento, na proporção inversa da expansão da sociedade, desde aquela época.

Por que devemos valorizar e estudar sobre a cultura indígena?

Como dissemos mais acima, se a imagem do “índio” para você se resume ao uso de cocares, pinturas faciais e à dança da chuva, está mais do que na hora de desconstruir esse conceito que só reforça todo o desmantelamento que os povos originários vêm sofrendo desde o começo do século 16.

É importante não só conhecer melhor a cultura e a história desse povo como também valorizá-las, e não é nos livros de História que você vai encontrar uma fonte digna. É preciso pesquisar, buscar historiadores verdadeiramente interessados e engajados em desmistificar tudo que “aprendemos” até hoje sobre os indígenas.

Fotografia em preto e branco de uma aldeia indígena
Eric Von Rosen / Europeana CC0 Images / Canva

Devemos defender o direito deles à terra, que é mais do que legítimo. Mas também devemos nos despir daquela figura caricata, que se “esconde” do homem branco. Precisamos trazer o indígena para a sociedade atual, porém mantendo sua cultura respeitada.

É preciso mitigar os efeitos do apagamento histórico dessa população, é vital abraçar a existência do nativo brasileiro na economia, na educação, oportunizando os acessos, demarcando suas terras, incluindo-a como parte relevante da sociedade.

Lugar de fala

Uma forma de valorizar a cultura indígena é saber que não estamos no nosso lugar de fala. Em vez de nos considerarmos procuradores superficiais desses povos, precisamos dar espaço para que eles tenham sua voz ouvida.

É preciso sair da bolha dos livros de escola e partir, em um primeiro momento, para olhar a realidade que nos cerca: os desmatamentos que acontecem de forma acelerada no país, obras que remontam ao período da ditadura – quando houve uma expansão das atividades produtivas na Amazônia –, a expulsão de comunidades indígenas de suas terras (o que acontece nos dias de hoje tanto de forma clandestina, quanto com o aval dos governantes).

Temos que ouvir, e não supor. Temos que nos destituir de ideias pré-concebidas e dar a palavra a quem de interesse. Devemos parar de pensar que o indígena precisa ter seu espaço delimitado dentro da mata (ainda que seja um direito que ele tem, não cabe a nós dizer qual é o lugar dele).

Medidas precisam ser enfáticas

Em 1973, surgiu o Estatuto do Índio, corroborando o estabelecido no Código Civil de 1916, que afirmava a necessidade de tutelar os índios, dado que, aos olhos da lei, eles eram considerados relativamente incapazes. Essa tutela se dava por meio de um órgão indigenista estatal – o SPI (Serviço de Proteção ao Índio), de 1910 a 1967; e, nos dias atuais, a Funai (Fundação Nacional do Índio).

Somente com a Constituição de 1988 é que vem o reconhecimento da autonomia dos povos indígenas no que diz respeito a manter sua própria cultura, embora ainda seja de competência da União o dever de proteger e exigir o respeito aos direitos desses povos.

Duas mulheres indígenas sorrindo para a câmera
Parij Borgohain / Pexels / Canva

O Código Civil de 2002 veio para retirar os indígenas do status de relativamente incapazes, dispondo que essa capacidade jurídica se regulará por legislação especial.

Mas, mais do que a lei estabelece, é preciso que ela se faça cumprir. E se estamos distantes do cumprimento daquilo que já foi promulgado, imagine a distância a que estamos de uma legislação que atenda genuinamente os direitos dos indígenas, sem esbarrar em uma série de interesses que não mostram nenhuma empatia por esses povos!

O que fazer para apoiar os povos indígenas?

Já demos uma pista do nosso papel como sociedade para trazer, de forma inclusiva e empática, os povos indígenas para uma realidade que lhes seja justa e lhes confira autonomia, de fato. Mas, de forma pontual, o que podemos fazer?

Buscar textos criados pelos próprios indígenas é uma opção, para podermos entender os saberes e modos de vida dos povos originários, além de fortalecermos a resistência dessa cultura. E entender o que é mito e o que é história – sendo que o primeiro nos foi ensinado na escola de forma romantizada, e a segunda foi contada por quem colonizou.

Então é hora de darmos espaço para que os indígenas estejam livres em seu lugar de fala e nos ensinem a história de fato. Aqui vão algumas dicas de livros que vão te trazer um pouco dessa cultura, de forma genuína, e também diversificar e enriquecer a nossa aquisição cultural.

“Nós – uma Antologia de Literatura Indígena”

Essa obra reúne 10 contos de diferentes povos indígenas brasileiros. Junto de cada conto, há um glossário e uma biografia dos autores, além do grafismo do povo referente à história contada.

“Memórias de Índio: uma Quase Autobiografia”

Escrito pelo premiado escritor indígena Daniel Munduruku, o livro traz a lembrança de eventos da vida do autor. Em forma de crônicas, a obra faz o leitor mergulhar nas vivências da infância de Daniel e na conexão com sua ancestralidade.

“Coisas de Índio”

Também de autoria de Daniel Munduruku, a obra traz uma forma diferente de enxergar a expressão “coisas de índio”, vista de forma pejorativa pela sociedade em geral. É basicamente um tratado de como ser indígena no Brasil.

“As Fabulosas Fábulas de Iauaretê”

De autoria de Kaka Wera Jecupe, esse livro conta as aventuras da onça Iauaretê, que se transformou em gente. As fábulas trazem temas como medo, coragem, morte, paz, erros e acertos, entre outros. E a obra ainda conta com as ilustrações de Sawara, filha do autor.

“Olho d’água: o Caminho dos Sonhos”

Escrito por Roni Wasiry Guará, o livro conta sobre o passado e o presente dos povos maraguás, do Baixo Amazonas, ressaltando seus costumes e tradições. É uma obra também indicada para crianças a partir dos 9 anos.

Pela web

Para quem é mais antenado ao que acontece no mundo digital, há vários canais e perfis sobre essa temática, e que vale muito a pena acompanhar.

Mulheres com vestes indígenas no meio do deserto
Aalva650 / Pixabay / Canva

Mídia Índia

Composta por jovens indígenas, esse perfil tem por escopo se destacar no Instagram como um porta-voz da luta dos povos originários. Siga, para saber mais sobre eles.

Clique aqui para saber mais

Wariu

Canal do YouTube criado pelo jovem xavante Cristian Wariu. Sua missão é disseminar a cultura indígena fora dos estereótipos criados pela sociedade. Acompanhe os vídeos, que abordam temas como etnias, música, culinária, artesanato e crenças.

Acompanhe-o no Youtube

Denilson Baniwa

Outro canal do YouTube, criado em 2007, o que faz do youtuber, que pertence ao povo Baniwa, um pioneiro na criação de conteúdo indígena.

Conheça mais

Ysani Kalapalo

Com mais de 635 mil seguidores no YouTube, Ysani, que intitula o seu canal como “A indígena do século 21”, fala sobre sua experiência vivendo nos dois “mundos” – de sua origem, o Parque Indígena do Xingu, e a “cidade grande”.

Canal da Ysani

Índia Atualizada

Neste canal, Angélica, do povo Anacé, tradicional do estado do Ceará, traz informações sobre tudo que acontece na sua aldeia.

Conheça esse canal

Entidades e projetos de apoio

Se você deseja conhecer entidades e projetos que reforçam a luta indígena, seja na divulgação de sua cultura, seja na busca por políticas públicas direcionadas a esses povos, conheça algumas entidades que prestam esses serviços. Confira abaixo.

Homem indígena usando vestes indígenas
Luoman / Getty Images Signature / Canva

Anaí (Associação Nacional de Ação Indigenista)

Grupo de ativistas que buscam políticas públicas direcionadas aos povos originários – educação, saúde, sustentabilidade, entre outras.

Conheça

CEstA (Centro de Estudos Ameríndios)

Composto por renomados pesquisadores de diversas áreas, tem como missão produzir, sistematizar e divulgar conhecimentos sobre os povos originários das Américas.

Apoie

COMIN (Conselho de Missão entre Povos Indígenas)

Órgão que assessora e coordenas trabalhos junto aos povos indígenas. Cria parcerias em prol da educação, defesa de direitos, saúde e outros benefícios.

Página da COMIN

CTI (Centro de Trabalho Indigenista)

Fundada em 1979 por antropólogos e indigenistas, realiza programas que visam a redução da dependência dos indígenas em relação ao Estado.

Saiba mais sobre o CTI

Índio é Nós

Grupos unidos pela resistência indígena, contra os ataques às suas terras e suas vidas.

Página do Índio é Nós

Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé

Sem fins lucrativos, foi formada por um grupo de pessoas que trabalhavam com o povo Uru-eu-wau-wau e na defesa do meio ambiente (no estado de Rondônia). Uma de suas principais ações é a fiscalização da terra desse povo e do Parque Nacional de Pacaás Novos.

Saiba mais

Programa Waimiri-Atroari

Ação indigenista que tem como objetivos: prover condições aos povos originários para lidar com as dificuldades perante a sociedade brasileira, e atenuar o impacto de empreendimentos econômicos sobre o território indígena.

Página principal

Projeto Vídeo nas Aldeias

Criado em 1986, trata-se de um projeto de produção audiovisual indígena no país. Tem como escopo fazer com que os indígenas possam expressar sua identidade por meio da produção de vídeos. O projeto começou formando documentaristas indígenas que produziam registros para uso interno. Ao longo dos anos, o projeto vem realizando oficinas nacionais e regionais, que conta com um rico acervo de filmes, muitos deles premiados nacional e internacionalmente.

Conheça mais

Mas não se limite a esta lista. Pesquise, busque mais entidades e projetos voltados para o fortalecimento da cultura indígena, bem como para a luta de seus direitos na sociedade atual.

Comece já a desconstrução

Só para reforçar a desconstrução de conceitos que carregamos ao longo de nossas vidas sobre os povos indígenas, atente também para o que não falar para eles. Essa também é uma forma de ajudar e respeitar essas pessoas.

Mulher posando para a câmera usando vestes indígenas e pintura no rosto
Marcus Pinho / Pexels / Canva

Evite o termo “índio”, pois ele é carregado de estereótipos e preconceitos. Prefira “indígenas” ou “povos originários”.

Não faça aquele som batendo na boca. Nem sequer é originário dos povos indígenas brasileiros, além de ser uma atitude considerada racista.

Não hipersexualize o indígena, em especial as mulheres. Além de ser preconceituoso, isso abre precedentes para violência sexual.

Não conteste o acesso do indígena à tecnologia. O fato de ele ser indígena não significa que ele não pode usar um celular, ter um computador ou TV. O mundo se modernizou, e isso não é um privilégio apenas da sociedade não indígena. Ao mesmo tempo, se ele quiser manter suas tradições, ele é livre para isso.

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Não existe “cara de índio”. Indígenas têm várias características físicas, que variam entre os povos. Não existe só um tipo de cabelo, um só tom de pele, nem todo olho é puxado.

O Dia do Índio precisa ser revisto

Não só o nome da data em si como a forma como ela é “celebrada”, em especial nas escolas – abrindo aqui o parêntese de que é desde cedo que devemos desmistificar esse dia. Segundo Daniel Munduruku – de quem já falamos aqui, indicando duas de suas obras –, essa data ajuda a calcificar os preconceitos sobre os povos originários.

Daniel, que além de escritor, é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos, afirma que a palavra “índio” remonta à ideia de “selvagem”, além de reduzir a diversidade e a particularidade dos povos indígenas. Para ele, um nome ideal seria Dia da Diversidade Indígena.

Mas, para além desse justo desejo, que tal pensarmos em uma outra data, que tem um apelo mais histórico e menos romantizado: o Dia Internacional dos Povos Indígenas (09/08). Instituído pela UNESCO em 1994, esse dia tem como objetivo conscientizar sobre a inclusão dos povos indígenas na sociedade e garantir que sua cultura seja preservada.

Abrace a cultura indígena, pois ela faz parte da sua ancestralidade. Ainda que você não consiga enxergar os povos originários na sua árvore genealógica, eles certamente estarão lá, nas raízes mais profundas. E até mesmo não sendo no sangue, eles são a origem da nossa existência. Eles estão no nosso vocabulário, na culinária, nos nomes de ruas, rios, parques. Eles estão na cultura, na arte.

Mas, acima de tudo, os povos indígenas residem na nossa conscientização sobre sua história, no nosso dever de corrigir essa que também é uma dívida histórica e no papel do Estado em viabilizar e chancelar seus direitos. Eles estão nossa necessidade de ressignificar o conceito sobre o que é ser indígena no Brasil, em especial nos dias de hoje. Estamos evoluindo em uma série de questões, e a diversidade é uma das mais pontuais e relevantes para a humanidade.

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