Autoconhecimento Comportamento Convivendo Universo Feminino

A Gina sorriu para mim

Imagem de uma dona de casa sorridente mexendo algumas costeletas no seu forno.
George Marks / Photo Images / Canva
Escrito por Nina Veiga

Entre corredores e obrigações, o sorriso antigo de Gina revela a pressão silenciosa sobre mulheres que precisam dar conta de tudo. Ao encarar sua perfeição congelada, surge a pergunta inquietante: quanto dessa imagem é força e quanto é um pedido de socorro disfarçado?

Lá estava eu no supermercado, vestindo meu uniforme de superdona de casa. Esforçava-me para dar conta da casa, das compras, das crianças, do jardim.

A lista era imensa e o horário não favorecia: seis e meia da tarde. Não sou do tipo que adora fazer compras domésticas. Faço por obrigação. Só isso.

Naquele dia, particularmente, as compras estavam atrapalhando o andamento de uma porção de coisas que eu tinha urgência em realizar. Foi então que ela apareceu.

Na prateleira entre o guardanapo e o papel filme, Gina sorria. Seu sorriso desbotado pelo tempo parecia querer me pedir socorro.

Um sorriso congelado no tempo, mais de cinquenta anos. O sorriso da dona de casa exemplar, sempre linda, arrumada, com sua casa limpíssima, os bibelôs brilhando nas estantes sem pó. Gina, uma amélia dos tempos modernos. Seu sorriso impecável a nos lembrar os verdadeiros atributos femininos: servir e sorrir.

Gina, a heroína. Você aceita um palito? Parece querer dizer, entre sorrisos. Gina, a dona de casa que dá conta de tudo. A dona de casa que faz da vida de seus familiares um oceano de tranquilidade. Roupas passadas e nas gavetas. Comida na mesa sempre farta e variada. Gina, a eterna.

Cabelo arrumado, unhas feitas, dentes reluzentes. Sempre pronta a dedicar-se aos seus. Gina, a mulher-mãe-gestora. A que sabe contornar pequenas e grandes questões doméstico-administrativas. A que nunca deixa faltar papel higiênico. Nunca repete cardápio. Aquela que entra e sai do banheiro sem deixar rastro. Gina, a profissional.

Além de suas qualidades exemplares no âmbito da casa, Gina, a profissional, é profissional. Empresária de sucesso, conferencista de renome. Dinâmica, atuante, capaz. Gina, a ideal. Então, por que será que me pede socorro? Por que será que olha para mim com esse ar de desespero?

Sobre o autor

Nina Veiga

A artemanualista e ativista delicada Nina Veiga é doutora em educação, escritora, conferencista. Sua pesquisa habita o território da casa e suas artes, na perspectiva da antroposofia da imanência. É idealizadora e coordenadora do coletivo Ativismo Delicado e das pós-graduações: Artes-Manuais para Educação, Artes-Manuais para Terapias e Artes-Manuais para o Brincar. Desenvolve trabalhos de formação de artífices e escritores. Suas oficinas associam o saber teórico-conceitual às artes-manuais como modo de existir e à escrita como produção de si e do mundo.

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