Lá estava eu no supermercado, vestindo meu uniforme de superdona de casa. Esforçava-me para dar conta da casa, das compras, das crianças, do jardim.
A lista era imensa e o horário não favorecia: seis e meia da tarde. Não sou do tipo que adora fazer compras domésticas. Faço por obrigação. Só isso.
Naquele dia, particularmente, as compras estavam atrapalhando o andamento de uma porção de coisas que eu tinha urgência em realizar. Foi então que ela apareceu.
Na prateleira entre o guardanapo e o papel filme, Gina sorria. Seu sorriso desbotado pelo tempo parecia querer me pedir socorro.
Um sorriso congelado no tempo, mais de cinquenta anos. O sorriso da dona de casa exemplar, sempre linda, arrumada, com sua casa limpíssima, os bibelôs brilhando nas estantes sem pó. Gina, uma amélia dos tempos modernos. Seu sorriso impecável a nos lembrar os verdadeiros atributos femininos: servir e sorrir.
Gina, a heroína. Você aceita um palito? Parece querer dizer, entre sorrisos. Gina, a dona de casa que dá conta de tudo. A dona de casa que faz da vida de seus familiares um oceano de tranquilidade. Roupas passadas e nas gavetas. Comida na mesa sempre farta e variada. Gina, a eterna.
Cabelo arrumado, unhas feitas, dentes reluzentes. Sempre pronta a dedicar-se aos seus. Gina, a mulher-mãe-gestora. A que sabe contornar pequenas e grandes questões doméstico-administrativas. A que nunca deixa faltar papel higiênico. Nunca repete cardápio. Aquela que entra e sai do banheiro sem deixar rastro. Gina, a profissional.
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Além de suas qualidades exemplares no âmbito da casa, Gina, a profissional, é profissional. Empresária de sucesso, conferencista de renome. Dinâmica, atuante, capaz. Gina, a ideal. Então, por que será que me pede socorro? Por que será que olha para mim com esse ar de desespero?
