A gente acorda, e o dia já começa com o figurino. Não me refiro à roupa, embora ela ajude, mas àquela armadura invisível que vestimos para encarar o mundo. O espetáculo é diário, e o palco é a vida social, o trabalho, até mesmo a rodada de almoço em família.
Passamos tanto tempo preocupados com a aparência, com a nota que vamos receber do público imaginário, que acabamos aceitando o papel principal de uma peça que nunca escrevemos.
É um foco tão cirúrgico em manter, em parecer, que o nosso eu mais profundo, o nosso original de fábrica, vai se tornando um coadjuvante esquecido, um sussurro abafado nos bastidores da própria alma. E o custo dessa produção é altíssimo.
Nessa correria de sustentar o personagem – o bem-sucedido, o inabalável, o sempre feliz -, a gente, sem perceber, perde o contato com o que é mais vital: as emoções e capacidades genuínas.
As emoções viram estorvos. A raiva genuína é antissocial; a tristeza profunda, inconveniente. Então, a gente coloca-as numa gaveta trancada, e com elas, a chave para sentir a alegria de verdade. Se não posso chorar de verdade, como posso rir com a alma? É uma troca injusta.
O mesmo acontece com as capacidades. Aquela paixão escondida, o talento que não dá lucro, o jeito único de ver o mundo… tudo é podado em nome da funcionalidade da “aparência”.
Você era ótimo em contar histórias, mas virou um expert em planilhas, porque “dá mais segurança”. Você tinha o dom de ouvir, mas agora só sabe responder com frases de efeito.
E a vida segue, com a gente no centro do palco, fazendo a coreografia perfeita, mas sentindo um vazio na boca do estômago que nenhum aplauso, por mais estrondoso que seja, consegue preencher.
A crônica de hoje é um convite para o desarranjo. Para a desorganização saudável. É um apelo para tirarmos a máscara, nem que seja por cinco minutos, no silêncio do nosso quarto.
É ali, nesse despir-se da imagem, que encontramos o nosso tesouro perdido. O eu genuíno não está quebrado; ele só está impaciente, batendo o pé lá dentro, pronto para assumir o controle.
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E a única plateia que importa, no final das contas, é o reflexo no espelho, que precisa nos reconhecer de volta. A liberdade mora justamente em parar de atuar e começar, finalmente, a ser. E acredite: é a sua verdade que vai, de fato, te levar mais longe.
Se você chegou até aqui, adora ler. Acho que você amaria conhecer vários e-books (livros digitais) com temas como psicanálise, autoajuda, divórcio, sedução, recomeço, insônia, ansiedade, pânico, medo de falar em público, recomeço, narcisismo, feridas emocionais, e outros.
