Luísa, minha filha, a segunda da ninhada de três gatinhas, colecionava papéis de bombons, organizados tanto quanto ela, virginiana.
As embalagens esticadíssimas, coladas em papel sulfite, escorregavam dentro dos plásticos transparentes e ali ficavam, presas pela ferragem prata em uma pasta catálogo preta com a capa e a contracapa decoradas.
Até outro bombom ser degustado.
Vejo a pasta dela separada entre outras coisas para doação descartada do armário. Ela, crescida e adolescente, diz que não sente mais vontade de colecionar.
Puxa, filha, tanto trabalho para juntar essas embalagens lindas e a coisa termina assim?
Sem nenhuma mordidinha em um último bombom de despedida?
É isso, mãe!
Por minha máxima teimosia, a pasta meio mofada está engavetada até hoje. Guardei. Nunca se sabe.
E eu sei. Quem guarda tudo mofa ainda mais que a pasta.
Hoje, ela coleciona chaveiros, já tem bem mais de 800.
A cada viagem dela, nossa ou de amigos, é fato: aumenta o tilintar das argolas na coleção.
Por que guardei as embalagens de bombons? Por ela ou por mim?
Provavelmente pela tentativa de parar o tempo e tê-la sempre, menina, ao meu lado.
Minha primeira coleção – compulsória, é fato – começou com pulseiras.
Todo dia 14 de maio, meu aniversário, minha mãe presenteava-me com uma pulseira de prata. Decorada com delicados ramos e florezinhas em relevo. Em combinações diferentes a cada ano.
Conforme eu ia crescendo, as pulseiras cresciam em quantidade e diâmetro.
Um dia, na escola, no tédio de uma aula de história, comecei a brincar com uma das pulseiras, quando tive a criatividade de uma cabeça de alfinete… e tlec! Encaixei a pulseira do décimo ano entre os meus dois separados dentes da frente. Os incisivos centrais, da arcada superior!
Entalada a pulseira no vão entre os dentes, começa minha tentativa de tirar a argola. Disfarcei um bom tempo. Quando percebi que não soltava, nem precisei avisar a professora, que notou meu choro baixinho.
Lembro-me da fisionomia dela, estática!
Procurando, imagino agora, decifrar, e penso enquanto escrevo, minha aparência de desespero que devia ser um tanto parecida com a de uma noiva virgem indiana no dia do casamento: com um grande piercing de argola preso na aba do nariz!
No meu caso, nos dentes! Com a gengiva inchando e a argola que nem ela nem a diretora conseguiram tirar.
Corre ligar para minha mãe, que estava no trabalho. E nem celular existia para agilizar.
Fato. Minha mãe nem deve ter se preocupado. Viúva, responsável por dois filhos e com a criatividade além da conta, era habitual ser presenteada com surpresas pouco agradáveis.
Chega a mãe. O olhar azul, cor de céu em dia de verão, mudou para um azul-esverdeado, cor de mar em dia de tempestade, traduzido fielmente em: “Me aguarde, conversamos em casa, agora vamos resolver”.
Minha mãe, sempre prática e proativa, em poucos segundos questionou se me levava ao dentista ou ao joalheiro.
Táxi! “Vamos ao joalheiro para serrar a pulseira para não danificar tanto.”
Como assim? E eu? Vai que o joalheiro quebra meus dentes!
Não quebrou. Soldou a pulseira com perfeição. Fiquei de castigo por um mês.
E nunca mais ganhei pulseira de argola!
Sinceramente? Eu nem liguei. Já estava em outra fase.
Colecionei, por modinha, figurinhas de jogadores de times de futebol, trocava na escola, e cansei.
Adolescente, também colecionei embalagens de bombons. Bilhetinhos de amor. Papel de bala e até chiclete que o namorado mastigou colecionei. Cansei.
Adulta, colecionei sonhos, expectativas impossíveis. Cansei.
Colecionei dores emocionais e físicas por falta de alongamento e por exercícios sem disciplina. Cansei.
Não coleciono mais coisas. Compartilho. Verdades e bons sentimentos.
A pasta da coleção de bombons da minha filha Luísa? Ainda está no meu escritório. Bem lembrado, vou doar.
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Nossa alma está mais conectada ao corpo quando a mente vibra em desapego.
Quero vibrar, aquietar, aqui, estar, quero só mente, desapegar.
Abraços acessíveis