Autoconhecimento

Amar é prerrogativa dos bravos

Mãos unidas por um pano rosa em um casamento hindu.
Se existe uma questão eterna, é o amor, o sentimento comporta diversas modalidades, mas um tipo especial de amor, o romântico, se tornou um motor da vida para as pessoas em nosso mundo, até o ponto de que para alguns não tê-lo parece uma suprema desventura, pois “não é possível ser feliz sozinho”, como escreveu o mestre João Gilberto, mesmo que muitos escaldados neguem o fato.

Diferentes mecanismos têm aparecido para resolver a questão de se encontrar o amor, o mercado tira proveito do desejo e das frustrações; aplicativos e sites lucram interconectando candidatos, prometendo eficiência para todos os públicos; nessa linha, um anúncio de site de relacionamentos nestes dias garantia “Adeus, cafajestes e embustes!”, uma vez que seu catálogo passaria por filtros de checagem, “Marque agora um encontro com um cara legal!” Os incautos caem na armadilha, contudo não há trilha fácil, pois o central pertence ao próprio sujeito, o caminho do autoconhecimento, para o qual não há manual, nem é de valia a bibliografia de autoajuda, pois a gente não se enxerga nada bem e vai tropeçando nas mesmas pedras, culpando a própria pedra…

Uma mão segurando outra em um ritual de casamento indiano.

O conhecimento fortalece, mas exige dedicação, como tudo o que é bom na vida; assim aquele que busca o amado e deseja minimizar o sofrimento (embora no amor, ele sempre exista) deveria procurar se tornar mais consciente de suas escolhas e passar a se fazer perguntas, como “O que se espera do amor?” Respostas sinceras registrarão pensamentos como cuidado, afeto, sintonia, simpatia, sexo, parceria, proteção, conquista da plenitude, felicidade noite e dia, entre outros.

Não é pouca coisa!

As pessoas crescem, mas continuam a desejar a flechada de Eros ou beber a poção mágica do feitiço do amor, só que, atenção, na vida, tal como nas histórias, se o sujeito está enfeitiçado, seu entendimento ficou nublado, não podendo ver o outro. O que ele vê só ele sabe, por isso um conceito muito empregado para entender as pessoas nos seus relacionamentos é o narcisismo; no mito grego, Narciso, apesar de ter muitos pretendentes, se apaixona por sua imagem refletida no lago. Assim, não raro, quando o cotidiano desfaz o feitiço ou a ilusão, o sujeito se depara com o outro de carne e osso e desconhece o tal “amor”, “Com quem fui me meter?”, pergunta-se, sentindo-se enganado, “Você não é aquele por quem me apaixonei!”, certamente que não, pois esse enamorado, assim como tantos outros, apaixonou-se por uma ideia que estava em sua própria cabeça.

Não raro, acontece com ambos os parceiros, cada qual fica vendo no outro apenas as suas próprias projeções.

Gandhi, certa vez, afirmou que “O covarde é incapaz de amar; amar é prerrogativa dos bravos”, para amar o outro torna-se necessário reconhecê-lo, algo que só é possível quando retiramos dele nossas projeções, conhecimento-chave para aquele que deseja ter relacionamentos saudáveis, contudo evitamos enxergar o que não gostamos em nós mesmos. Para se transformar, há apenas dois caminhos, a dor e o amor, e tragicamente, com maior frequência, devido à primeira alternativa, não raro, as pessoas só chegam à terapia em profundo estado de sofrimento.

Volto ao amor, ele não é para as pessoas que insistem em viver enfeitiçadas num encantamento, pois a vida não é um conto de fadas, cedo ou tarde a realidade se impõe; o amor é para os fortes, que abandonaram a ilusão de que o outro preencheria aquele vazio angustiante que é próprio da vida.

Casal de mãos dadas apontando para o Taj Mahal,

Custa trabalho amar reconhecendo o outro como sujeito e não só como objeto do meu amor ou prazer e bastante autocontrole adiar o desejo ou inclusive aceitar o não, ou seja, a frustração. A afirmação do próprio desejo, independentemente da vontade do outro, nunca acaba bem, a vida está cheia de histórias de amor que terminam em tragédias que ninguém explica racionalmente como tudo foi parar nas páginas vermelhas do jornal.

Exige esforço abandonar a ilusão do outro mágico, expressão de James Hollis, pois não é o outro que vai me levar ao paraíso e não é essa pessoa e nenhuma outra que pode me dar o que quero; só eu posso fazer isso por mim. Suprema autonomia! Escreve o autor:

A qualidade de todos os nossos relacionamentos depende diretamente da qualidade da relação que mantemos com nós mesmos (2002, p.14).

Casal meditando em um gramado.

Infelizmente, ainda há muita resistência à terapia e esse é um dos caminhos para se alcançar uma vida mais consciente, por meio da qual o indivíduo torna-se sujeito de suas escolhas e livre para amar.

Tomar consciência de todas essas dinâmicas torna-se um reconhecimento necessário para poder celebrar o relacionamento pelo que ele pode dar.

Quando nos liberamos de nossas projeções, somos livres para amar e assim nossa jornada se amplia por meio do desdobramento misterioso da alteridade do Outro.

James Hollis aponta que o amor e o trabalho da alma estão inextricavelmente entremeados. O Outro não está aqui para cuidar da nossa alma, mas para ampliar nossa experiência dela. Presente assim é o que há de mais precioso para quem se expandiu.

Bibliografia

Hollis, J. O projeto Éden. São Paulo: Paulus.


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Sobre o autor

Verónica Aravena Cortes

Psicóloga (Terapia infantil, adultos e familiar, orientação e aconselhamento aos pais).

Graduação em Filosofia/USP e em Jornalismo pela Cásper Líbero, doutorado em Sociologia /USP e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo.

Trabalhou como professora na Universidade Metodista de São Paulo nos cursos de Psicologia, Jornalismo, Ciências Sociais e Filosofia (1998-2018).

Organizou o livro "Chilena tu eres parte no te quedes aparte".

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