Vivemos numa era em que a empatia ganhou protagonismo e a fragilidade humana passou a ocupar um espaço central nos discursos sociais. No entanto, neste mesmo contexto, emerge um comportamento cada vez mais recorrente e pouco discutido: o uso contínuo de desculpas trágicas para justificar ausências, incumprimentos e responsabilidades não assumidas. A morte de um familiar, uma doença grave, um acidente súbito. Desculpas assim aparecem ciclicamente, quase como padrão, em determinados perfis de comportamento.
Este tipo de narrativa, quando repetida em demasia e sem evidência que a sustente, deixa de ser sinal de sofrimento e passa a ser sintoma de uma fuga organizada. Uma fuga não apenas do compromisso, mas da própria realidade. É a dramatização da vida transformada em estratégia social. Nestes casos, não se trata de mentira comum. Trata-se de um mecanismo de autopreservação emocional, construído com base na vitimização como forma de obter acolhimento, isenção ou tolerância.
Este padrão pode estar ligado a traços de personalidade disfuncionais, como o perfil histriônico, que se caracteriza por uma necessidade constante de atenção e tendência para exagerar emoções. Em outros casos, pode haver indícios de comportamento factício, quando a pessoa simula ou exagera de forma intencional problemas para obter benefícios emocionais ou sociais.
Importa, porém, fazer uma distinção clara. A dor legítima existe. A perda acontece. O sofrimento é parte do humano. O problema não está no uso ocasional de uma explicação verdadeira, mas na transformação da desgraça em argumento sistemático. Quando o enredo da vida de alguém gira constantemente em torno da tragédia, há que questionar o que está por trás dessa construção narrativa. O que se está a evitar? O que se pretende com o enredo de dor?
Ao normalizar este tipo de comportamento, a sociedade contribui para a manutenção de um ciclo pouco saudável. O silêncio diante de desculpas repetidas e incoerentes reforça o padrão. A ausência de questionamento transforma o vitimismo crônico em zona de conforto. É preciso lembrar que empatia não significa aceitar tudo sem reflexão. Há responsabilidade na escuta, tanto quanto há responsabilidade na fala.
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Valorizar a honestidade emocional é também valorizar a maturidade psíquica. Nem sempre falhar é um problema. Problema é não reconhecer a falha. Problema é recorrer à tragédia como escudo permanente contra a crítica, contra o esforço e contra o crescimento. Afinal, não é a ausência de dificuldades que constrói o caráter, mas como se lida com elas. E isso começa por dizer a verdade, mesmo quando ela é desconfortável.