Autoconhecimento Convivendo

A sabedoria de Delfos

Foto do Oráculo de Delfos situado no Monte Parnaso

O melhor remédio para o homem é o homem.
O mais alto grau da cura é o amor”.

Paracelso

Conhece-te a ti mesmo. Essa era a inscrição gravada na entrada do oráculo de Delfos, talvez um dos mais famosos da antiguidade. Na Grécia clássica, o local estava consagrado a Apolo, o deus da mântica, das artes e também da cura; talvez a indicar que a cura passava pelo autoconhecimento.

O oráculo, situado no Monte Parnaso, inicialmente estava sob a regência de Gaia, uma antiga deusa-mãe, e guardado pela serpente Píton;
 Apolo vai matar a serpente, destronar Gaia e se apropriar do local, a indicar o advento de uma era patriarcal, agora sob a regência de Zeus. A sacerdotisa do templo, em geral, uma jovem camponesa consagrada ao deus, se sentava em um trípode coberto da pele da serpente, para receber as mensagens, ficando conhecida como Pitonisa.

Amplamente visitado, o oráculo acolhia consulentes de várias nacionalidades e profissões, agricultores perguntando pela colheita, guerreiros pelo desfecho das guerras, políticos acerca das coisas da pólis; talvez até Sócrates, o grande filósofo ateniense, o tenha visitado.

Ilustração de pessoas andando se reunindo no centro do Oráculo dos Delfos

Filho de Zeus e Leto, Apolo, na origem, era um deus lunar agrário guardador de sementes, que, com o passar dos tempos, se tornou o próprio deus sol, o mito comporta essas ambiguidades. Realizador de equilíbrio e da harmonia dos desejos, não visava supressão das paixões, nem das pulsões humanas, mas orientá-las no sentido de uma espiritualização progressiva mediante o desenvolvimento da consciência.

No ocidente, essa sabedoria foi deixada de lado pelo pensamento judaico-cristão que suplantou a multiplicidade do panteão olímpico e o convite ao equilíbrio, passando a imperar uma visão maniqueísta das coisas a qual fundamentou uma longa e funesta cruzada do bem contra o mal, da qual ainda somos herdeiros.

Delfos foi abandonada com o advento do cristianismo e o templo, destruído em 390 d.C. pelo imperador Cristão Teodósio I. O conhece-te a ti mesmo se perdeu na mudança de regentes. Bem, muito do próprio conhecimento antigo foi destruído, soterrado ou ardeu em fogueiras. Algumas obras se salvaram, mas ficaram restritas às paredes dos conventos, longe dos leigos que deveriam permanecer na escuridão recebendo a palavra divina pela voz de seus intérpretes, os clérigos da igreja.

Mais de mil anos depois, a psicologia, que, etimologicamente, significa o estudo da psique, recupera esse pensamento. Sigmund Freud, um médico neurologista austríaco, marca o século XX ao introduzir o conceito de inconsciente buscando ampliar o entendimento do humano; a hipótese foi construída a partir do estudo de seus pacientes, mas também de uma arguta observação de eventos cotidianos como atos falhos, sonhos, chistes, entre outros fenômenos. Embora fosse um neurologista, sua teoria propõe-se a explicar não apenas o comportamento dos pacientes, mas também dos indivíduos que não apresentam sérios transtornos psíquicos, mostrando que é uma ilusão acreditar que a consciência exerce o controle dos nossos pensamentos, desejos e ações. Há muita coisa que nos escapa e aí mora um grande perigo.

Ilustração de Freud fumando um charuto, enquanto sua cabeça se desmancha em fitas, mostrando o interior da sua mente.

Sua teoria gera controvérsias, mas certamente abre caminho para a psicologia profunda. Nesses pouco mais de 100 anos, surgiram diferentes linhas na psicologia, com diversas visões, ênfases e métodos, mas cada qual a sua maneira procura levar o sujeito a entrar neste universo que é ele mesmo para fazê-lo viver melhor, pois nosso desconhecimento de nós mesmos produz muita insensatez, amargura e miséria; em suma, muito sofrimento em nós e nos outros. E o sofrimento pode ser transformado por aquela máxima presente no Oráculo de Delfos.


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Sobre o autor

Verónica Aravena Cortes

Psicóloga (Terapia infantil, adultos e familiar, orientação e aconselhamento aos pais).

Graduação em Filosofia/USP e em Jornalismo pela Cásper Líbero, doutorado em Sociologia /USP e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo.

Trabalhou como professora na Universidade Metodista de São Paulo nos cursos de Psicologia, Jornalismo, Ciências Sociais e Filosofia (1998-2018).

Organizou o livro "Chilena tu eres parte no te quedes aparte".

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