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Mamãe, você acredita em Deus?

Imagem de bandeirinhas e balões coloridos pendurandos decorando a época das festas juninas.
Cacio Murilo de Vasconcelos / Getty Images / Canva
Escrito por Nina Veiga

A “Época de João” traz perguntas existenciais. Uma mãe, atarefada, é questionada pelo filho: “Deus existe?”. Engasgada e sem tempo, ela reflete sobre a complexidade da resposta, a influência materna e a necessidade de definir o “Deus” em questão, adiando a inevitável e fundante resposta.

A época de João chegou. Parece que o céu noturno se aproxima de nós, trazendo a dimensão do espiritual para o cotidiano. As festas dos santos alegram corações e deixam as mentes mais confusas diante de suas racionalidades arbitrárias. Pretendo investigar um pouco isso, mas não sei se conseguirei. Começo com uma das perguntas mais fundantes da existência: Deus existe?

A vela lilás ardia no centro da mesa, iluminando a refeição cotidiana. Faltavam dez minutos para a uma da tarde e o ritmo das garfadas estava se acelerando, pois o turno da tarde começara e o almoço ainda estava em meio.

“Segunda-feira típica”, pensava a mãe, mastigando apressada, quando ouviu a pergunta: “Mamãe, você acredita em Deus?”. Um pedaço de alface interrompeu seu percurso e, ao retornar, bifurcou para a traqueia.

Segunda-feira típica. Você com pressa, o almoço atrasado e as crianças, ah… as crianças, sempre encontram momentos incrivelmente impossíveis para as perguntas mais fundantes da existência. Em uma fração de segundo, um turbilhão de respostas veio à mente, enquanto a mãe engasgada tossia, tentando livrar a traqueia do visitante vegetal indesejado. Entre a miríade de respostas famosas, a do psicanalista Yung se apresentou em inglês: I don’t bealive. I kown.

Ainda arranhando a garganta, a mãe olhou para o filho. O garoto, garfo esquecido no ar, aguardava a resposta, alheio à complexidade da pergunta e à correria da segunda-feira típica. Enfim, respiração restabelecida, a mãe pensou que, com quase oito anos, era a hora das respostas, antes fantasiosas, mudarem de nível e começou a ensaiar o que dizer, enquanto, fazendo uma mímica de serenidade, conseguia um tempo, abusando da autoridade materna: “eu respondo, mas você tem de ir comendo” e emendou para tomar fôlego: “mastiga bem os legumes”.

Imagem de mãe e filho sentandos em um sofá na sala conversando. O filho pergunta à mãe, se ela acredita em Deus.
Syda Productions / Canva

A estratégia funcionou, mas ela sabia que a resposta era inevitável e poderia ser definitiva e lembrada para sempre como um norte ou algo a ser combatido, pois vozes maternas, declarando suas crenças, estão nas bases dos relatos biográficos da grande maioria das pessoas.

O que a pobre mãe encurralada poderia responder, sem antes lançar-se a uma pesquisa exaustiva dos pressupostos da própria pergunta? Como dizer sim ou não, sem definir, clara e antecipadamente, a qual conceito de Deus estava se referindo? Se dissesse, como Yung, “eu sei”, seja para o sim ou para o não, estaria racionalizando um dos maiores mistérios da vida.

A badalada dá uma soava, indicando a hora de sair para a universidade, o espaço destinado ao texto chega ao final sem que a resposta possa se apresentar e a pergunta inaugura a chegada da época de João.

Sobre o autor

Nina Veiga

A artemanualista e ativista delicada Nina Veiga é doutora em educação, escritora, conferencista. Sua pesquisa habita o território da casa e suas artes, na perspectiva da antroposofia da imanência. É idealizadora e coordenadora do coletivo Ativismo Delicado e das pós-graduações: Artes-Manuais para Educação, Artes-Manuais para Terapias e Artes-Manuais para o Brincar. Desenvolve trabalhos de formação de artífices e escritores. Suas oficinas associam o saber teórico-conceitual às artes-manuais como modo de existir e à escrita como produção de si e do mundo.

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