Filosofia

Matrix: apenas um filme ou uma mensagem sobre a realidade?

Protagonistas do filme de óculos escuros e roupas pretas
Warner Bross / Divulgação
Escrito por Eu Sem Fronteiras

Lançado no já longínquo ano de 1999, “Matrix”, protagonizado por Keanu Reeves e dirigido e roteirizado pelas famosas irmãs Wachowski, é um filme que fez muito sucesso, a ponto de ter arrecadado mais de 450 milhões de dólares em bilheteria mundialmente. Três anos depois, a película ganhou uma sequência, “Matrix — Reloaded”, que arrecadou mais de 740 milhões de dólares, e a trilogia foi fechada com “The Matrix Revolutions”, em 2003, que fez quase 430 milhões de dólares em bilheteria.

De maneira geral, a história acompanha o programador Thomas Anderson (Keanu Reeves), que usa o codinome Neo nas atividades de hacking que faz. Ele é atormentado por sonhos nos quais se vê conectado por cabos contra a sua vontade, num ambiente futurista digital e computadorizado. Conforme o tempo passa, ele começa a se questionar a respeito da realidade. Conforme encontra com Morpheus (Laurence Fishburne) e Trinity (Carrie-Anne Moss), ele começa a entender que é vítima da Matrix, um sistema artificial que aprisiona a mente das pessoas, criando a ilusão de que elas vivem em um mundo real, mas na verdade vivem apenas uma ilusão de realidade.

Apesar da trama de ficção científica, “Matrix” é apenas um filme de entretenimento ou tem conceitos filosóficos, pode nos fazer refletir e aprender alguma coisa a respeito das ideias apresentadas? Entenda neste artigo o que podemos aprender com o longa “Matrix” e como podemos sair da Matrix.

O que é Matrix na filosofia?

Segundo Morpheus, personagem do filme “Matrix”, a “Matrix está em toda parte […], é o mundo que você acredita ser real para que não perceba a verdade. […] Que você é um escravo. Como todo mundo, você nasceu num cativeiro. Nasceu numa prisão que não pode ver, cheirar ou tocar. Uma prisão para a sua mente”.

De acordo com essa explicação apresentada pelo personagem, a Matrix é uma prisão psicológica, por assim dizer, é a condição em que nos colocamos quando aceitamos as regras e as convenções impostas socialmente, que nos padronizam e nos fazer adotar um comportamento socialmente aceito, tirando de nós a oportunidade de desenvolver uma identidade e uma personalidade próprias.

Apesar de ganhar novos contornos no filme, essa ideia é velha conhecida na filosofia e pode ser relacionada ao mito da caverna, de Platão. Escrito no livro “A República”, essa história desenvolvida por Platão descreve a existência de uma caverna habitada por pessoas que já nascem com suas mãos amarradas em uma parede e a única coisa que essas pessoas podem ver é um amontoado de sombras projetado na parede à frente.

Livro aberto
Suzy Hazelwood / Pexels

Essas sombras, segundo o mito, eram produzidas por uma fogueira situada na parte traseira da parede à qual os homens viviam presos, então homens livres passavam por ali, além de animais e outros objetos, mas os homens acorrentados não os viam, somente viam suas sombras e ouviam seus sonhos, então tudo o que conheciam era aquilo. Aquele era o mundo deles e eles estavam presos àquela realidade, sem conhecer a realidade, de fato.

Certo dia, um dos homens que vivia preso na caverna consegue se libertar e abandona aquele espaço. Inicialmente cegado pela luz solar, que nunca havia visto, aos poucos sua visão se acostuma com a claridade e ele começa a entender, pouco a pouco, que o mundo não é aquele apanhado de sombras e que as coisas existem de verdade: têm cheiro, cor, forma, existem outras pessoas, animais, objetos… E aí esse homem fica diante de uma decisão extremamente importante: viver a liberdade que conquistou e deixar o velho mundo que o aprisionava (e seus velhos companheiros) para trás ou voltar à caverna e tentar explicar por que todos deveriam sair dali, correndo o risco de ser chamado de louco.

O mito da Matrix, enfim, já foi extensamente abordado pela filosofia e nada mais é do que a descrição de que existe um mundo e uma realidade que conhecemos e à qual fomos moldados desde o nosso nascimento, mas que é possível abandonar essa prisão psicológica a partir de um caminho individual, do autoconhecimento e da desconstrução daquilo que é conhecido como realidade para se libertar e viver de maneira mais livre e única.

Qual a mensagem que o filme Matrix quer passar

Quando Neo, o personagem protagonista de “Matrix” pergunta a Morpheus como é possível deixar a Matrix para trás, abandonar esse modo de viver, Morpheus diz a ele que esse é um caminho individual e que abandonar a Matrix é uma decisão que cabe a cada pessoa. E talvez seja essa a principal mensagem do filme Matrix: deixar para trás os conceitos que o mundo tenta fazer com que assimilemos com verdade desde que nascemos é uma tarefa que cada um deve fazer por si mesmo.

Nada mais é, falando de maneira simples, uma descrição do processo de autoconhecimento: tentar entender aquilo que é bom ou verdadeiro para si mesmo, em vez de aceitar o que o mundo prega e impõe e, a partir disso, compreender o caminho da felicidade e do autoconhecimento, tentando sempre melhorar como ser humano e encontrar jeitos de viver de maneira mais agradável, mais positiva e menos preso àquilo que o sistema, a vida, o mundo e a sociedade esperam de nós.

Keanu Reeves como Thomas Anderson na capa de divulgação do Matrix 4
Warner Bros / Divulgação

Além disso, Morpheus reforça essa característica da jornada do autoconhecimento como algo individual ao dizer que a Matrix já foi tão assimilada pelas pessoas e parece uma situação tão confortável que elas até mesmo se recusam a aceitar que esse é um mundo ilusório e que alguns indivíduos estão tão habituados a essa realidade ilusória que até mesmo defenderão esse sistema, caso ele seja ameaçado.

Um exemplo relativamente simples: a maior parte de nós trabalha 8h por dia. Uma noite de descanso de qualidade exige 8h de sono. Considerando que as obrigações do dia a dia, como tomar banho, alimentar-se e se deslocar para o trabalho tomem de nós outras 4h ou 5h, resta, em nosso dia, 3h ou 4h para que, extremamente cansados e esgotados, façamos o que quisermos. Estamos presos nesse sistema em que temos somente 15% do tempo da nossa vida para fazermos o que quisermos, enquanto dedicamos quase 35% dele a enriquecer alguém que ganha dinheiro por causa de nossa mão de obra. Estamos presos nisso que parece a realidade, mas ter somente 15% da vida para fazer o que quiser parece mesmo uma boa realidade? Fica aí a reflexão.

A Matrix e o mundo atual

Além do exemplo citado acima, há muitas outras exigências e condições impostas pelo sistema e que fazem com que vivamos uma realidade que apenas parece ser realidade, mas que, na verdade, é um simulacro, uma condição à qual estamos presos e que seguimos vivendo não porque achamos certo, mas porque a sociedade pede isso de nós.

Outro bom exemplo atual de Matrix é o uso de redes sociais. Verifique o número de horas que você investe em usar as redes sociais, como Instagram, Facebook e Twitter, e pense: esse tempo todo usando redes sociais faz mesmo bem a você ou você está usando as redes somente porque todo mundo está usando e te parece um escape fácil e simples da realidade?

Celular ligado apresentando várias redes sociais
Magnus Mueller / Pexels

Mais um exemplo de Matrix: você, que se formou ou está se formando em uma faculdade, está realmente preparado ou se preparando para fazer algo que ama? Você realmente gosta muito do seu trabalho ou daquilo com o qual quer trabalhar ou apenas está se formando porque é isso o que o mundo atual exige de quem deseja ter condições financeiras melhores para viver uma vida mais confortável?

A quantas séries da Netflix você assistiu porque realmente te pareceram interessantes e a quantas você assistiu somente porque todo mundo estava assistindo e você não queria ficar de fora?

A Matrix impõe a nós tantos estímulos externos que acabamos incorporando esses estímulos como se fossem vontades nossas, coisas que realmente queremos, então nos esquecemos de entender qual é a NOSSA realidade, o que é real para nós e nos faz realmente felizes.

Como sair da Matrix?

Assim como Morpheus explica para Neo, não existe resposta exata para essa pergunta. Sim, a Matrix nos aprisiona a todos, mas a saída dela é um processo individual de autoconhecimento. Ninguém pode dizer a você como sair da Matrix, porque você é quem precisa se entender, se desconstruir e compreender qual vida você deseja realmente viver, para que, dessa forma, deixe para trás as convenções do sistema, do mundo e da Matrix.

Você é quem define a sua jornada de autoconhecimento, mas você pode começar esse caminho analisando o seu dia a dia, as suas atividades e as suas relações e, então, perguntar: o que eu faço porque realmente gosto e amo e o que eu faço porque é o que o mundo e as outras pessoas esperam de mim? A partir disso, filtrar torna-se uma possibilidade.

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É claro que vivemos em um sistema capitalista, que exige que trabalhemos e tenhamos dinheiro para pagar nossas contas e sobreviver, então não entenda abandonar a Matrix como renunciar ao trabalho e viver uma vida alternativa no meio do mato — a não ser, é claro, que seja isso que você realmente deseja. Sair da Matrix não significa necessariamente abandonar o mundo e as obrigações do mundo real, mas fazer as pazes com elas e cuidar mais de si mesmo, aproveitando o seu tempo para fazer aquilo que você verdadeiramente ama fazer.

Mais do que um filme, “Matrix” apresenta conceitos e reflexões muito necessários para nós, mostrando que o cinema não é puro entretenimento, já que pode nos fazer repensar a vida e a maneira como vivemos a vida. E você, está consciente da Matrix e de como é possível sair dela?

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