Pare por alguns segundos e faça uma reflexão para responder à seguinte pergunta: o que faz com que você seja você? Profundo, né? Para encontrar uma resposta satisfatória, você provavelmente vai recorrer a adjetivos como sincero, corajoso, ansioso, amoroso, dentre tantos outros que podem ser usados para definir alguém de maneira genérica.
Mas nenhum desses adjetivos dariam conta de quem você é. Você é sincero, mas é sincero sempre? Isso é impossível, não? Você é corajoso em qualquer situação? É amoroso até mesmo quando está irritado? Podemos ver, portanto, que esses adjetivos, ainda que nos ajudem a definir uma pessoa, não dão conta da complexidade que é a personalidade de alguém. E é aí que entra a ipseidade!
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O que é ipseidade?
Em poucas palavras, ipseidade é o caráter individual e particular de alguém, algo que o distingue de todos os outros seres de sua espécie, ou seja, nem todo mundo que é sincero é igualmente sincero. Você é sincero à sua maneira, então tem uma sinceridade que nenhuma outra pessoa tem, algo que pertence unicamente a você e que faz com que você seja você.
E isso não diz respeito somente a adjetivos. Você tem um jeito de observar o que ama que é somente seu. Você tem um modo de reagir ao que te irrita que é somente seu. Você tem uma maneira de demonstrar amor que é somente sua. Essas são suas ipseidades, algo que é impossível de ser definido em palavras, justamente porque não há palavras que deem conta de explicar e definir as características tão diversas e tão complexas de um ser humano.
O que significa a palavra ipseidade?
A palavra ipseidade é uma adaptação de outra palavra, hecceidade. Esse conceito apareceu pela primeira vez atribuído ao filósofo grego Aristóteles e significa, aproximadamente “o que (ele) é”. Apesar de ter aparecido nos ensinamentos do filósofo grego, foi outro pensador o responsável pela definição que conhecemos hoje desse termo e também por sua popularização.
João Duns Escoto (frequentemente grafado como Scotus) viveu entre 1266 e 1308, na Escócia. Ele foi teólogo e filósofo e viveu por muitos anos em Paris, onde lecionou. Em seus estudos da obra aristotélica, ele se debruçou sobre o conceito da hecceidade e definiu os contornos do que hoje conhecemos como ipseidade.
Como surgiu a ipseidade?
No livro “Odinatio II”, Escoto escreveu o seguinte a respeito desse termo:
“Porque existe entre os seres algo indivisível em partes subjetivas — isto é, de tal forma que é formalmente incompatível ser dividido em várias partes […] Portanto o sentido das perguntas sobre este tópico [de individuação] é: O que há [por exemplo] nesta pedra, por que, como por uma fundação próxima é absolutamente incompatível com a pedra para que possa ser dividido em várias partes cada um dos quais é esta pedra, o tipo de divisão que é próprio de um todo universal dividido em suas partes subjetivas?”.
Sim, parece complicado, não? Então vamos simplificar. Segundo Escoto, a hecceidades/ipseidades são as qualidades, as propriedades e as características distintas que tornam uma coisa particular e única. Nenhuma pedra, por exemplo, é igual a outra. Nenhum cachorro é igual a outro. Nem mesmo uma folha de papel tem imperfeições idênticas às de outra folha.
Além disso, segundo o conceito de Escoto, se essa folha de papel for rasgada em duas partes, cada uma delas terá suas próprias ipseidades, então nenhuma essência pode ser compartilhada ou herdada, por exemplo.
Ipseidade e outros conceitos
Há outros conceitos na filosofia que falam sobre a essência e as características únicas de um ser. Portanto, cada uma à sua maneira, elas tentam explicar o que é a essência de algo ou alguém e de que maneira é possível que cada indivíduo, seja ele algo vivo ou não, possa ter características tão únicas.
Um desses conceitos é o da “quididade”, palavra derivada do latim “quidditas” e que significa “virtude essencial”, ou seja, uma característica sem a qual algo ou alguém não seria o que é.
Outro conceito semelhante é o de “número”, sugerido pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804), que usou a palavra para significar algo que existe em si mesmo, independentemente do conhecimento humano. É quase como se fosse impossível para nós, seres humanos, definir em palavras ou conceitos as características de algo ou alguém, porque estaríamos recorrendo a palavras e associações, por exemplo, algo que já subverte a lógica de que algo simples é, indiferente ao que pensamos e/ou definimos.
Outro termo sugerido por Aristóteles e, em seguida, explorado também por John Locke, é o hypokeimenon, que não tem equivalente em português, mas que é frequentemente descrito como “substrato de material”. Segundo Locke, o hypokeimenon é a essência, aquilo que se mantém imutável, ainda que algo esteja passando por mudanças.
Como podemos ver, muitos filósofos já se debruçaram sobre a questão da essência e do que faz com que cada ser humano seja único por si só, mas seria impossível chegar a uma resposta exata a respeito disso, porque, como sabemos, a filosofia não é uma ciência exata, mas uma ciência humana — e tudo o que é humano é também subjetivo. Então você pode ter sua opinião a respeito do que é a sua essência e a sua individualidade, se é que você acha que elas existem.
Como explorar a sua ipseidade
Segundo essa teoria, todos temos ipseidades, já que todos somos únicos. Descobrir, explorar e entender suas ipseidades é um processo individual e particular, que apenas você pode seguir e desvendar.
Antes de mais nada, o que você acha a respeito dessa questão? Você acha que temos uma essência, apesar de estarmos em constante mudança? Ou pensa que nossa essência muda conforme mudamos também? Sua resposta não estará certa nem errada, mas ajudará você a explorar as suas ipseidades.
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Processos de autoconhecimento são essenciais para que exploremos nossas ipseidades, então atividades como psicoterapia e até mesmo reflexões consigo mesmo são fundamentais para que você descubra suas características e o que existe em você que faz com que você seja você mesmo.
Apesar de todos esses conceitos filosóficos, não há maneira melhor de se descobrir e de explorar processos de autoconhecimento do que vivendo! Tente, ao máximo, ser você mesmo, entender o que te agrada e quais atividades ou pessoas podem fazer bem a você, então explore-as! O importante é que, seja lá quem você é, tente sempre estar perto do que lhe faz bem, mesmo que o que lhe faz bem também mude com frequência.
E aí, o que você acha do conceito de ipseidade? Você concorda com ele? Acredita que existe algum tipo de essência no ser humano que nos define como seres individuais ou acredita que todos somos semelhantes, mesmo que mais ou menos? Compartilhe os seus pensamentos e siga sempre o seu processo de autoconhecimento!
