Convivendo

Por que fazer listas?

Woman in nature writing in a notebook ** Note: Shallow depth of field
Escrito por Zil Camargo

Quando eu era adolescente gostava muito de duas coisas: fazer listas e escrever poesias.

Lista era um instrumento útil. Eu fazia a lista dos materiais para os trabalhos em grupo na escola, fazia a lista dos pares que dançariam na festa junina e ajudava na lista dos times que se inscreviam nos campeonatos.

Naquele tempo, início da década de 80, era comum as meninas terem cadernos de poesia nos quais escreviam as obras de seus autores favoritos e depois trocavam o material entre si, que sempre iam com uma lista para cada uma marcar a poesia que mais gostava.

Eu que sempre fui metida a besta, gostava de escrever poesias de minha autoria.

Não que desprezasse os autores consagrados, mas eu achava mais útil (para eles, sobretudo) ter os livros que eles mesmos publicavam do que copiar as poesias no meu caderno.

Dos meus autores preferidos, os mais amados eram aqueles que abusavam da licença poética, inventando palavras e dando novos significados para aquelas que eu já conhecia. Isso para mim era verdadeira poesia.

E eu tinha uma “LISTA DE POESIAS PARA RELER”.

No início da vida adulta, fiz:  “lista de coisas para comprar”, “listas de coisas que não devo repetir”, “listas de coisas para praticar”, e assim por diante.

Os registros sempre foram importantes para mim, porque escrever minhas listas era uma espécie de compromisso firmado comigo mesma.

Não pense que eu sou uma maníaca compulsiva por listas. Algumas vezes esqueço até a do mercado.

Eu relato minhas experiências com elas porque sou uma pessoa que precisa de disciplina e de um norte mais ou menos calculado para organizar minha vida.

Fico feliz que num certo ponto da vida as listas começaram a mudar sua configuração.

Quando meu filho começou a frequentar o jardim da infância, criamos uma “LISTA DE PALAVRAS GOSTOSAS DE DIZER”. Foi um período inesquecivelmente mágico. Ele se deliciava a cada descoberta e eu me divertia muito com isso.

Nossa lista era composta por palavras de fonética que, para nós, era agradável ou simplesmente suave e diferente.

A primeira era “libélula”, seguida de “gianduia” e “Emily, e por aí seguia. Valia nome próprio, substantivo comum ou verbo.

Toda vez que dizíamos uma palavra que nos soava feliz e agradável, ia logo para a lista e repetíamos várias vezes lentamente, afinal, eram palavras gostosas de dizer.

As listas ganharam uma função nova, agregadora e cheia de alegria.

Imagem de uma mulher escrevendo em um caderno, sentada no gramado
Lorryn Smit Photography de corelens/ Canva

Quando ele entrou em uma nova fase da infância, na qual as palavras mais agradáveis para ele tinham mais a ver com futebol e vídeo game, encerramos aquela lista para começar outras novas.

A palavra de encerramento foi “maternidade”.

Lembro-me disso e rememoro todas as fases que atravessamos até aqui, penso em todas as listas reais e imaginárias criadas ao longo desse aprendizado que é ver um filho crescer.

Penso em quantas palavras novas aprendi e o real significado de cada uma delas com uma profundidade que eu sequer era capaz de imaginar ser possível alcançar.

E penso nos ressignificados que tive que dar para muitas palavras que eu achava que conhecia.

Também fui mudando de fases, largando umas listas pessoais e começando outras. Deixei de escrever poesias com a mesma frequência. Passei a escrever redações, cartas, memorandos, atas e depois… crônicas.

Continuei lendo as poesias dos meus autores favoritos, aprendi a usar a licença poética. Nas palavras, nos discursos e na vida.

Eu fui uma mãe de primeira (e única) viagem. Uma marinheira só. As listas me serviram muito mais do que para disciplinar, organizar ou lembrar.

As listas registraram momentos, experiências, fases e me ajudaram num processo profundo de autoconhecimento.

Sobretudo me ensinaram a lidar com os compromissos que as próprias listas registravam com menos cobrança e mais flexibilidade. Foi um processo registrado de amadurecimento.

Recebi uma notícia que me inspirou a começar uma lista nova que certamente terão palavras inéditas para mim.

Será a “LISTA DE PALAVRAS GOSTOSAS DE SENTIR”.

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Na primeira palavra dessa lista usarei minha licença poética para a maternidade numa nova dimensão. E a lista começa assim: “vóternidade”.

Vou deixar um espaço bem grande para completar e vou preenchendo: “amor, amor, amor, amor, amor”.

E essa será uma lista maravilhosa, daquelas que a gente diz que é “para contar para os netos”.

Sobre o autor

Zil Camargo

Na diversidade de cada ser, é injusto com a vida, neste mar de experiência que ela concede, tentar nos definir assim, com meras palavras.

Mas dentro de mim mora alguém inspirada, sensível, às vezes curta ou grossa, ora dramática, ora objetiva.

Mãe, artesã, escritora amadora; consultora para ganhar a vida e interessada no comportamento humano.

Estudiosa de assuntos relacionados à psicanálise, filosofia e espiritualidade; uma aprendiz procurando desenvolver oportunidades em busca do bem viver.

Contato: zilcamargo@hotmail.com