Autoconhecimento Comportamento

Relembrar e viver

Mulher de costas andando em campo
Escrito por Regiane Rocha
O ser humano é complexo e multifacetado, tem inúmeras capacidades e habilidades, é tão diverso e abundante quanto a própria natureza do planeta, no entanto nos últimos séculos a conexão entre o homem e a natureza foi se deteriorando. Desde o século 15, a partir das grandes navegações o domínio de determinadas nações começou a configurar um modelo de sociedade baseado no controle e na exploração da natureza e dos povos “conquistados”.

Nossa conexão com a natureza foi se deteriorando a ponto de perdermos a referência de nós mesmos como seres naturais. Os avanços tecnológicos trouxeram inúmeros benefícios, mas nos afastaram dos costumes naturais, de nossa relação com o sono, alimentação, valores, modelos de aprendizagem, cuidados pessoais e tantos outros hábitos culturais que foram pouco a pouco se transformando. E a cada geração temos mais tecnologia e menos dessa conexão com a natureza.

O caminho de desconexão do ser humano com o planeta foi marcado por muitos flagelos, guerras, conflitos, desvalorização da vida em favor de acúmulo material, aumento exponencial da violência em todo o mundo, acentuação gradual das desigualdades sociais, degradação da fauna e flora em nível mundial, danos em muitos casos irreparáveis causados à Terra.

Trilho de trem no meio do mato

A busca pela compreensão de quem somos e qual nossa relação com este planeta foi respondida com a lógica do domínio. E enquanto espécie nos intitulamos os donos do planeta e passamos a organizar a sociedade a partir da exploração.

Quem somos e por que despertamos nossa consciência deixou de ser uma busca de todos e passou a ser uma questão destinada a algumas áreas da ciência ou da religião. E, no geral, a ideia predominante dos povos se destinou ao trabalho e acesso aos bens materiais.

Nessa caminhada muito se perdeu, o valor à vida, os recursos naturais, a memória ancestral e tantos outros prejuízos; é preciso relembrar e refazer o caminho de conexão com nossa natureza mais profunda para que as feridas de destruição que causamos de várias formas sejam curadas.

Mulher de costas com montanhas ao fundo

A cura nesse contexto não se remete ao sentido de curar doenças, tal qual a medicina tradicional nos apresenta no conceito moderno. Cura, quando se trata de reconexão com a natureza, simboliza desapegar da ideia moderna de supremacia humana. É um convite à descoberta de novas práticas de relacionamento com a vida a partir de uma matriz pacífica, baseada em cultura de paz.

A paz é um objetivo prático para que possamos manter um equilíbrio de subsistência da vida na Terra, e relembrar nossos elos afetivos e o que nos torna humanos talvez nos possibilite resgatar o que foi perdido de nossos saberes ancestrais e nos abra para a aprendizagem sobre nós mesmos, nosso universo interno que é tão ou mais misterioso do que o Universo que nos cerca.

O resgate da ancestralidade não diz respeito a negar ou invalidar o caminhar da humanidade até a atualidade; na verdade, o objetivo dessa retomada de saberes baseados em laços de pertencimento e afetividade busca contribuir com um novo olhar, já que colocamos as questões da humanidade em segundo plano em favor da produtividade mecânica, do trabalho no formato que nos foi condicionado nos modelos a partir da revolução industrial.

Silhueta de homem em cima de árvore e pôr-do-sol

Com o avançar das maravilhas que a tecnologia pôde nos trazer em relação às questões centrais de sobrevivência, como conforto, segurança, mobilidade, conexão, fomos nos esquecendo de que a tecnologia em si é apenas um conjunto de ferramentas para facilitar nosso contato com o outro.

Quando pensamos em adquirir bens materiais em geral também pensamos em com quem gostaríamos de compartilhar essas conquistas, no entanto para alcançar esses bens nós investimos tempo e força de trabalho, e muitas vezes em excesso, o que nos impede de usufruir do que conquistamos e também de estar o tempo que gostaríamos com quem amamos.

A demonstração de afeto foi se convertendo em entrega financeira representada de várias maneiras, desde um presente em datas comemorativas até a sustentação da relação baseada exclusivamente no aspecto financeiro. Claro que, nem de longe, a questão financeira é algo menor em nossa vida, pois o dinheiro é uma energia de abundância, mas não pode substituir o contato humano que nutre nossos potenciais mais profundos de amor e bem viver.

Mulher de costas caminhando em trilha

Restringir a vida humana à produtividade foi gradativamente gerando um modo de raciocinar a vida apenas pelo prisma da produção e do consumo, e a diversidade que nutre o desejo de viver foi desaparecendo gradualmente a ponto de a manutenção do emprego formal e o pagamento de contas se tornarem a finalidade da vida.

Essa finalidade da vida foi se limitando às exigências sociais, que na verdade representam apenas as necessidades de sobrevivência; nessa medida os sonhos se restringem a desejos passageiros e imediatistas, que nos orientam para uma leitura rasa e fútil da vida, que nos faz acumular frustrações de uma vida não vivida, como apresentamos no texto sobre a busca de si mesmo.

Enquanto fora de nós somos guiados socialmente pela crença da produtividade e do consumo, internamente vamos compondo um caminho neurológico compatível com os estímulos de fora; deste modo, se acreditamos que uma vida tem que ser produtiva, e se produtividade é validada a partir do trabalho formal para pagar contas, o que não se refere a essa premissa sofre uma desvalorização; então se divertir, relaxar, desfrutar de momentos de deleite e ócio se torna dispensável ou artigo de luxo.

Mulher de lado mexendo no cabelo

Nessa medida, vamos gradativamente invertendo a ordem das prioridades de nossa vida, o trabalho antecede as atividades de autocuidado, questões como sono de qualidade, alimentação equilibrada, atividades físicas, exercício de processamento emocional, momentos de reflexão e temas relacionados à qualidade de vida vão dando espaço para mais e mais produtividade, enquanto prometemos sinceramente que assim que algo esperado dê certo, começaremos essa ou aquela atividade.

Na contramão da aceleração da nossa vida cotidiana, vem a necessidade do nosso sistema biológico, que precisa de equilíbrio para se manter saudável, e as cargas de trabalho, cada vez mais longas e invasivas, vão impossibilitando os cuidados fundamentais com a saúde. Ao longo do tempo isso prejudica o desenvolvimento de nossa história de vida, que pode se tornar cada vez mais estressante e violenta em vez de fluída e amorosa, como deveria ser.

A sociedade moderna impõe para o indivíduo uma complexidade tão grande de tarefas e exigências no campo do agir a partir do pensamento produtivo, que o espaço para conviver e amadurecer enquanto pessoa fica cada vez mais raro e desvalorizado.

Árvores com sol reluzindo

Assim a vida vai se compondo a partir de experiências totalmente deslocadas da real função que temos aqui, que é entender de fato o que significa ser humano? Para que temos a capacidade de pensar? Certamente não foi para destruir nosso habitat e todo o ecossistema com crueldade e frieza, como vem ocorrendo nos últimos cinco séculos.

A conexão com nossa ancestralidade é uma forma de relembramos que talvez existam maneiras mais equilibradas de viver e conviver em harmonia entre nós, o planeta e com o ecossistema do qual fazemos parte. Essa reconciliação é urgente e essencial para que possamos desenvolver uma ecologia regenerativa e sustentável; esse compromisso não pode ser adiado. É preciso que reconheçamos nossa responsabilidade em orientar nossa capacidade de pensar para refletir e elaborar maneiras de preservar, conservar e conviver, porque como destruir nisso nós já estamos devidamente letrados.

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Fomos movidos por todo esse caminho social pelo medo da escassez, distorção dos valores subjetivos e busca por poder centralizado. Imagine o que seria possível se pudéssemos seguir movidos pela abundância que a natureza nos oferece, conectados com o despertar dos nossos sonhos e reconhecer que um poder incrível repousa em nós.

Toda a face do planeta foi alterada por causa de propostas e concordâncias diretas ou indiretas com as quais fomos nos acostumando e nos fortalecendo. Mas podemos mudar os rumos desta história. Se o medo nos conduziu até o momento de hoje, onde o amor poderia nos levar? Eu quero descobrir… E você?

Sobre o autor

Regiane Rocha

Regiane Rocha é inconformada, curiosa e buscadora por natureza, profunda admiradora da vida e convicta da sabedoria e beleza que habita no íntimo de cada ser. Entregue ao divino sagrado e a serviço da grande Shakti, iniciou sua busca na identificação da “incompetência” em se adaptar aos padrões sociais vigentes.

Começou a trilhar o caminho dos conhecimentos espirituais no estudo do paganismo celta e se dedicou a conhecer mais profundamente a mitologia celta, nórdica, africana e finalmente a indiana, na qual atualmente pesquisa tantra yoga, hatha yoga e vedanta.

Mãe do Enzo Uriel e parceira de vida do Thiago Rodrigues, se dedica a compreender em nível pessoal como honrar cada dia mais a manifestação da abundância que a natureza oferece na forma desses dois homens, que ensinam a cada dia a sacralidade feminina no núcleo familiar de maneira cotidiana pelo exercício do respeito, acolhimento, cuidado e apoio. Irmã, filha e eterna aprendiz das maravilhas que resultam da harmonia entre forças primais da vida.

É educadora de formação, pesquisadora por vocação, terapeuta, facilitadora de processos de despertar humano por meio de medicinas como reiki, PNL (programação neurolinguística), florais de Bach, yoga, vedanta e saberes literários, e se dedica à educação e à formação humana há mais de 20 anos.

Hoje está à frente de pesquisas em autoconhecimento e espiritualidade aplicados à prática do desenvolvimento humano, realizadas através de sua empresa: Espaço Autonomia.

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