“Chamamos de resiliência, mas muitas vezes é apenas sobrevivência disfarçada de virtude.”
Quantas vezes ouvimos que as mulheres são “fortes”, “guerreiras” ou “resilientes”, quando, na verdade, estão apenas carregando dores que jamais deveriam ser suas? Essa narrativa não é apenas cultural; é ancestral, atravessa gerações como sombras silenciosas que moldam o que significa ser mulher.
A dor celebrada como virtude
A sociedade sempre encontrou maneiras de glorificar o sofrimento feminino. A mãe que se anula pelo bem da família, a profissional que aceita abusos silenciosamente, a mulher que mantém relacionamentos tóxicos porque acredita que deve suportar — todos esses exemplos cotidianos são manifestações do mesmo mito: o mito da mulher resiliente, que transforma dor em virtude.
Esse mito tem raízes profundas que determinam o lugar da mulher na sociedade, com repercussões na sua saúde mental. Vemos em Clarissa Pinkola Estés que a Mulher Selvagem adormecida representa a psique feminina que reprime vitalidade, intuição e criatividade, permanecendo submissa ao sofrimento silencioso. Hoje, este mito se reflete na vida real, mantendo mulheres presas à ideia de que suportar o insuportável é sinal de força.
O inconsciente que repete
Muito desse sofrimento não é escolha. Padrões familiares, lealdades invisíveis e identificações com mães ou avós moldam comportamentos que se repetem silenciosa e constantemente.
Sofrer em silêncio parece nobre, mas alimenta fantasmas da linhagem. Cada “resiliência” pode ser apenas a reprodução inconsciente de dores que não são nossas, como a Cinderela carregando fardos invisíveis.
Lealdades invisíveis
O que chamamos de força muitas vezes é a manutenção da dor da linhagem. Mulheres carregam dores de mães e avós, acreditando que suportar é honrar. Essas lealdades silenciosas prendem a alma em ciclos de repetição. Libertar-se não é desonrar, é reconhecer o que não nos pertence e escolher outro caminho.
Arquétipos que despertam
Clarissa Pinkola Estés nos lembra da Mulher Selvagem: intuitiva, criativa, livre. Quando a cultura glorifica o sofrimento, ela permanece adormecida. A Sábia observa, esperando que a mulher desperte e transforme a dor em consciência.
Filmes como Lady Bird e Little Women oferecem lições concretas desse conflito entre lealdades, expectativas e desejo autêntico.
Em Lady Bird, Christine vive o conflito entre autonomia e expectativa familiar. Sua mãe representa cuidado, mas também contenção — a voz da linhagem, transmitindo padrões de sacrifício e sofrimento que Christine precisa reconhecer para não repetir. A psicanálise nos mostra que muitas vezes nos rebelamos ou nos conformamos sem perceber, reproduzindo inconscientemente lealdades familiares. Lady Bird nos ensina que a libertação feminina exige coragem: enfrentar vínculos, sentir a dor da separação e escolher o próprio caminho, mesmo que isso gere conflito ou culpa.
Em Little Women, Jo March encarna a Mulher Selvagem: criativa, independente, rebelde, em busca de significado fora dos papéis tradicionais. O confronto entre conformidade social e desejo autêntico mostra como muitas mulheres carregam a obrigação de se sacrificar em nome de expectativas familiares ou sociais. As escolhas de Jo moldam não apenas sua vida, mas também influenciam gerações futuras, abrindo caminhos de liberdade em vez de repetir padrões.
Esses filmes lembram que a verdadeira força feminina não está em suportar, mas em transformar — enfrentar lealdades invisíveis, integrar a dor e reconectar-se com a própria essência.
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Transformar, não suportar
E se, em vez de celebrarmos a resiliência diante do insuportável, começássemos a celebrar a coragem de romper padrões e criar nossas próprias histórias?
A força feminina verdadeira está em nomear dores, integrar sombras e transformar padrões. Em devolver à linhagem apenas o que nos fortalece, e não aquilo que nos aprisiona.
Para refletir
Em que momentos percebeu que a chamada “resiliência” era, na verdade, um aprisionamento? Já parou para pensar sobre isso? Compartilhe aqui, vou adorar conhecer sua história!
