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Lakay: um documentário sobre a imigração e adaptação dos haitianos em Santa Catarina

Escrito por Eu Sem Fronteiras

Quando se comenta sobre os haitianos no Brasil, ainda existe preconceito  com a chegada dos imigrantes no país. Eles enfrentam dificuldades e sua adaptação aqui nem sempre é fácil. Conversamos com Jéssica Frazão, produtora audiovisual e diretora do Lakay, documentário produzido sobre a imigração e adaptação dos haitianos especificamente na região de Santa Catarina (SC). Confira a entrevista:

Eu sem Fronteiras – Me fale um pouco de você, formação e onde mora:

Jéssica Frazão – Me chamo Jéssica Frazão, sou recém-formada em Produção Audiovisual e atual mestranda em Comunicação na Universidade Federal do Paraná (PPGCOM/UFPR). Moro em Blumenau, Santa Catarina. A região do Vale do Itajaí, onde Blumenau também está inserida, foi o local escolhido para documentar os haitianos. 

ESF – Como foi a ideia de fazer o documentário Lakay? Quando surgiu?

Jéssica Frazão – A ideia de fazer o documentário Lakay surgiu durante a minha graduação em audiovisual, porque eu teria que fazer um documentário ou um filme de ficção no TCC, e documentário sempre foi um gênero que me interessava muito. Abordar essa temática foi algo que via como necessário, porque eu percebia que os haitianos, na minha região, ainda não estavam totalmente inseridos em todos os espaços, e havia em mim a curiosidade de conhecê-los melhor e ouvir os seus pontos de vista. 

ESF – Do que se trata o documentário e em quanto tempo foi produzido?

Jéssica Frazão – Lakay tem o intuito de retratar aspectos da vida cotidiana e do processo de imigração e adaptação dos haitianos no Vale do Itajaí – SC, mostrando a necessidade de incluir essa comunidade no convívio social, diminuir preconceitos e ampliar a conscientização acerca do tema. Lakay foi produzido e pensado, desde a pré-produção até a pós-produção, de março a junho de 2016. 

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ESF – É o seu primeiro documentário? Qual o maior desafio encontrado até aqui?

Jéssica Frazão – Lakay é meu primeiro documentário. O maior desafio foi pensar de que maneira eu contaria essa história e como fazer para deixar meus entrevistados o mais à vontade possível diante da câmera. A minha maior referência são os documentários de Eduardo Coutinho, que rapidamente ganhava a confiança dos entrevistados, como se ele fosse um velho amigo. 

ESF – A questão da imigração dos haitianos é um tema que não acaba tendo relevância na mídia, e quando tem é de uma forma mais negativa. Como você enxerga isso? 

Jéssica Frazão – Acredito que a falta de informação seja um problema para falar sobre imigração haitiana. No início, trataram essa questão com numerosas manchetes dedicadas à entrada desses imigrantes pelo Norte. Depois, retratavam-os ressaltando a necessidade de conseguirem emprego e, consequentemente, como isto poderia ser uma ameaça aos brasileiros na disputa por essas vagas. Falavam dos brasileiros como um povo supostamente simpático e gentil com os que vêm de fora, o que cai por terra visto os casos de xenofobia e racismo pelo Brasil à fora.  Há preconceito, mas é mascarado. Esquecem-se de conhecer verdadeiramente os haitianos, suas reais necessidades, aspirações, vontades. Existe, por exemplo, muita qualificação vinda dos haitianos que estão no Brasil. O Webster Fever, meu entrevistado que mora em Blumenau – SC, fala fluentemente seis idiomas, é professor de inglês e alemão para brasileiros, faz graduação em Letras atualmente, e diversos cursos de menor duração ao mesmo tempo. Por esses e por outros motivos, devemos conhecer mais a fundo a comunidade haitiana. 

ESF – Que políticas públicas faltam para tornar a vinda dos haitianos em nosso país menos dolorosa a eles?

Jéssica Frazão – O Brasil vem auxiliando os haitianos com a concessão de visto humanitário ainda em Porto Príncipe, na embaixada brasileira. Mas falta, urgentemente, renovar o Estatuto do estrangeiro, criado durante a Ditadura Militar, para adequar o Brasil à nova realidade migratória. Também é necessário garantir direitos como o acesso igualitário e livre aos serviços e programas sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social, bem como reconhecimento acadêmico e profissional, entre outros.

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ESF – Muitos italianos e alemães vieram para o RS e SC para fazer suas vidas aqui. Eles acabam não vendo com bons olhos a chegada dos haitianos em nosso país. Essa é uma questão de cultura, claro, e uma grande barreira, não é mesmo?

Jéssica Frazão – Sim, mas no documentário eu mostro os diversos pontos de vista sobre esta questão. Alguns haitianos sentem-se, direta ou indiretamente, bem acolhidos pelos moradores locais, não passaram por muitas dificuldades, não sofreram preconceito e gostam de morar em Santa Catarina. Há também o outro lado que diz que sim, há xenofobia e racismo, moram na região por necessidade, pela tranquilidade, mas não pelo acolhimento dos catarinenses. O Brasil é um país de imigrantes, e os estados do RS e de SC são exemplos fortes disso. A barreira do preconceito precisa ser vencida diariamente, nas particularidades, nas generalizações, no cotidiano. 

ESF – O que aprendeu com o documentário?

Jéssica Frazão – O documentário me ensinou a pensar cuidadosamente sobre a questão da imigração, e sobre como contar uma história dentro do gênero documentário, porque a ética deve sempre ser a premissa número um para qualquer documentarista.  Também aprendi que empatia é fundamental para falar sobre um assunto complexo e que enfoque aspectos culturais, preconceito, direitos, pontos de vista, diferenças e semelhanças, e que a troca cultural é impulsionadora de coisas boas. 

ESF – Quando estará disponível para as pessoas assistirem e como elas podem fazer isso?

Jéssica Frazão – O documentário estará em breve participando de alguns festivais de cinema pelo Brasil. Por conta do fator ineditismo, não podemos, por enquanto, disponibilizá-lo via Youtube. Mas futuramente será disponibilizado. A última participação de Lakay foi na programação de cinema do VII Fórum Social Mundial das Migrações, realizado em São Paulo entre 7 e 10 de julho de 2016. O evento foi um espaço aberto, plural, e diversificado, que propôs ações concretas para melhorar e discutir as condições migratórias da atualidade. A intenção é justamente essa, inseri-lo em espaços como fundações e centros culturais, casas de migrantes, universidades, locais em que a possibilidade de troca é constante. Quem tiver alguma proposta nesse sentido, alguma dúvida ou sugestão inclusive, pode entrar em contato comigo pela página do Lakay. Me coloco à disposição.

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ESF – Deixe uma mensagem:

Jéssica Frazão – A mensagem que tenho para deixar é a de que se você, leitor, interessado por assuntos sobre imigração, deseja conhecer melhor os haitianos, ir além das informações que a mídia traz, busca uma aproximação dessa comunidade, quer ajudá-los, quer participar mais ativamente das atividades socioculturais da sua cidade e região, precisa apenas de vontade e empatia. Todo mundo que entende a posição de ser imigrante, de estar diante de uma nova cultura, algumas vezes diante de preconceitos, vai compreender e buscar esse acolhimento. Todos nós só temos a ganhar com isso. A troca cultural é incrivelmente enriquecedora.


  • Entrevista realizada por Angélica Weise da Equipe Eu Sem Fronteiras.

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