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O homem no espelho

O olhar de um homem está sendo refletido em um pedaço de espelho quebrado, o qual ele está segurando.
Bastian Riccardi / Pexels / Canva
Escrito por Luis Lemos

Você já se sentiu observado… por si mesmo? E se o reflexo no espelho não fosse só reflexo? Um domingo aparentemente comum revela algo inquietante, incômodo, talvez até verdadeiro demais. Quem é, afinal, o homem do espelho? Descubra agora no artigo completo!

Era domingo de manhã, 22 de junho de 2025. Acordei um pouco mais tarde naquele dia, fora do meu horário habitual, o que era raro. Sempre fui daqueles que acordam cedo, mesmo quando não é preciso. Meu corpo tem relógio próprio, e ele não reconhece domingos e feriados. Mas naquela manhã, algo em mim pediu uma pausa. Talvez o cansaço acumulado, talvez a ausência de compromissos, talvez apenas o silêncio da casa, que parecia conspirar a favor de mais alguns minutos na cama.

Sou professor, acostumado a acordar com o galo, mesmo que ele só cante no celular. Mas estava de recesso escolar. E recesso, sejamos honestos, é um pequeno período de descanso para o corpo e a mente, embora eu, por ser metódico e inquieto, raramente consiga aproveitá-lo de verdade.

Minha esposa estranhou aquele tempo a mais na cama. Entrou no quarto, puxou a cortina com força e soltou aquele aviso que mistura carinho com cobrança: — Vamos tomar café, amor! Tá todo mundo esperando.

Levantei-me ainda envolto pela névoa do sono, como quem caminha entre sonhos e obrigações. Fui direto ao closet, guiado mais pelo hábito do que pela consciência. Queria apenas dar um jeito no rosto, aparar a barba, fingir para o espelho que eu era um homem minimamente pronto para o domingo em família. Mas foi ali, naquele gesto banal e repetido, que algo inesperado aconteceu.

Ao abrir a porta do armário e procurar o aparelho de barbear, vi um homem no espelho. Ele estava ali, parado, com a barba por fazer, igualzinho a mim. Mesmo olhar de sono, mesma cara de quem dormiu muito e acordou mal. Pensei, como qualquer pessoa normal: “Sou eu”. Mas havia algo diferente, destoante, errado naquele homem do espelho.

Um homem que usa óculos e tem barba se olha no espelho e encara o seu reflexo.
Perfectwave / Canva

Fiquei olhando fixamente por um longo tempo àquela imagem que refletia no espelho. Fiz um gesto com a sobrancelha, ajeitei o cabelo, estiquei o pescoço. Ele fez igualzinho. Mas com um pequeno atraso. Não era simultâneo. Era como se ele estivesse me imitando. Ou testando meus gestos.

Novamente, inclinei o rosto. Ele também inclinou. Mas aquele olhar. Ah, aquele olhar era diferente. Eu estava curioso; ele, irritado. Eu tentava entender o que via; ele parecia cansado e me olhava com desprezo.
Foi aí que pensei com os meus próprios botões uma frase que jamais imaginei dizer sobre mim: “Se esse aí sou eu, eu sou muito chato”.

Pensei isso porque o outro não sorria, porque tinha uma expressão fechada, quase amargurada. E, o mais inquietante, um certo desprezo silencioso no canto da boca. Foi quando a minha esposa voltou. — O que tá acontecendo aí? — Você está vendo esse homem aqui? — perguntei, apontando para o espelho.

Ela se aproximou, olhou-me nos olhos, deu-me um selinho e respondeu-me com aquele tom que mistura ironia e ternura:

— Claro amor! Estou vendo um homem maravilhoso, um bom marido, um bom pai, um excelente professor, amado e querido por seus alunos, mas que está um pouco preguiçoso hoje. — Não, não. Esse aqui. — insisti, ainda apontando para o espelho. Ela suspirou e sorriu: — Sim, esse mesmo. Agora, anda logo. O café tá esfriando. Vamos!!!

Ela saiu. Mas o homem ficou. E agora, o olhar dele era diferente. Não era mais de tédio. Era de pena. Sim, ele me olhava como quem sente pena.

Eu virei de costas, meio sem graça. Mas, antes de sair, ele me disse baixinho, como um eco vindo do espelho: — Ela não está falando de você, seu babaca!

Fechei a porta do banheiro. Tranquei. E, pela primeira vez em anos, tomei banho de olhos fechados. Não para relaxar, mas porque, sinceramente, eu não queria mais ver quem me via.

Sobre o autor

Luis Lemos

É professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar A filosofia em contos amazônicos" (2011), “O homem religioso A jornada do ser humano em busca de Deus” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas Histórias do universo amazônico” (2019), “Filhos da quarentena” (2021) e “Amores que transformam” (2024).

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