Convivendo

O primeiro amor a gente nunca esquece

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Escrito por Elô Ribeiro

Porque, independente da idade que vivenciamos, somos inexperientes e é sempre desesperador. Temos sintomas inexplicáveis: os suspiros constantes, a febre de 40, o falar descontrolado, as pernas que parecem se equilibrar num terremoto indefinido, o estômago que revira como se estivesse num vaivém de uma montanha-russa, os fogos de artifício que explodem dentro do peito a cada olhar correspondido…

E, não importa quanto tempo passe, será memorável cada detalhe: o tocar de mãos, a voz de timbre único, o perfume particular que com um tempo deixa de ser frequente… O cheiro de lavanda para mim até hoje é inevitável…

E os amigos em comum? Os confidentes? Ah! Esses mereciam uma espécie de altar, são uns verdadeiros santos! Te escutam sucessivamente e o tema principal é sempre aquela pessoa, eles são praticamente obrigados a repetir como e onde foi, o que o ser amado estava vestindo, o que ele fazia ou deixou de fazer etc.

Nossa! Essas amizades são de ouro e nem sempre as valorizamos, estamos tão no mundo da lua e somos tão egocêntricos, que nem nos damos conta de como somos insuportáveis. E, quando somos desmascarados por esses amigos que não sabem guardar segredo, nos sentimos traídos por algo que é tão visível a olho nu.

Ser amigo de uma pessoa apaixonada não é tarefa para qualquer um e mais ainda quando essa criatura não quer admitir tamanho sentimento. A missão cupido, então, fica quase impossível.

E quando você descobre o amor ainda muito menina esses sintomas se triplicam… É muito piegas quando me recordo dos meus tempos de escola. Eu o conheci num outono, ele mesmo apresentou-se sem muitas cerimônias: “Oi, sou Fulano e estou aqui, muito prazer! Qual é o seu nome?”

É engraçado quando me recordo desse momento constrangedor, estava tão distraída que não me dei conta de sua presença e em segundos ele conseguiu arrancar de mim uma súbita gargalhada que provocou um ataque de risos nele também. Eu era novata e no primeiro dia de aula havia tanta gente que ficava impossível conhecer a todos, mas ele não precisou de artifícios para chegar até mim.

De imediato, ficamos grandes amigos e com ele aprendi coisas simples como querer cozinhar um “purê de batata” (como se fosse um prato gourmet) a dançar ainda que desengonçadamente, a saber ver as horas num mero relógio de ponteiro, a ganhar no “Atari” com os “macetes“, a ser astuta nos jogos físicos, já que não era muito esportiva, e até mesmo a ganhar nos jogos de braço, o qual estou segura de que ele me deixava ganhar.

E, como toda a história de amor, existem os obstáculos. O nosso era a minha timidez e uma amiga em comum que gostava muito dele e que creio que nem ele sabia ou fingia não saber. Aliás, ele sabia muito bem como agir com as outras meninas, mas comigo não! Não lhe dava esse direito. “Metida! Volta aqui, estou falando com você, o gato comeu a sua língua?”, falava irritado e sarcasticamente quando não o respondia e o deixava falando sozinho.

Admito, não me declarei e nem permitia que ele se declarasse, éramos como água e óleo. Eu sabia enxergar as nossas diferenças, não era tão cega. E não entendia por que, com tantas meninas nas escola, ele queria estar comigo. Que se contentasse com a nossa amizade, não queria estragá-la por algo que considerava um capricho bobo dele.

Como diria o matemático Blaise Pascal:

“O coração tem razões que a própria razão desconhece.”

E, por mais que ele desse inúmeros sinais de que não queria ser só um amigo, contentava-me em vê-lo montar a cavalo, me divertia quando o deixava bravo, era impressionante o quanto ele ficava tão lindo irritado.

Admirava o seu bom senso de humor e até os elogios tão clichês que saíam minuciosamente de sua boca: “Você está linda”, “Eu adoro os seus cabelos”…

Eu me via tão linda naqueles olhos castanhos, o meu sorriso se refletia naquele olhar iluminado, isso quando raramente eu resolvia encará-lo.

Não era assédio, mas preferi me afastar dele, qualquer pretexto era válido para não o ter por perto, inclusive apoiar que ele ficasse com essa amiga. Ignorá-lo, por exemplo, durante o recreio, estando debaixo de uma árvore lendo alguma coisa a ter que conversar com ele e qualquer aproximação era uma desculpa para me esquivar, estava tão assustada com aquilo tudo que não queria mesmo me envolver.

E era devastador a forma avassaladora que ele se fazia presente. Morávamos na mesma cidadezinha e onde quer que eu fosse nos cruzávamos, nunca soube se era uma mera coincidência ou se ele fazia questão que eu o visse. Por causa disso, fui alvo de outras meninas, que tentaram cortar o meu cabelo, me insultar sem causa alguma, além do olhar acusador dele depois que o deixei esperando plantado numa festa. Sentia-me tão sufocada que algumas vezes não queria ir à escola.

Não sei se foi medo, falta de autoestima ou porque me preocupava demais com o que os outros falariam, mas naquele dia não fui ao encontro dele.

E fomos nos distanciando cada vez mais até que um dia ele já não estava mais ali, não houve sequer despedidas, apenas compreendi que nunca mais nos veríamos…

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Depois de alguns anos, até fantasiei muito os fatos, me frustrei, mas depois ao reencontrá-lo cheguei à conclusão de que “não era para ser”, não estava em nosso destino. Mas ele soube de tudo e acho que foi um alivio para mim. Na verdade, foi bem divertido. Foi recíproca certa empatia de saber que depois de tantos anos estávamos felizes com as nossas escolhas.

Graças ao que aconteceu conosco, nos tornamos o que somos hoje: pessoas fortes, bem-sucedidas, que souberam lidar muito bem com as alegrias e os fracassos ao longo da jornada até encontrarmos o amor maduro na fase adulta.

Que quero dizer, caro leitor, é que os erros cometidos no primeiro amor nos preparam para a vida.

Eu confesso, aprendi a arriscar mais depois disso.

Saiba que não existe uma fórmula do amor, o romance dos sonhos é possível não importa a idade, ninguém te garante que vai durar nove semanas e meia ou por toda a eternidade, não há garantias nem data de validade estabelecida.

E você só poderá saber caso se permita.

Sobre o autor

Elô Ribeiro

Licenciada em letras, especializada em língua espanhola, leciona desde 2004 para jovens, adolescentes e adultos.

Carioca, mora há oito anos na Argentina e trabalha como docente universitária na disciplina de língua portuguesa para estudantes hispano-falantes.

Amante da literatura, adora literatura latino-americana e gosta de escrever em seu tempo livre. Ama viajar e compartilhar experiências sobre culturas distintas e tudo que esteja relacionado ao universo feminino.

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