Convivendo Sustentabilidade

Pandemia: um convite à sustentabilidade!

Mulher com as mãos ocupadas por terra e planta.
Sasi Ponchaisang / 123RF
Escrito por Erika T. Ferreira

Se existe uma palavra que pode definir o ano de 2020 até agora em nível mundial, esta palavra é pandemia! De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ocorre quando “a disseminação mundial de uma nova doença infecciosa se espalha por diferentes continentes de forma muito rápida e descontrolada”.

Já vivenciamos outras pandemias, como, por exemplo, a “gripe suína” em 2009 causada pelo vírus H1N1, na qual faleceram mais de 300 mil pessoas em todo mundo, e durou aproximadamente 1 ano até a OMS decretar o final do surto. Mas a pandemia atual (COVID-19) causada por um vírus da família do coronavírus (SARS-CoV-2), a qual estudos mostram ter iniciado em dezembro de 2019 em Wuhan, na China, tomou proporções nunca vividas na sociedade contemporânea e rapidamente tornou-se um problema de saúde pública mundial.

Você sabia que existe um documentário da Netflix, “Explicando”, lançado em novembro de 2019 (um mês antes do primeiro caso na China de coronavírus), onde na segunda temporada o episódio intitulado “a próxima pandemia”, cientistas disseram que uma nova pandemia era iminente, estava para acontecer a qualquer momento!? Com a participação de Bill Gates, o qual disse: “A próxima pandemia pode ser de um vírus para o qual não estamos preparados (…) A economia vai quebrar. O custo para a humanidade será inacreditável e nenhum país estará imune ao problema que será criado”. Disseram ainda que poderia muito provavelmente vir da China! Muitas pessoas ficaram perplexas com o documentário, dizendo que parecia uma previsão apocalíptica! Mas, na verdade, é apenas falta de informação da população em geral sobre as questões de como o planeta tem sido negligenciado! Estudos matemáticos relacionando comportamentos socioeconômicos e o atual nível de desequilíbrio ambiental já apontavam para isso. Um sistema que não é equilibrado leva o mundo para o caminho das pandemias! Então não era tão surpresa assim, não é mesmo!? O documentário fala justamente das formas de consumo desenfreado e desrespeito com a vida selvagem e as consequências catastróficas que podem ocorrer! A questão, a meu ver, é a falta de consciência global para querer ou não enxergar que estamos todos integrados e que não existe plano B! Há décadas estudos e modelos nos mostram a urgência em tomar outro rumo pensando de uma forma menos nociva e exploratória dos recursos naturais. O conceito de “desenvolvimento sustentável” surgiu em 1987! Há mais de 30 anos! E infelizmente, exceto em comunidades locais (povos da Terra) e algumas ações pontuais (locais) ao redor do mundo há sucesso. Em geral, continua apenas como conceito desconectado da prática e realidade.

Muda de planta sobre mão infantil.
Akil Mazumder / Pexels

Por que associar pandemia e sustentabilidade?

Em tempos de pandemia e isolamento podemos perceber de forma mais concreta como estamos conectados. Vemos como “montamos” nosso sistema global e como é vulnerável.

Existem vários sistemas em desequilíbrio, mas há um consenso de que as pandemias estão diretamente correlacionadas com mudanças climáticas, diminuição da biodiversidade e desertificação por queimadas e expansão da agropecuária. Um importante responsável pelo aquecimento global é a produção agropecuária, mas há um grande “lobby” para que isso não seja discutido. O sistema de produção gera emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global na produção (flatulência dos animais), sem contar com o altíssimo consumo de grãos e água para manter todo o sistema! Nos Estados Unidos, aproximadamente 70% dos antibióticos consumidos anualmente são para manter a produção animal sadia, devido ao sistema de confinamento de produção em larga escala de carnes. Esse tema vale a pena ser estudado, para que você, leitor, tenha conhecimento da magnitude dos impactos da agropecuária! Outra questão é que, quando diminuímos as áreas verdes, os limites entre as cidades e florestas ficam muito próximos, isso possibilita um grande potencial de contato com vírus e doenças silvestres para os quais nosso sistema imunológico não tem defesas, aumentando a probabilidade das pandemias, como muitos estudos apontam que foi o caso da COVID-19.

Muitos “condenam” a China por ser responsável pela pandemia! Um país emergente, que tem uma população de mais de 1 bilhão e uma grande parte desta mão de obra é recrutada para trabalhar em condições precárias; utilizando obviamente esse eufemismo de condições precárias para o que sabemos que em muitos casos chega a ser trabalho escravo e muito trabalho infantil! Mas, antes da pandemia, isso não era “problema do Ocidente”, não é verdade!? No começo da pandemia no Brasil, em uma das coletivas do então Ministro da Saúde Henrique Mandetta, ele questionou de forma muito inconformada, como poderiam praticamente todos os respiradores do mundo serem produzidos na China? Nós sabemos o porquê! A resposta é simples! Mão de obra barata e menor rigor na legislação e/ou fiscalização ambiental sobre descarte de resíduos. Ex: a fábrica da 3M é de origem dos Estados Unidos, mas mudou toda sua produção para a Ásia! Por quê? Essa é a questão!

Nesse momento difícil que enfrentamos em nível mundial, podemos refletir sobre a frase “não existe fora” do planeta! Pois quando os sistemas humanos (em todas as suas dimensões) e ecológicos não estão equilibrados, “pagamos a conta” socioeconômica e ambiental como ocorre neste exato momento!!

Por isso a pandemia é um lindo convite para nós seres humanos repensarmos todas nossas ações!! Repensarmos o que é “ser humano” dentro de um contexto pós-mundo contemporâneo e qual legado queremos deixar! Em qual mundo queremos viver!?

O que é ser “sustentável”?

Sustentabilidade está em alta! Está na moda! Mas o que realmente significa!? Na verdade, o mais importante é entender que não é um conceito, mas sim uma mudança de mentalidade, de paradigma que segundo o sociólogo ambiental Enrique Leff, precisamos ressignificar nossa relação de ser humano e a forma como nos apropriamos da natureza! Atualmente, o modelo operante nos leva a acreditar que os recursos são ilimitados e que não estamos integrados! Mas a pandemia é um grande despertador para entendermos que está na hora de “recalcular nossa rota” como humanidade! Mas para que a mudança ocorra “fora” é necessária uma mudança “dentro”! Isso vale para todos os níveis de nossa vida (relacional, profissional, pessoal etc.). Às vezes a gente ganha, e às vezes a gente “aprende”. O que precisamos aprender nessa nova realidade!?

Representação do globo terrestre com uma máscara.
Anna Shvets / Pexels

Abaixo, segue breve relato histórico sobre o termo sustentabilidade:

HISTÓRICO SOBRE SUSTENTABILIDADE

1972 -1ª conferência (ONU) em Estocolmo onde se discutiu sobre as questões ambientais em nível mundial.

1987 – Nessa reunião, em Brundtland, foi gerado o documento “Nosso Futuro Comum”, onde definiram “desenvolvimento sustentável” como capaz de suprir as necessidades atuais, sem comprometer as futuras gerações.

1992 – Rio 92, principais documentos: Agenda 21, Convenção sobre Mudanças Climáticas, convenção sobre diversidade biológica etc.

1997 – Protocolo de Kyoto: Combate ao Aquecimento Global, Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), Mercado de Carbono etc.

2012 – Rio + 20: desenvolvimento sustentável.

2015 – Nova York: lançamento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (17 ODS)

Vemos que em termos de documentos, estamos há quase 50 anos discutindo mundialmente (desde 1972 a 1ª Conferência da ONU) temas muito importantes e que a produção de conhecimento científico e debates políticos sobre soluções planetárias estão bem avançados. Infelizmente, o que percebemos é que existe uma grande lacuna entre o saber e a prática! O que leva há um “gap” tão gigantesco?! Provavelmente, uma das explicações é a necessidade de mudança de mentalidade! Mudança de como “perceber” o mundo e as inter-relações entre homem/homem e homem/natureza. O filósofo Zigmunt Bauman publicou diversos livros falando sobre como moldamos nossos pensamentos a partir do desenvolvimento do capitalismo e como se dá nosso padrão de consumo desenfreado e como “levamos” essa fugacidade para formação da própria “visão de mundo” e em nossos relacionamentos em geral, transformando-nos, segundo o autor, em “sociedade líquida”, “amor líquido”, onde tudo se esgota rapidamente e não tem solidez!

Mudar a mentalidade é a única opção!

Por que é tão crucial a mudança de padrão para uma postura mais sustentável? Enquanto não chega no nosso “quintal” não é nosso problema, não é mesmo!? É assim que a maioria de nós agimos! Os oceanos gritam há tempos! Os incêndios na Austrália há alguns meses nos mostraram claramente os desequilíbrios planetários, mas o que isso afetou minha vida!? superficialmente não afetou nada! Apenas superficialmente! Por isso a pandemia é um lindo convite à reflexão, para cada um despertar sua própria consciência de que os problemas sobre desmatamento, desertificação, diminuição da biodiversidade e aceleração do aquecimento global são problemas nossos sim! Mais cedo ou mais tarde vai chegar no seu ‘jardim”!

Como fazer diferença no dia a dia?

É necessária uma mudança de mentalidade para o consumo. A ordem hierárquica de prioridades do conceito dos 5Rs é reduzir o consumo! Existe uma concepção errônea de que se é “reciclável”, não tem problema o consumo exagerado (Ex: garrafas PET). Citando os plásticos em geral, existe um documentário da Netflix chamado “Oceano de Plástico” muito bom sobre a magnitude dos problemas ambientais, econômicos e sociais causados nos oceanos. Não vamos acabar com o plástico, mas existe um consumo desenfreado, e podemos pensar em novos materiais biodegradáveis e na não geração de plástico!

Vamos fazer a diferença? Nossas avós, em sua sabedoria, eram megassustentáveis (tinham canteiros de temperos, colocavam a casca de ovos e borra de café nas plantas, reutilizavam potes de vidros, faziam sabão com óleo de cozinha etc). Sustentabilidade é isso! Sabedoria e simplicidade!

Sacola aberta com itens vazios e recicláveis em seu interior.
Polina Tankilevitch / Pexels

Abaixo segue uma lista de dicas baseadas no livro “101 dias mais sustentáveis”, do professor Marcus Nakagawa, que nos mostra que ser sustentável é algo simples e possível!

  • Você pensa na origem do produto que você compra? Analisa se a empresa tem princípios éticos sociais e ambientais? Às vezes um produto similar mais barato é mais barato justamente porque não levou em conta essas questões no seu processo. Nós, consumidores, temos o poder em nossas mãos no momento da compra de sinalizar nas preferências embasadas na ética ou apenas no valor. Pense nisso!
  • Comprar produtos locais ajuda muito, principalmente nesse momento, a manter o sustento financeiro o produtor vizinho “vivo” no mercado. Do ponto de vista ambiental, consumo local contribui muito para diminuir a “pegada ecológica”, porque reduz a poluição com transporte do produto, provavelmente terá menos resíduos (embalagens) etc.
  • Aproveite a oportunidade de estar mais tempo em casa nesse período e observe a quantidade de resíduos gerados. Você sabia que mais de 50% dos resíduos são de origem orgânica (restos de alimentos)? Então primeiramente tente reduzir o desperdício, reutilizando cascas e talos de frutas e verduras. E segundo, te convido a fazer uma composteira doméstica. Eu tenho uma composteira de 45 litros (3 caixas de 15 L) dentro do meu apartamento de 70 metros quadrados e é super possível. Não gera nenhum odor como a maioria tem medo. O segredo é cobrir bem os resíduos com matéria seca. Com esta ação você reduz quase pela metade o seu resíduo doméstico enviado para aterro sanitário. Isso é um mega-ação de impacto sustentável!
  • Se você mora em bairros que não têm coleta seletiva, que tal reunir alguns vizinhos que se comprometam com a coleta seletiva e fazer parceria com alguma cooperativa de materiais recicláveis para a retirada do material?! Existem vários aplicativos que indicam as cooperativas mais próximas em São Paulo.
  • No seu condomínio tem coleta de óleo de cozinha? Se não, engaje alguns vizinhos para essa ação e entre em contato com uma cooperativa para a coleta, pois seu descarte na pia é uma fonte de poluição enorme.
  • Use sacolas retornáveis ao ir aos supermercados, leve uma garrafinha de água quando sair de casa para não utilizar descartáveis etc.
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Resumindo, repense e ressignifique seus hábitos. Faça de forma consciente e não automática!

Gosto muito deste pensamento: “Toda crise possui 3 elementos: um prazo de validade, uma solução e uma lição para sua vida” (Alex Nascimento). Vamos juntos nessa nova e desafiadora jornada!? 😉

Sobre o autor

Erika T. Ferreira

Se definir é um autodesafio e tanto! ;)

A Erika por essência ama liberdade e viajar ao estilo “mochileira”. Tem como itens mais importantes da vida filhos gêmeos (Davi e Murilo), família, amigos e acima de tudo Deus Criador!

Sou gestora ambiental formada pela Esalq/USP e mestre em ciência ambiental pela Faculdade de Saúde Pública/USP. Trabalhei na gestão de resíduos em indústria alimentícia e também em consultoria ambiental. Atualmente, sou colunista da plataforma Quero Evoluir e colaboradora em projetos socioambientais com o objetivo de unir profissão e propósito de vida, em que o alvo é sempre o amor, e desfrutar o caminho com respeito e generosidade.

Interesses: sustentabilidade, autoconhecimento, espiritualidade, maternidade, economia circular, permacultura etc.

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