Autoconhecimento

Por quê?

Mulher segurando placa com a palavra "Por Que" escrita
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Esta pergunta acompanha a história da humanidade desde que os seres humanos adquiriram a capacidade de pensar e raciocinar, o que lhes permitiu compreender e explicar a realidade, produzir linguagem, projetar instrumentos e meios para dominar a natureza, estabelecer formas de organização social e sistemas de comunicação.
Ao formularem essa pergunta, os homens descobriram, por exemplo, o fogo — e passaram a cozinhar os alimentos, a energia elétrica — que possibilitou a invenção dos geradores elétricos e da lâmpada, a lei da gravitação universal — que permitiu a compreensão da mecânica do cosmos e a conquista do espaço, a teoria da relatividade — que mudou os conceitos de tempo e do espaço, e as causas das doenças infecciosas — o que tornou possível a criação da vacina.

A denominada “fase dos porquês” identifica, na vida de cada pessoa, o início do desenvolvimento pessoal, cognitivo e emocional. Ela representa um desafio aos educadores, sejam eles pais ou professores. Os porquês brotam naturalmente da curiosidade infantil e requerem muita atenção de nossa parte. A escola e a comunidade escolar não podem ignorá-los, subestimá-los ou sufocá-los. Fazem parte da busca do conhecimento de um modo geral e do significado da vida humana.

Há alguns anos, meu neto, que então tinha 9 anos de idade, me perguntou: “Vovó, por que as pessoas morrem?”. Eu fugi da resposta com uma outra pergunta: “Por que você quer saber sobre isso?”. Ele me respondeu: “Porque eu preciso saber o que faço da vida”. Ainda muito surpresa com as palavras do meu neto, respondi: “Meu amor, não se preocupe com isso, você tem muita vida pela frente”. Hoje, reconheço que agi errado. Não deveria ter ignorado a pergunta de meu neto, principalmente considerando que ela tem um significado essencial para a pessoa humana.

Cartas pequenas com pontos de interrogação
Brian A Jackson / Shutterstock.com

Ao ignorarmos as perguntas que as crianças e os jovens nos fazem, estamos interferindo de forma negativa na educação dele, porque contribuímos para a sua alienação, negando-lhes uma oportunidade de refletirem sobre questões reais, que dizem respeito ao significado de suas vidas, no contexto social no qual vivem. Por isso, o porquê é essencial à condição humana. Enquanto crianças, adolescentes, jovens e adultos, não poderemos deixar de pensar. Com certeza, as reflexões que surgirão dos porquês formulados em cada etapa de nossa existência terão características diferentes e promoverão respostas diferenciadas. As reflexões e as respostas poderão ser até mesmo contraditórias, porque são condicionadas por nosso nível de esclarecimento. Além disso, o processo de conhecimento da realidade é complexo, pois a própria realidade é complexa.

Por mais que nossos porquês nos tragam dúvidas e angústias, por mais que nossas respostas signifiquem equívocos, erros e fracassos, jamais poderemos abrir mão do exercício de pensar.

Assim sendo, meu caro leitor, é indispensável que cultivemos os porquês. Eis algumas razões que considero mais importantes:

  • As interrogações que buscam o significado e o sentido de algo que nos ocorre estimulam a autorreflexão, que nos capacita a pensar e agir de forma autônoma, seja no campo da busca do conhecimento cognitivo ou da conduta moral e política. Ou seja, enquanto pessoas reflexivas, não outorgaremos a pessoa alguma o direito de pensar, decidir e agir por nós.
  • Sem o exercício da reflexão, não conseguiremos, em meio às turbulências e aos conflitos que atingem a sociedade contemporânea, encontrar as razões que nos mobilizam a buscar as alternativas mais adequadas para a superação das crises que vivenciamos. Como pessoas humanas e cidadãos, precisamos contribuir, individual e coletivamente, para a solução dos graves problemas que assolam nosso país e a humanidade, mas temos que fazê-lo com o conhecimento das causas ou razões que nos motivam. Um indivíduo que busca os porquês e reflete sobre eles não se mobiliza sem as razões que o convocam a agir. Procura refletir sobre sua vida pessoal, analisa suas motivações e sempre está revisando e refazendo seus percursos. O mesmo podemos afirmar para a ação coletiva: devemos nos engajar nos mais diferentes movimentos sociais, mas não somos bois de manada que correm sem saber para onde vão. A mobilização social requer a convergência de ações de natureza intelectual, ética e política na busca de um sentido comum.
  • Uma última razão, tão importante quanto as demais, diz respeito aos métodos e resultados do processo de conhecimento humano. É necessário desconstruir a nossa forma de pensar, depurando-a das ideologias, dos dogmatismos e do sectarismo que nos tornam intransigentes e intolerantes e, consequentemente, nos impedem de elaborar uma visão de mundo mais ampla, aberta, flexível e interdisciplinar. É fundamental, ainda, que o nosso pensamento dialogue com atualidade, de forma criteriosa. Ou seja, por um lado, ele deve estar imerso na realidade, isto é, não podemos adotar paradigmas obsoletos, que não deem conta da complexidade do mundo de hoje. Por outro lado, o nosso pensar deve emergir da realidade, isto é, manter a distância necessária a uma análise crítica dos fatos e acontecimentos. Além de tudo isso, precisamos criar formas de pensamento mais criativas, que deem conta não apenas dos elementos cognitivos, mas também daqueles aspectos relacionados à sensibilidade, à emotividade e à afetividade, que nos motivam a agir.

As razões acima mencionadas são desafios que se apresentam no caminho do nosso processo de humanização. Algumas pessoas preferem ignorá-las porque optam pelo conformismo ou ceticismo, não acreditam que a força do pensamento possa promover transformações significativas no mundo. No entanto, a história da humanidade prova que isso é possível. Apesar dos obstáculos, das incompreensões e dos retrocessos, chegamos até aqui e tomamos consciência de que ainda há muito o que fazer. Essa consciência nasceu do sentimento de esperança que nos acompanha e mobiliza a nossa vontade.

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Boaventura de Sousa Santos, eminente sociólogo português, afirma: “Nós somos feitos de duas correntes, a corrente fria e a corrente quente. A corrente fria é a corrente do conhecimento dos obstáculos, das condições da transformação. A corrente quente são as possibilidades da vontade, de agir, de transformar, de vencer os obstáculos. A corrente fria impede-nos de sermos enganados; conhecendo as condições, nós não somos enganados. A corrente quente impede-nos de nos desiludirmos facilmente; a vontade do desafio sustenta o desafio da vontade.” (in: Revista Lua Nova, número 54/2001, publicação do Centro de Estudos da Cultura Contem

Sobre o autor

Conceição Castelo Branco

Sou formada em filosofia e pedagogia. Na verdade, sou uma eterna aprendiz que, aprendendo, também ensina. Sou uma educadora em construção. Nesse processo, descobri meus talentos. Ensinar e aprender foi um deles. Trabalhei com crianças como professora alfabetizadora. Tarefa difícil e desafiadora, mas também apaixonante. Trabalhei com adolescentes e jovens de escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio, realidades completamente diferentes, com desafios complexos. Nesse contexto, atuei como arte-educadora, vivência que me enriqueceu extraordinariamente. Trabalhei, enfim, com jovens e adultos na universidade pública, onde pratiquei o exercício da reflexão e da crítica com maior profundidade.

Durante algum tempo, prestei serviços na Secretaria Estadual de Educação, na área de currículo, planejamento educacional e formação de profissionais de educação. Constatei que, sem a experiência do magistério, o meu trabalho jamais teria repercussão no chão da escola. Fui consultora do Ministério de Educação em alguns trabalhos, entre eles na elaboração dos Planos Municipais de Educação do Piauí. Atuei também como conselheira estadual de educação, função que exige muito estudo e conhecimento da realidade.

Em dado momento de minha carreira, resolvi escrever um livro, no qual abordei os problemas e desafios de quem assume o magistério com compromisso e responsabilidade. Seu título: "Professor, sai da caverna". Foi publicado pela editora da UFPI. Paralelamente a essas atividades, fiz o curso de instrutora de Yoga, cuja prática mantenho até o momento em que vivo. Tenho outros projetos: escrever um outro livro (dessa vez com a participação de alunos) e trabalhar Yoga com crianças de uma escola municipal da periferia de Teresina, cidade onde moro. Talvez eu continue a sonhar até o fim da vida, porque, no fundo, sei quem sou e para que estou nesse mundo.

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