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Síndrome de Peter Pan

Escrito por Eu Sem Fronteiras

Ele morre de medo de assumir as responsabilidades da vida e gostaria de ser adolescente para sempre, só para não ser obrigado a carregar o peso das obrigações da vida adulta, então age de maneira imatura, para fugir do processo de amadurecimento natural pelo qual passamos na vida, sempre dizendo que é livre para fazer o que quer e que “um dia” correrá atrás dessas coisas que todo mundo diz que ele deveria fazer.

Essa é uma descrição do famoso personagem Peter Pan, criado pelo escritor J. M. Barrie, mas imortalizado em um filme produzido pela Disney em 1953, que virou um clássico. Bem, a personalidade descrita é do Peter Pan, mas pense nas pessoas que fazem ou já fizeram parte da sua vida: você conhece alguém que tem um comportamento ou uma visão de mundo parecida com essa? Se sim, essa pessoa pode ter a Síndrome de Peter Pan!

O que é a Síndrome de Peter Pan?

A Síndrome de Peter Pan não está referenciada nos manuais de transtornos psicológicos, como o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, que define as bases a respeito de transtornos psicológicos, mas já é aceita como factível por alguns psicólogos. Esse problema foi descrito pela primeira vez em 1983, no livro “The Peter Pan Syndrome: men who have never grown up” (“A Síndrome de Peter Pan: homens que nunca crescem”), do autor Dan Kiley.

Segundo Kiley, os principais sintomas da síndrome são: negação à vida adulta e ao processo de envelhecimento, irresponsabilidade, narcisismo, irritação e dificuldade de lidar com suas emoções e, por fim, rebeldia. “Segundo o autor e o consenso que temos ao analisar alguns casos que chegam até nós por meio de terapia, percebemos que crianças que são muito protegidas, mimadas, para usar um termo mais popular, são aquelas que crescem com o problema”, explica o psicólogo clínico Anderson Pereira Neves.

Imagem de uma jovem garota oriental de cabelos longos e com uma tiara azul florida sobre a cabeça. Ela está em uma floresta e segura em suas mãos uma gaiola pequena na cor branca decorada com fitas e dentro dela uma maçã.
Imagem de Jess Foami por Pixabay

Sintomas

Diferentemente de doenças do corpo físicas, que normalmente apresentam sintomas claros, como dores, queimações e por aí vai, os transtornos psicológicos, ainda que tenham alguns sintomas mais comuns, podem variar bastante, dependendo do caso, da experiência de vida da pessoa e do modo como ela lida com o problema.

É, portanto, difícil definir uma lista de sintomas claros, mas há alguns indícios que podem apontar esse problema, segundo Pereira Neves: “A imaturidade é provavelmente a principal característica da pessoa com a síndrome, porque ela costuma ter muita dificuldade de lidar com qualquer aspecto da vida adulta, seja a busca por emprego, o estudo na universidade ou os relacionamentos amorosos, de amizade ou com familiares. É claro que há muitos fatores socioeconômicos envolvidos num problema complexo como esse, mas a pessoa com a síndrome pode, por exemplo, chegar aos 20 e poucos anos sem sentir a necessidade de trabalhar ou de estudar para conquistar algo na vida, seja o que for.”

Ainda de acordo com o psicólogo, muita gente confunde imaturidade com um jeito mais brincalhão de ser. Há, é claro, várias maneiras de considerar alguém imaturo e há também pessoas que são mais ou menos bem-humoradas do que outras, então isso não significa que aquele seu amigo que vive fazendo piadinhas e brincadeiras sem graças esteja “preso” na infância ou na adolescência. “A imaturidade à qual nos referimos quando falamos dessa síndrome é realmente semelhante a um medo, a uma falta de vontade e de coragem de correr atrás de qualquer coisa que a tire do conforto da vida da infância e da adolescência, quando a comida já aparecia pronta na mesa, as roupas dobradas no armário e a única obrigação era estudar o mínimo possível para receber uma nota 5 na escola”, detalha Pereira Neves.

Imagem com fundo de uma parede pintada nas cores amarela e vermelha. À frente uma jovem, bem despreocupada, sentada e alegre.
Imagem de Dimitris Vetsikas por Pixabay

Causas

No estudo da psicologia humana, muitos autores descrevem as crianças como seres narcisistas e egocêntricos, por se considerarem o centro do mundo. Se querem comer, quando são pequenos, choram até receber o alimento; quando são adolescentes, fazem cara feia e respondem mal aos pais até que sejam alimentados. Esses são apenas exemplos, claro. Conforme amadurecemos e entramos na vida adulta, começamos a entender que chorar e berrar não resolve nenhum dos nossos problemas, e também que fazer cara feia a quem quer que seja provavelmente agravará a situação, em vez de resolvê-la. “É quase que natural que o ser humano, conforme vive e vai adquirindo experiência, comece a entender o que funciona e o que não funciona, compreendendo também que era ajudado na infância e na adolescência porque estava dando seus primeiros passos na vida, mas que, já adulto, precisa caminhar com as suas próprias pernas”, detalha o especialista.

“Isso pode ser chocante para muitos jovens, essa súbita revelação de que ele precisa aprender a resolver e a suprir suas necessidades, sobretudo para quem foi muito protegido pelos pais e afastado de assumir qualquer responsabilidade. Por exemplo: um jovem de 16 anos que nunca pegou uma vassoura ou um pano para limpar um chão, porque os pais faziam isso por ele ou tinham empregados em casa, provavelmente vai ficar muito inconformado ao precisar fazer isso sozinho quando precisar, afinal sempre fizeram por ele, não é?”, exemplifica Pereira Neves.

Ainda que não tenha uma causa direta, como muitos dos transtornos psicológicos, é consenso que a falta de necessidade, vontade ou obrigação de amadurecer e de fazer a passagem da adolescência para a vida adulta é a principal causadora dessa síndrome, já que aqueles que sofrem com ela geralmente carregam traumas e características da infância e dos anos de adolescente, muitas vezes causados pelo ambiente familiar ou pela criação dos pais. “Quando incluímos os pais nas causas de um problema como esse, não é como se eles tivessem feito algo ruim pelos filhos. Geralmente, no caso dessa síndrome, é o extremo oposto: pais que foram zelosos e protetores demais; mas qual pai ou mãe não gostaria de fazer o possível para ver seu filho bem e levando uma vida confortável? Desconstruir é complexo e não permite que apontemos vilões e mocinhos, apenas que encontremos maneiras de lidar com tudo isso”, explica o psicólogo.

Outras dificuldades

Por fim, a dificuldade de lidar com emoções, das mais corriqueiras às mais complexas, é outro sintoma da síndrome. “Tem aquele chavão, que uso apenas para ilustrar, que diz que o primeiro coração partido dói muito mesmo, mas que os próximos já não doem tanto, pois passamos pela dor uma vez e aprendemos a lidar com nossas frustrações. Esse é um bom exemplo de como as pessoas com essa síndrome não agem, porque elas nunca se acostumam, por exemplo, com a frustração, com a sensação de que algo deu errado”, explica Pereira Neves. Segundo ele, até mesmo emoções mais “simples” e que fazem parte do dia a dia podem causar sérios problemas para quem enfrenta esse problema: “Sabe aquela raiva que sentimos quando batemos o nosso dedo mindinho do pé em alguma quina? Quando somos adultos, podemos até gritar de dor e amaldiçoar alguma coisa por pura raiva, mas não vamos, por exemplo, atirar um objeto no chão ou até mesmo em alguém que tente falar com a gente, bem como não vamos sair correndo para o quarto e bater a porta depois de entrar, como fazem alguns adolescentes”, destacou Pereira Neves.

Alguns outros sintomas, segundo o psicólogo, envolvem protelação para resolver pendências e obrigações (exemplos: procurar um emprego, fazer uma tarefa da faculdade, providenciar um documento), dificuldade de estabelecer relações e vínculos sólidos e verdadeiros (exemplos: pessoas que vivem brigando com os amigos, deixam de falar com eles, simplesmente desaparecem da vida das pessoas que antes eram tão importantes) e quase nenhum interesse por sexualidade ou, em alguns casos, pelo prazer do outro na sexualidade, o que reforça a característica narcisista e egocêntrica.

Imagem rústica de um quintal. Nele encontra-se uma garota usando um vestido rústico e ela está sentada dentro de um carrinho de mão.
Imagem de Jess Foami por Pixabay

Como já descrito, os transtornos psicológicos atingem cada pessoa à sua maneira, sobretudo uma síndrome como essa, que é resultado da experiência de vida e do processo de amadurecimento da pessoa. Então quem é afetado por esse problema pode apresentar todos esses sintomas, apenas alguns, outros não descritos aqui ou nenhum desses, por isso é importante conversar com um profissional, para que ele ajude a pessoa a entender o que, de fato, está acontecendo. Dessa forma, portanto, vamos falar sobre o tratamento.

Tratamento

“Diferentemente de problemas como depressão, transtorno bipolar e transtorno de ansiedade, que são tratados com terapia, mas, algumas vezes, com o auxílio de medicamentos, não há nenhum remédio para a Síndrome de Peter Pan que não seja a conscientização da sua própria imaturidade e o esforço para mudar, e isso passa pela terapia, porque lá a pessoa se sente à vontade e livre de julgamentos em um espaço confortável e de análise, importante sobretudo para essas pessoas que costumam ter bastante dificuldade de expressar os seus sentimentos”, explica Pereira Neves, que segue: “Se você sente que não consegue ir atrás de um emprego, por exemplo, em terapia é possível discutir quais são as motivações dessa fuga, pouco a pouco combatê-las, respeitando o seu tempo, e, finalmente, chegar à resolução do problema, que é o próprio processo de conscientização de que você precisa de um emprego por tais e tais motivos, então vai buscá-lo, vai consegui-lo e as coisas vão melhorar, porque você amadurecerá a partir dessas experiências, ainda que doa um pouquinho, porque talvez você seja forçado a ir bem longe da sua zona de conforto.” Valorizar cada pequena mudança de comportamento e cada conquista é muito importante em um caso como esse, segundo o especialista.

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Algo que impede muita gente de buscar terapia é o medo e a vergonha do julgamento alheio ou, às vezes, o próprio medo de se ver diante dos seus problemas e de precisar ter força para enfrentá-los. “Terapia é um processo de libertação, é um processo de autoconhecimento que independe do que os outros pensam sobre você. Fazer terapia é um dos maiores movimentos de amor-próprio que podemos fazer, porque é como se disséssemos: ‘Tá bom, agora preciso cuidar de mim e me entender’, então busque fazer terapia, encontre um profissional que te ajude e garanto que mesmo sendo um processo incômodo, já que nos vemos diante de características e memórias, por exemplo, que escondemos de nós mesmos ou que preferimos negar, quando as acessamos e lidamos com elas, tudo fica muito melhor. Se duvida disso ou ainda tem receio de começar, converse com alguém que fez ou faz terapia e ouça com atenção ao depoimento dela”, opinou o psicólogo.

Artigo escrito por Lucas Alencar, da equipe do EuSemFronteiras

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