Autoconhecimento Comportamento

Solidão e solitude

Homem sozinho em um deserto durante o dia
123RF/Jaromir Chalabala
Escrito por Ana Racy

Um tema que tem estado em minha mente nos últimos meses é a solidão. Isso porque tenho ouvido muitas reclamações sobre “não ter alguém” ou “se sentir sozinho” e, nessa época de pandemia, ficou ainda mais forte, porque todos têm vivenciado algo inédito: o isolamento social, que agora está sendo flexibilizado, mas ainda com muitas restrições que nos acompanharão por algum tempo.

E é essa a reflexão que eu gostaria de fazer com vocês. O que significa se sentir sozinho?

Pode-se dizer que é um vazio, um buraco que sentimos por dentro e queremos preencher com coisas externas ou com pessoas. Nesse momento, tem início um novo desafio, porque não encontramos alguém ou alguma coisa que consiga fazer esse papel. Nós idealizamos a pessoa ou a coisa que nos faria feliz, tirando a dor que sentimos. Porém, isto não é possível, porque o outro não é responsável pela nossa felicidade, não consegue dimensionar a dor que sentimos nem consegue preencher o nosso vazio interior. A dor é só nossa e uma de suas origens pode estar no sentimento de baixa autoestima.

A pessoa que não consegue amar a si mesma em primeiro lugar, não conseguirá encontrar uma outra pessoa que a ame também e, menos ainda, da forma como ela imagina.

O desenvolvimento do autoamor está intimamente relacionado ao fato de não nos sentirmos sozinhos, porque quando nos amamos, apreciamos a nossa companhia e vamos ao cinema, festas, viagens tendo a nós mesmos como companheiro.

Mulher em uma cadeira de rodas sozinha em sua casa.
Foto de Marcus Aurelius no Pexels

Muitas pessoas podem estranhar isso e, inclusive, ver com olhos de tristeza: “Coitadinha, está sozinha.” Infelizmente, ainda persiste a ideia de que uma pessoa precisa de alguém para estar completa e feliz. Há sempre alguém querendo apresentar uma pessoa especial ou marcar um encontro para acabar com a “tristeza e solidão” do outro.

Sabemos que o ser humano é um ser gregário e precisa de vínculos, de pessoas ao seu lado para poder se desenvolver e evoluir. No entanto, isso não significa ser dependente do outro para ser feliz.

Se por um lado existe a solidão, por outro existe a solitude, que é o fato de saber estar sozinho sem achar isso deprimente. Entender a diferença entre solidão e solitude pode mudar tudo. Como dito acima, a solidão está ligada ao sentir-se sozinho. Já a solitude, é saber aproveitar a própria companhia.

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Em nossa passagem pelo mundo, nos deparamos com muitos desagrados e eles nos trazem o autoconhecimento. Pelo autoconhecimento, descobrimos nossos pontos fortes e nossas limitações e aceitá-las nos permite iniciar o processo de autoamor.

Pelo autoamor, conseguimos lidar com o vazio interno, ainda que ele não desapareça. Aceita-lo é não permitir que esse vazio seja maior que as outras coisas, lembrar que tudo é parte de um processo evolutivo.

Há um tempo fiz um seminário com Patch Adams, Doutor da Alegria, do filme “Patch Adams — O Amor é contagioso” e ele disse que lê muito, por isso tem muitos amigos. Na leitura, ele cria uma certa intimidade com os personagens e isto fez muito sentido para mim, porque quem lê realmente nunca está sozinho, conhece personagens, histórias, locais, costumes, enxerga diferenças, aumenta a autoaceitação e a aceitação do próximo pela compreensão das diferenças e acaba trazendo isso para o mundo real. Criar clubes de leitura pode abrir um novo horizonte.

Duas pessoas lendo livros lado a lado
Foto de Burst no Pexels

Por fim, acredito que a reflexão seja essa: “Nunca estamos sozinhos” e se assim nos sentimos, vamos procurar amigos, fazer contatos, não supervalorizar o negativo. Talvez seja uma luta constante, mas cada vez que a solidão ou a dor se torna menor, nós nos tornamos mais donos de nós mesmos e da nossa vida. A solitude fica maior e as lentes que usamos para enxergar a vida começam a ficar mais coloridas. Precisamos nos dar a chance de enxergar a nós mesmos e ao mundo de forma diferente.

“A solidão deve ser uma vitória, uma conquista, um esforço pessoal para evitar o excesso de barulho interno e externo. Apenas na solidão tornada solitude eu consigo um período de mínimo distanciamento para redescobrir quem eu sou e, acima de tudo, quem eu não sou…” (O dilema do porco-espinho, Leandro Karnal)

Sobre o autor

Ana Racy

Psicanalista Clínica com especialização em Programação Neurolinguística, Métodos de Acesso Direto ao Inconsciente, Microexpressões faciais, Leitura Corporal e Detecção de Mentira. Tem mais de 30 anos de experiência acadêmica e coordenação em escolas de línguas e alunos particulares. Professora do curso “Psicologia do Relacionamento Humano” e participou do Seminário “O Amor é Contagioso” com Dr. Patch Adams.

E-mail: anatracy@terra.com.br