Desde pequena sempre ouvi dizer que, por ocasião da primeira grande guerra, meu avô paterno veio da Itália para o Brasil e que aqui conheceu a minha avó, uma índia do sul de Minas, e com ela teve 13 filhos, além dos que foram perdidos ao nascer. Inclusive, uma dessas crianças que não ficaram era minha tia, gêmea de meu pai.
O sobrenome que carrego não é suficiente para que eu encontre meus familiares italianos. Pode ter sido erro de grafia ao ser registrado quando chegou a terras brasileiras, ou, por vontade própria, ele pode ter inventado um novo sobrenome, aquele que hoje não é possível ser reconhecido em lugar nenhum, por nenhuma circunstância.
O que resta de fato disso? Para meu irmão, por exemplo: nada. Para ele e talvez para muitos de meus primos, isso não representa muita coisa. Mas, para mim, essa é uma questão de imensa dor, desde pequena. Perguntas sem resposta sempre foram difíceis de serem engolidas por mim: Quem era a família desse avô que morreu um ano depois de eu nascer? Ele tinha irmãos que ficaram lá em terras distantes… Um amor? Amigos verdadeiros? Sonhos inacabados e desencontrados? De onde eu vim?
Um buraco evidente se apresenta. É como se eu não conseguisse me desvencilhar das despedidas malfeitas, da saudade gritante, do oceano que separa o passado do presente. De onde eu vim?
Uma árvore possui raízes, e nós, seres humanos, também as temos. Mas parte de minhas raízes se encontram em solo italiano, distantes de meu tronco que, às vezes, se vê tão oco por causa dos pontos de interrogação. De onde eu vim?
Será que lá, em algum lugar desconhecido, alguém ainda pensa em meu avô ou conta a história dele? Será que ele marcou a vida de alguém por lá? Deixou sua mãe e seu pai chorando? Será que tinha filhos, ou esposa, ou irmão, ou irmã, ou sobrinhos, ou amigos, ou um grande amor? Será que alguém está há anos nessa ligação mental e espiritual tentando resgatar o irresgatável? Identificar o que é ilegível? Sanar uma falta de presença irremediável?
Que colo de avô eu posso ter perdido? Quantas histórias ele poderia ter me contado se tivéssemos tido mais tempo. Por que sinto que perdi um vínculo que nunca se fortaleceu?
Quem eu conheci como pai era um homem duro. Alguém que me trouxe à vida, mas não sabia como conversar comigo. Alguém que tinha um jeito torto de amar. Um jeito que feriu mais do que apaziguou, um jeito que destruiu partes importantes de mim devido a abusos desnecessários e contínuos. Não havia conexão além de uma imensa dor.
Mas hoje eu me pergunto… O que será que foi feito desse homem, meu pai, filho de outro que não tinha lugar em sua terra natal, fugitivo e vivendo talvez escondido? Meu pai perdeu uma irmã gêmea ao nascer. Será que isso também reverberou em seu ser e o fez ser o poço de tristeza que me criou?
Essa dor que eu carrego por não me sentir pertencente a lugar nenhum não é só minha. Ela é uma dor compartilhada. Hoje olho para ela com respeito. A pergunta ainda ecoa: De onde eu vim? Mas agora acredito que preciso mudar a perspectiva desse meu questionamento e passar a me preocupar com: para onde vou agora?
Para onde seguir agora que sei que não haverá resposta? Aceitar.
Planejo ir em breve ao Porto de Santos, sentar em um lugar calmo por ali e observar um navio qualquer atracando. Imaginar meu avô descendo dele e vindo em direção a mim. Olhando profundamente em meus olhos e, com o amor que eu nunca senti, dizer-me: “eu te vejo”. Daí, no final da tarde, talvez com o Sol se pondo, olhar para as águas do oceano que me separam do meu passado familiar e murmurar para as águas salgadas: leve meu amor à terra que também é minha e, com o marulhar de suas ondas, preencha o vazio que me consome.
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E então vislumbrar esse avô de mãos dadas com meu pai ainda criança, subindo às escadas do mesmo navio, partindo em direção ao horizonte, sussurrando baixinho ao ouvido dele: “vamos, meu filho, vamos conhecer o pôr do Sol em Caserta…”