Convivendo Relacionamentos

Amigos: o que representam em nossas vidas?

Duas crianças de mãos dadas, se olhando. Ao fundo, o horizonte mostrando o pôr do sol
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“Amigo é coisa pra se guardar

Debaixo de sete chaves

Dentro do coração”

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“Amigo é coisa para se guardar

No lado esquerdo do peito

Mesmo que o tempo e a distância digam não.”

Brandt/Milton Nascimento

A amizade é um sentimento muito interessante. Ele não nasce de uma hora para outra. Precisa ser “costurado” dia a dia, fio por fio. Muitas vezes escutei minha mãe falar que amigos são como os dedos das mãos: poucos, mas muito valiosos. Quando jovem, não conseguia entender bem o que ela queria me dizer. Eu a julgava muito reservada. Para mim, todos aqueles que me cercavam e com quem convivia com cordialidade eram meus amigos. Porém o tempo foi me ensinando que não era tão simples assim. As relações que estabeleci com algumas pessoas nos ambientes de estudo e de trabalho, no ambiente familiar, no meio social de um modo geral, trouxeram-me a ilusão de que eu era uma pessoa rica de amizades. Mas, na verdade, tais “amizades” não resistiram ao tempo e à distância. Esvaziaram-se.

No atual momento de distanciamento social, reconheci meus verdadeiros amigos. Justamente na iminência de perdê-los ou da morte tê-los roubado de mim. O ser humano só percebe a importância de alguma coisa em sua vida quando se vê privado dela. O egoísmo e a autossuficiência turvam a nossa percepção da importância das pessoas em nossa breve existência. Não sabemos desfrutar, substancialmente, desse sentimento tão maravilhoso: a AMIZADE, que nada mais é que uma forma de amor tão especial.

Assisti a uma palestra da conceituada filósofa Lúcia Helena Galvão sobre a “Amizade segundo Khalil Gibran.” Ele afirma que não há amizade sem fraternidade. A fraternidade é a essência de uma verdadeira amizade. Penso que é por isso que consideramos nossos verdadeiros amigos como irmãos. Não se trata de uma amizade baseada em interesses, benefícios, status social e troca de favores. Ela é alimentada por valores muito significativos: a lealdade, a confiança, o respeito, a sinceridade e a verdade. É construída no diálogo com o outro. Somente aos verdadeiros amigos somos capazes de revelar nossos segredos e sonhos e solicitar seus conselhos.

Duas amigas sentadas na frente de uma fogueira, sorrindo e conversando
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Para o budismo, a amizade é um bem incomensurável. Em um de seus discursos denominado Sigalovada Sutta, Buda explicou a diferença entre o bom e o mau amigo, ou melhor dizendo, um inimigo disfarçado de amigo. Descreve esse falso amigo como alguém que faz elogios inverídicos, oferece pouco e pede muito, aproxima-se para proveito próprio, tenta ganhar favores por meio de palavras vazias, mas não tem disponibilidade e boa vontade para prestar uma ajuda solidária ou mesmo dar um apoio à pessoa de quem se diz amigo. Um mau amigo louva o suposto amigo em sua presença e o reprova na sua ausência. A minha geração chama o mau amigo de “amigo da onça.”

De acordo com o Jātaka Pāli, conjunto de histórias populares relativas aos nascimentos anteriores de Buda, precisamos tomar alguns cuidados para manter uma boa amizade. Para tanto, Buddha não só deu conselhos inestimáveis como também ensinou a tornar seus laços mais fortes. Evitar uma intimidade excessiva, com visitas muito frequentes ou, ao contrário, nunca visitar os amigos são atitudes que devem ser evitadas. É necessário bom senso.

A amizade não se alimenta com assuntos corriqueiros ou superficiais e tampouco com maledicências. A amizade se consolida na convivência dos momentos de alegria e de tristeza, de incerteza e de esperança, de sucesso e de fracasso, de dor e superação da dor. Um amigo nunca está à frente do outro, nem às suas costas; caminha ao seu lado e circunda-o no seu abraço. Não há espaço para uma verdadeira amizade entre pessoas egoístas, invejosas, dissimuladas. A amizade é um encontro espiritual por meio do qual ajudamos o outro a crescer como pessoa humana, ao mesmo tempo em que crescemos junto com ele. Ser amigo é fazer-se presença na vida do outro em forma de doação, sem esperar ou cobrar reconhecimento. A amizade é algo tão bom, tão precioso, que somente entre amigos nos sentimos verdadeiramente felizes.

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Estou a dizer-lhe tudo isso, meu caro leitor, porque estou com muitas saudades dos amigos que amorosamente cultivei durante a minha vida. Alguns já partiram, mas eu ainda os tenho comigo. Outros ainda estão aqui e, apesar do dos tempos difíceis que estamos vivendo, nossa amizade continua forte e insubstituível, embora silenciosa porque já não nos vemos ou falamos com a mesma frequência que antes. Mas isso não importa porque, como disse Gandhi, “a amizade é tudo aquilo que demonstramos mesmo em silêncio, pois os melhores amigos são aqueles que até no silêncio nos fazem felizes.”

É verdade. Muitas vezes, o melhor amigo é aquele que sabe nos escutar silenciosamente. Basta a sua presença ao nosso lado para nos confortar. Amigos assim são raros! Nossos melhores amigos! Conhecem nossa alma! Alguns são amigos de infância ou adolescência com quem compartilhamos momentos únicos de aventuras, alegrias, prazer, sonhos…

O tempo é um grande aliado da amizade quando sabemos aproveitá-lo para transformar nossos laços de amizade em nós cegos que somente a morte conseguirá desatar.

Sobre o autor

Conceição Castelo Branco

Sou formada em filosofia e pedagogia. Na verdade, sou uma eterna aprendiz que, aprendendo, também ensina. Sou uma educadora em construção. Nesse processo, descobri meus talentos. Ensinar e aprender foi um deles. Trabalhei com crianças como professora alfabetizadora. Tarefa difícil e desafiadora, mas também apaixonante. Trabalhei com adolescentes e jovens de escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio, realidades completamente diferentes, com desafios complexos. Nesse contexto, atuei como arte-educadora, vivência que me enriqueceu extraordinariamente. Trabalhei, enfim, com jovens e adultos na universidade pública, onde pratiquei o exercício da reflexão e da crítica com maior profundidade.

Durante algum tempo, prestei serviços na Secretaria Estadual de Educação, na área de currículo, planejamento educacional e formação de profissionais de educação. Constatei que, sem a experiência do magistério, o meu trabalho jamais teria repercussão no chão da escola. Fui consultora do Ministério de Educação em alguns trabalhos, entre eles na elaboração dos Planos Municipais de Educação do Piauí. Atuei também como conselheira estadual de educação, função que exige muito estudo e conhecimento da realidade.

Em dado momento de minha carreira, resolvi escrever um livro, no qual abordei os problemas e desafios de quem assume o magistério com compromisso e responsabilidade. Seu título: "Professor, sai da caverna". Foi publicado pela editora da UFPI. Paralelamente a essas atividades, fiz o curso de instrutora de Yoga, cuja prática mantenho até o momento em que vivo. Tenho outros projetos: escrever um outro livro (dessa vez com a participação de alunos) e trabalhar Yoga com crianças de uma escola municipal da periferia de Teresina, cidade onde moro. Talvez eu continue a sonhar até o fim da vida, porque, no fundo, sei quem sou e para que estou nesse mundo.

Contato:
Email: ceicacb@hotmail.com