Convivendo

Canção do amigo

Três amigos conversando um ao lado do outro
Helena Lopes / Pexels
Escrito por Luis Lemos

Ontem, por total e feliz coincidência, um amigo de longa data que mora em BH me mandou uma mensagem por WhatsApp: — Oi Luís, como você está? — escreveu ele. Essa pergunta me tirou do chão, até porque ele só se comunicava comigo por meio de figurinhas. Eu, sem saber o que lhe responder, deixei a imaginação voar por cima de sua frieza linguística e arisquei: — Estou bem e você?

Depois de dez minutos de total silêncio, sem nenhum emoji, ele me mandou outra mensagem. Escreveu ele: — Amigo, hoje eu acordei muito saudosista. Isso é bom ou ruim? — Depende — respondi-lhe imediatamente.

Depois de um silêncio sepulcral, ele respondeu-me: — Vou te mandar a letra da música que estou ouvindo agora. Era o que eu imaginava. Ele me mandou a letra da música “Canção da América”, de Milton Nascimento.

— Que artista fantástico é esse mineirinho — disse-lhe. Ele: — Não esqueça: “Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração. Assim falava a canção que na América ouvi, mas quem cantava chorou ao ver o seu amigo partir”.

Homem escrevendo em um caderno
Ivan Samkov / Pexels

Eu: — Cadê as outras estrofes da música? Ele: — Outro dia te mando. A minha internet está muito lenta. Eu: — Tudo bem. Outro dia conversamos mais. Ele: — Antes, porém, gostaria que soubesse que você é o meu melhor amigo — disse-me. — Eu? — Sim, você! — É que hoje é muito difícil existir amigo de verdade. — Sim, eu sei, mas você é, sim, o meu melhor amigo. Eu: — Por que você diz isso? Ele: — Porque foi contigo, querido amigo, que recusei as pequenezas humanas e seus acoites.

— Você é meu irmão, você sabe disso! — disse-lhe. Ele, com emojis de quem estava lacrimejando, respondeu-me: — O valor da nossa amizade é tão verdadeiro que me fez a criatura mais feliz do mundo, justa e íntegra. — Por que você diz isso? — Porque você foi o único que nunca deixou de falar comigo quando eu revelei para os meus amigos que era homossexual.

Ele manda um montão de emojis de choro. — Todos me abandonaram, menos você — lamenta. — Eu não fiz nada demais, apenas acolhi você em minha casa. — E você acha que isso não é tudo? Foi a sua família que me fez ver que eu não caberia em outra régua. Se hoje eu sei quem eu sou, o que eu quero, o meu tamanho, nem mais, nem menos, devo aos seus conselhos, à sua família, à nossa amizade.

Agora era eu que estava com os olhos cheio de lágrimas. Mesmo assim conseguir responder-lhe: — O que eu acho mais bonito no ser humano é a amizade. A Bíblia chega a dizer: “Quem encontrou um amigo encontrou um tesouro”. — E eu, a diversidade — ele me respondeu. — Sim, concordo contigo. Não existe amizade verdadeira se a pessoa não respeita o outro como ele é — respondi-lhe.

Novamente o meu amigo mandando um montão de emojis de gratidão e me disse: — Quero que saiba que, mesmo de longe, você está sempre presente em minhas orações e nas minhas leituras. Leio toda semana os seus artigos.

Eu, sem saber o que lhe dizer, apenas copiei e colei a sua terceira mensagem: — “Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração. Assim falava a canção que na América ouvi, mas quem cantava chorou ao ver o seu amigo partir” — não esqueça.

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Ele: — Jamais! Eu: — A nossa amizade é eterna. Ele: — Eu acho que essa música deveria se chamar “Canção do Amigo”. Eu: — Já que o autor também é daí, você poderia procurá-lo e sugerir esse título para ele. Ele: — kkkkkkkkkkkkk. Eu: — O que foi? Falei alguma besteira? Três minutos depois… Ele já estava offline. Eu: — Até qualquer dia. Como ele continuava offline, deletei essa última mensagem.

Sobre o autor

Luis Lemos

Luís Lemos é filósofo, professor, autor, entre outras obras, de “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas – Histórias do Universo Amazônico” e “Filhos da Quarentena – A esperança de viver novamente”.

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