Energia em Equilíbrio Yoga

Desejos e desapegos: Quem é mais feliz?

Escrito por Pedro Kupfer

Quando estava no Nepal, em 2008, ouvi uma história interessante. Um jovem cortador de pedra estava a trabalhar debaixo da chuva e pensava: “Sou totalmente limitado e insignificante. Queria me sentir melhor, ser diferente. Esta chuva é realmente poderosa. Como gostaria de ser chuva, para me livrar desta penúria!”, então, em um gesto de prece, levantou seus braços ao céu e pediu ao deus Ishvara, que satisfaz todos os desejos: “Ó Senhor, torna-me chuva”, após dizer essas palavras o jovem cortador ouviu a resposta de Ishvara lá do céu: “Tathastu! Que assim seja!”.

E assim o jovem tornou-se chuva. No começo, sentiu-se satisfeito descendo do céu, porém, quando percebeu que estava indo em direção a terra e que quando a tocasse seria absorvido, mudou rapidamente de ideia: “A chuva não é totalmente poderosa, logo desaparecerei para sempre no chão. A rocha sim é de fato poderosa”. Então, pediu novamente a Ishvara: “Ó Senhor, torna-me rocha!”. E novamente do céu, Ishvara respondeu: “Tathastu! Que assim seja!”, fazendo da chuva uma rocha.

Quando se tornou uma rocha, o jovem cortador sentiu-se muito firme e poderoso, ficando neste estado por muitos e muito anos. Até que um dia começou a sentir os golpes de um martelo cortando o seu corpo. Percebeu que um cortador de pedra, assim como ele tinha sido um dia, estava instalado sobre ele e o cortava em blocos. Naquele momento ele percebeu: aquele homem era muito mais poderoso do que qualquer rocha. Não demorou muito e ele mudou novamente de ideia e pediu a Ishvara: “Ó Senhor, transforma-me em um humano!”.

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Ishvara, com sua paciência infinita, que apenas os deuses podem possuir, respondeu: “Tathastu! Que assim seja!”. De repente, o jovem cortador de pedra se viu assumindo sua forma humana, realizando a mesma tarefa que fazia, exatamente no mesmo lugar onde havia feito seu primeiro pedido.

Na tradição do Yoga as histórias têm sido utilizadas para transmitir valores e ensinamentos e assim, esta história que ouvi no Nepal, exemplifica uma busca pelo prazer ou pela segurança, uma busca que nunca acaba e que é o motor dos desejos.

O grande problema

Meu mestre, Swami Dayananda, diz que os seres humanos têm um problema chamado: “o problema fundamental”, que é a matriz de todas as formas de sofrimento e existe na nossa incapacidade de nos ver como pessoas felizes e plenas. Quando me olho no espelho não consigo me observar como um ser tranquilo e satisfeito, mas sim como um ser que acredita que a felicidade se conquista com a satisfação dos desejos.

O jovem da história termina e começa a sua jornada no mesmo lugar, assim como quando corremos atrás de desejos, estamos em busca da felicidade, sendo que, na verdade, não saímos do lugar em que nos encontramos, pois a ânsia de conquistar é substituída pela preocupação de manter os desejos ou de perder aquilo que se conquista.

Nossas ações são motivadas pelos desejos e não há nada de errado em tentar satisfazê-los, o segredo é saber que a nossa felicidade não depende disso. A paz que os desejos nos dão é efêmera. É necessário que o impulso de satisfazer qualquer desejo seja quebrado e lembrar, a todo o momento, que nós já somos a paz e a felicidade que buscamos.

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Porque, se você viver de outra forma, estará buscando algo que te tornará diferente daquilo que é, da mesma forma que o cortador de pedra. O yogi sabe que sua felicidade não depende de desejos realizados. No entanto, ele não foge à ação relacionada aos desejos e tem a consciência de que as vontades podem ser verdadeiras prisões, se não souber quem realmente é. Estar consciente não é se policiar em todos os instantes, mas sim identificar as reações automatizadas antes mesmo que elas se manifestem, evitando frutos indesejáveis.

Desejos e felicidade

A busca pelo prazer ou a satisfação dos desejos não é um problema, nem mesmo desejar objetos. O problema está em depositar toda a sua felicidade nisso.

É natural do ser humano estar inclinado a esta busca pelo prazer, pelo conforto e pela segurança. Porém é inatural acreditar que satisfazer seus desejos é a única maneira de encontrar a felicidade. A tradição do Yoga nos ensina que os desejos não podem ser um meio para a felicidade.

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Vivo um estado de contentamento quando estou ciente que nem sequer possuo o meu próprio corpo e que não exerço nenhum controle sobre ele: o meu cabelo cai quando ele quer cair, o meu fôlego se perde quando ele acha que está na hora de se perder, e o meu corpo envelhecem com o passar dos anos, e eu estou em paz com tudo isso.

Livre da ideia do ego, de noções errôneas do “eu” e do “meu”, vivo em paz, tendo uma visão maior daquilo que sou.

Descubra que você já é a paz,  já é a tranquilidade. Ir contra esta verdade pode te custar sua plenitude.

Namastê!

Sobre o autor

Pedro Kupfer

Pedro vive de vegetais, praia e surf. É casado com Ângela Sundari, com quem viaja com frequência para surfar, estudar, ensinar e compartilhar momentos bons com os seres humanos, plantas e animais deste belo planeta. Ensina Yoga há 30 anos. Move-se entre Portugal, Brasil, Índia, Indonésia e Chile, lugares que ama por diferentes motivos, sendo o mais importante de todos, as pessoas que conhece neles.

Oṁ Gaṁ Gaṇapataye namaḥ!

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